Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 3 - Março 2009Palavras Enviadas
Tarde Demais - José Miranda Filho
Era noite. Chovia muito. Não havia ninguém na rua. Por um momento ele contemplou as luzes resplandecentes da cidade através dos vidros da janela do quarto. A fumaça do cigarro se esvaiu no espaço deixando o ar irrespirável e escurecido. De repente, na amargura do desalento sentiu um desejo ardente de abraçar alguém, sentimento que não existia em seu coração já há bastante tempo. Mas, a quem abraçar? Não havia ninguém por perto. Como achar alguém àquela hora e ainda mais numa noite escura e tenebrosa sufocada pela tempestade que se abateu sobre a cidade. A solução para satisfazer seus instintos do momento veio através da vontade de abraçar sua própria sombra projetada na parede através das réstias da luz da vela acesa sobre a mesa, dentro de um pires, de modo a colher os detritos consumidos pela voracidade do fogo. A luz se apagara devido ao nocaute no sistema elétrico da cidade, causando pânico à população.
Ridículo abraçar-me, pensava! Mas a vontade de abraçar alguém era tanto que ao lançar-se sobre sua própria sombra, esta se moveu para um lado como se tivesse sido empurrada abruptamente por alguém. Ele ainda ouviu e sentiu o choque nitidamente. Por um instante, uma sensação estranha tomou conta do seu corpo, causando-lhe o temor de que algo sobrenatural estava acontecendo naquele lugar. Percebia alguma coisa anormal. Sentia no espaço a sensação estranha de algo desconhecido. Nunca acreditou em assombração....nunca viu e nem ouviu nada que fosse capaz de tirar-lhe o sono nas noites de tempestades. Achava pura imaginação o que sentia e ouvia. Ele ouviu a rugido do vento bradando nas vidraças da janela forçando-a e querendo penetrar naquele humilde quarto, aonde sobre a mesa existiam apenas uma vela acesa, um cigarro no cinzeiro e um copo de vinho, ainda pela metade. Não conseguia entender o mistério daquele desejo de abraçar alguém. Tentou novamente abraçar-se. Mais uma vez sua sombra o rejeitou, agora por uma movimentação brusca e inexplicável. Pela terceira vez também não conseguiu formalizar seu intento de abraçar-se. Entretanto, naquele momento a luz da vela se apagou misteriosamente, seguindo-se uma forte uivada de vento vindo do lado de fora da casa. Não acreditava em coisas sobrenaturais. Mas como duvidar disso se as janelas, as portas, tudo estava trancado e bem vedados... e como a luz se apagou? Não havia como o vento penetrar naquele recinto. Alguns instantes depois, como num toque de mágica a vela se acendeu novamente, trazendo-lhe o medo e o pânico, uma vez que ele pôde ver sua imagem movimentando-se na parede, indo de um lado a outro, enquanto ele permanecia ali parado de pé, estático ao lado da porta. Alguma coisa estava acontecendo. Foi verificar.
Dirigiu-se à porta para abri-la e andar um pouco à toa pela noite escura, mesmo sob a tempestade que encobria a cidade. Ele queria espairecer-se, esquecer de que existia vida para ele. Queria excluir de sua vida o nada, como se o nada não lhe representasse nada que não sentiu. Mas, o nada é tudo quando se tem abundancia de tristeza, de sofrimento e de dor. Nesta hora é que o nada passa a valer tudo e a gente prefere tê-lo. Ele queria fugir de si mesmo. Abraçar alguém, era a única coisa que desejava naquela hora. Queria esquecer o passado, já que seu passado foi trágico e cruel. Agora tinha medo do presente que jamais viveu.
Quando tocou na fechadura e girou-a para o lado esquerdo, a sombra postou-se à sua frente, e ai ele pôde perceber a realidade. Ouviu sua própria voz dizer-lhe suavemente: “Repudio o seu abraço e nem quero sua piedade. Você passou todos os anos da vida fugindo de si mesmo, da família, dos amigos. Isolou-se no mundo e refugiou-se na solidão. Esqueceu de viver e a todos olvidou e desprezou.” Naquele momento ele entendeu a razão de toda a existência e a dimensão da vida. Realmente já fazia bastante tempo que não sabia o que era um abraço, um sorriso, um ombro amigo, uma alegria ou um sentimento. Não sabia que o amor e o sorriso eram capazes de transformar o mundo. De tanto fugir das pessoas, isolar-se e afastar-se da sociedade, a solidão afetou seus neurônios e suas faculdades mentais, deixando-lhe profundas seqüelas e sérias conseqüências pelo gesto tresloucado e ignóbil que praticou, por ignorância ou crueldade.
No dia seguinte pela manhã seu corpo foi encontrado pelos vizinhos, ainda agarrado à maçaneta da porta, fulminado por um violento choque elétrico que o derrubou, juntamente com a porta, impedindo-o de abri-la e sair pela noite afora. Ele pensou em reverter aquele ódio insano que dominou sua alma por toda a vida, em momentos de alegria. Queria livrar-se da dor angustiante que sentia no peito, da falta de amor ao próximo, da indiferença e da ingratidão, da tristeza que carregava dentro de si e da solidão que vivia. Queria dar o pouco de amor que ainda restava em seu coração petrificado e empardecido.
Não houve tempo! Era tarde demais!
José Miranda Filho
Dezembro 2006.
Ridículo abraçar-me, pensava! Mas a vontade de abraçar alguém era tanto que ao lançar-se sobre sua própria sombra, esta se moveu para um lado como se tivesse sido empurrada abruptamente por alguém. Ele ainda ouviu e sentiu o choque nitidamente. Por um instante, uma sensação estranha tomou conta do seu corpo, causando-lhe o temor de que algo sobrenatural estava acontecendo naquele lugar. Percebia alguma coisa anormal. Sentia no espaço a sensação estranha de algo desconhecido. Nunca acreditou em assombração....nunca viu e nem ouviu nada que fosse capaz de tirar-lhe o sono nas noites de tempestades. Achava pura imaginação o que sentia e ouvia. Ele ouviu a rugido do vento bradando nas vidraças da janela forçando-a e querendo penetrar naquele humilde quarto, aonde sobre a mesa existiam apenas uma vela acesa, um cigarro no cinzeiro e um copo de vinho, ainda pela metade. Não conseguia entender o mistério daquele desejo de abraçar alguém. Tentou novamente abraçar-se. Mais uma vez sua sombra o rejeitou, agora por uma movimentação brusca e inexplicável. Pela terceira vez também não conseguiu formalizar seu intento de abraçar-se. Entretanto, naquele momento a luz da vela se apagou misteriosamente, seguindo-se uma forte uivada de vento vindo do lado de fora da casa. Não acreditava em coisas sobrenaturais. Mas como duvidar disso se as janelas, as portas, tudo estava trancado e bem vedados... e como a luz se apagou? Não havia como o vento penetrar naquele recinto. Alguns instantes depois, como num toque de mágica a vela se acendeu novamente, trazendo-lhe o medo e o pânico, uma vez que ele pôde ver sua imagem movimentando-se na parede, indo de um lado a outro, enquanto ele permanecia ali parado de pé, estático ao lado da porta. Alguma coisa estava acontecendo. Foi verificar.
Dirigiu-se à porta para abri-la e andar um pouco à toa pela noite escura, mesmo sob a tempestade que encobria a cidade. Ele queria espairecer-se, esquecer de que existia vida para ele. Queria excluir de sua vida o nada, como se o nada não lhe representasse nada que não sentiu. Mas, o nada é tudo quando se tem abundancia de tristeza, de sofrimento e de dor. Nesta hora é que o nada passa a valer tudo e a gente prefere tê-lo. Ele queria fugir de si mesmo. Abraçar alguém, era a única coisa que desejava naquela hora. Queria esquecer o passado, já que seu passado foi trágico e cruel. Agora tinha medo do presente que jamais viveu.
Quando tocou na fechadura e girou-a para o lado esquerdo, a sombra postou-se à sua frente, e ai ele pôde perceber a realidade. Ouviu sua própria voz dizer-lhe suavemente: “Repudio o seu abraço e nem quero sua piedade. Você passou todos os anos da vida fugindo de si mesmo, da família, dos amigos. Isolou-se no mundo e refugiou-se na solidão. Esqueceu de viver e a todos olvidou e desprezou.” Naquele momento ele entendeu a razão de toda a existência e a dimensão da vida. Realmente já fazia bastante tempo que não sabia o que era um abraço, um sorriso, um ombro amigo, uma alegria ou um sentimento. Não sabia que o amor e o sorriso eram capazes de transformar o mundo. De tanto fugir das pessoas, isolar-se e afastar-se da sociedade, a solidão afetou seus neurônios e suas faculdades mentais, deixando-lhe profundas seqüelas e sérias conseqüências pelo gesto tresloucado e ignóbil que praticou, por ignorância ou crueldade.
No dia seguinte pela manhã seu corpo foi encontrado pelos vizinhos, ainda agarrado à maçaneta da porta, fulminado por um violento choque elétrico que o derrubou, juntamente com a porta, impedindo-o de abri-la e sair pela noite afora. Ele pensou em reverter aquele ódio insano que dominou sua alma por toda a vida, em momentos de alegria. Queria livrar-se da dor angustiante que sentia no peito, da falta de amor ao próximo, da indiferença e da ingratidão, da tristeza que carregava dentro de si e da solidão que vivia. Queria dar o pouco de amor que ainda restava em seu coração petrificado e empardecido.
Não houve tempo! Era tarde demais!
José Miranda Filho
Dezembro 2006.
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