Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 4 - Abril 2009Dos Leitores
O Fim De Um Sonho - José Miranda Filho
O dia mal amanheceu e ele já estava de pé. Estava frio e escuro. Levantou-se e foi direto à cozinha fazer o café. O almoço estava feito desde ontem à noite e acondicionado na marmita, dentro do forno para não esfriar. A mulher e as crianças continuaram dormindo.
Pegou a marmita, o guarda-chuva e os bilhetes da condução e partiu para mais um dia de trabalho. Ele era mestre de obras na construção de um prédio de 40 andares, com todos os requintes de luxo: piscina quente e fria, adulta e infantil, churrasqueira, solarium, sala de ginástica, biblioteca, discoteca, salão de festas e de jogos, sauna, e um tanto de coisas mais que mal sabia o que eram. Também, para esse tipo de edifício, um apartamento por andar, com 400 metros quadrados de área, tinha que ter mesmo todas essas coisas extravagantes, que só os ricos podem possuir, pensava ele.
Andou cerca de 500 metros para pegar o ônibus que o levaria até a obra. De sua casa até o trabalho gastava uma hora e trinta minutos. De segunda a sexta ele fazia esse percurso duas vezes ao dia. Aos sábados ele trabalhava de pedreiro fazendo bico para os vizinhos. Afinal, sua fama de bom profissional se espalhara na redondeza.
Aquele dia de chuva e frio parecia normal como qualquer outro, não fosse a triste tragédia que abalou os operários do canteiro de obras, e particularmente o mestre seu chefe e amigo Ton, também conterrâneo.
Às 10 horas e 30 minutos, um andaime carregado de tijolos e cimento despencou do 12º andar e atingiu em cheio a cabeça de Severino, um ajudante “meia-cuié” na gíria da construção, que morava no próprio local e estava no momento do acidente, preparando a massa para o assentamento de pisos no apartamento que serviria de amostra aos futuros compradores.
Todos correram na tentativa de salvar aquele humilde operário que havia deixado a mulher e dois filhos no sertão nordestino do Piauí para tentar ganhar a vida em São Paulo, fugindo da seca e da fome. Lá não tinha emprego e nem perspectiva de melhora. A frente de trabalho aberta pelo governo para a construção de açudes não fora suficiente para empregar todo mundo. Tinha gente demais e vaga de menos. O jeito foi arrumar as malas, pegar o ônibus e partir para a aventura, afinal já ouvira falar que em São Paulo se ganha muito dinheiro e tem trabalho para todo mundo. Lá ficaram, a esposa e os dois filhos, menores de idade: William e Wellington, de dois e três anos, respectivamente.
Cícero, conterrâneo e amigo do Piauí, colega de acampamento de Severino, não continha as lágrimas que lhe caiam sobre o rosto transtornado e molhado de suor: - Que coisa horrível, meu Deus, que tragédia, repetia a todo instante, indo e vindo de um lado para outro do lugar onde estava o corpo. - Como o Severino não viu o andaime vindo em sua direção! – Será que ele não ouviu o barulho dos cabos deslizando sobre a torre de madeira? Meu Deus!, exclamava a todo instante.
O resgate foi acionado e os heróis salva-vidas do corpo de bombeiros nada puderam fazer pelo coitado que jazia moribundo sobre o teto frio da laje.
Às 20 horas seu corpo foi levado para e Instituto Médico Legal para autopsia.
Cícero, que a pedido do mestre de obras acompanhou tudo e incumbiu-se de transmitir à família a triste tragédia, imaginava um modo de avisar sem causar traumas ou sentimentos maiores. Não tinha como fazer... na casa de Severino não tinha telefone, aliás na vila inteira ninguém tinha. O jeito foi mesmo ligar para o posto telefônico local e pedir para irem até a casa de Dona Zuleide, avisá-la para estar ás 21 horas na telefônica, que Severino, seu esposo, queria falar com ela.
Às 21 horas em ponto Cícero telefonou e disse que Severino não pudera vir e pediu-lhe que desse o recado. Mas, Zuleide não acreditou e começou a chorar questionando Cícero sobre o que havia acontecido, já que a noite passada tivera um sonho em que via inerte sobre uma laje o corpo do marido.
Em prantos Cícero contou-lhe o ocorrido e disse que o corpo de Severino estava sendo enviado para sua cidade para ser sepultado, e em seguida desligou o telefone.
À noite, na solidão do acampamento, sem a presença do companheiro e amigo, Cícero imaginava-se voltando para sua terra natal com dinheiro no bolso, o suficiente para comprar algumas rezes e uma pequena roça onde pudesse plantar e colher alguns grãos, sustentar a família e viver feliz. Sonho que Severino também sonhou sem tempo de realizar.
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