Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 7 - Julho 2009Memória - Roniwalter Jatobá
O palco da metrópole
breve história do Teatro Municipal de São Paulo, construído numa época de ampla reestruturação urbanística da cidade
Um escândalo! Durante as noites de 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, um movimento de renovação artística e literária agita a cidade de São Paulo. Era a Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal, o templo cultural da elite bem-pensante da época. Para Paulo Prado, fazendeiro de café e um dos idealizadores da semana, junto com sua mulher Marinetti e o pintor Di Cavalcanti, o objetivo era "assustar essa burguesia que cochila na glória de seus lucros." Na noite inaugural, após discurso do escritor Graça Aranha, dos apartes de Oswald de Andrade ("Carlos Gomes é horrível"), entre vaias e insultos da platéia, declamaram-se poesias. No luxuoso saguão de entrada, exposição de pinturas e esculturas de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Brecheret, Goeldi e outros. No último dia, o compositor Villa-Lobos encerra a semana, que seria definida posteriormente pelo escritor Mário de Andrade como "uma bruta sacudidela nas artes nacionais".
Na época, público e imprensa não entenderam assim. Ao incômodo dos versos sem rima e dos "disparates cabeludos" somou-se a indignação com a utilização anárquica da mais importante casa de espetáculos de São Paulo, onde a burguesia paulista se encontrava nas noites de gala para prestigiar as óperas e companhias dramáticas vindas da Europa.
Cultura do Café
O Teatro Municipal, na verdade, significava o desenvolvimento que atingia São Paulo desde a última década do século passado, representado pela cafeicultura e o alvorecer industrial. Com o surto de progresso, era hora de sonhar em ter uma casa de espetáculos em condições de receber bem as companhias teatrais que chegavam à cidade. Habituada ao Alla Scala, de Milão, ao L'Operá, de Paris, ou ao Covent Garden, de Londres, a elite torcia o nariz para os palcos paulistanos. O Teatro Politeama, inaugurado em 1892, embora de ótima acústica, "não passava de um enorme barracão". O Teatro Minerva, que sofrera várias reformas desde sua inauguração em 1873, "já não tinha condições de oferecer um mínimo de conforto às famílias que o freqüentavam".
Desde 1895, havia o desejo de construir um teatro oficial para São Paulo. A primeira iniciativa partiu da Câmara Municipal, que apresentou seguidos projetos convocando interessados na "construção de um ou dois teatros". Mesmo oferecendo ao vencedor da concorrência o privilégio de isenção de impostos pelo período de dois anos, depois vinte, e, finalmente, cinqüenta anos, os endinheirados preferiram investir na indústria ou em outra cultura, a do café. Por fim, os poderes públicos resolveram desapropriar uma chácara no início da rua Barão de Itapetininga, de propriedade do coronel Antonio Proost Rodovalho, por 692 contos de réis. Na época, a região era chamada de "centro novo", ligada ao "velho centro" (o triângulo) pelo viaduto do Chá, obra de 1892. A cidade, então com 250 mil habitantes, se expandia em várias direções. A leste, a baixada do Brás, com a estação do norte e a Hospedaria de Imigrantes, rapidamente se transformava em bairro de pequeno comércio e reduto do operariado. A Estação da Luz, ao norte, era outro centro de atividade, sendo os terrenos aí também ocupados pelas classes mais pobres. Eram subdivididas as chácaras dos bairros de Santa Ifigênia e Campos Elísios, local de moradia da elite em ascensão. Havia ainda a ocupação progressiva do bairro de Higienópolis e avenida Paulista, seguindo depois até os Jardins.
Celeuma da Imprensa
Enquanto isso, discutia-se a denominação do teatro. Alguns pretendiam teatro São Paulo e outros, Municipal. Antonio Prado, prefeito da capital, nomeou a Comissão Construtora, sob a direção de Ramos de Azevedo. Integravam a comissão: Domiziano Rossi, que trabalhava no escritório de Ramos de Azevedo, e Cláudio Rossi, cenógrafo. O engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), com formação profissional na Europa, dispensava apresentações. Agente decisivo no estabelecimento da nova imagem de São Paulo, já havia erguido, entre outras obras, a Escola Politécnica, no bairro da Luz, a Escola Normal, na praça da República, e o Liceu de Artes e Ofícios, de onde sairia o mobiliário do futuro teatro. Vaidoso e pouco propenso a dividir glórias, o arquiteto teve que enfrentar o protesto dos Rossi, co-autores do projeto do Municipal. Um deles descobriu que na placa inaugural confeccionada não constava o nome dos auxiliares. Acabou provocando uma celeuma nos jornais e obrigou a municipalidade a gravar outro bronze, corrigindo o erro que ficaria para a posteridade.
Brio Paulistano
Foi na administração de Antonio Prado (1898 a 1910) que São Paulo começou a ganhar novos espaços e seu aspecto de metrópole. A palavra de ordem era remodelar a cidade, mudar seus ares de província, tal como acontecia na Capital Federal (Rio de Janeiro), onde se abriam avenidas e praças. Os cariocas, por sinal, já haviam iniciado a construção do seu teatro Municipal, inaugurado em 1909, o que mexia com o brio dos paulistas.
Além de iniciar obras de saneamento, Antonio Prado ajardinou, em 1904, a praça da República, que o ex-presidente da província, João Theodoro Xavier, havia regularizado em 1872, quando esta se chamava largo dos Curros e era o local onde circos ambulantes exibiam tourada. Remodelou também o Jardim da Luz e o largo do Paiçandu, contratando os serviços de urbanistas europeus. Abriu a avenida Tiradentes, dando acesso a toda a zona norte da cidade, arborizou e pôs calçamento em diversas ruas. E foi ainda Antonio Prado quem alargou o pátio do Rosário no começo da rua São João, criando uma praça próxima do triângulo, em que se instalaram confeitarias freqüentadas pelos elegantes. O prefeito não permitiu que fossem erguidas cercas na nova praça da República, embora os aristocratas protestassem, pois, no tempo do Império, os melhores jardins eram cercados, para só permitir o acesso à elite. Ainda no final da década montou-se nessa praça uma pista de patinação, que atraía público de diversos bairros. O lazer da maioria da população na época não ia além de jogos de bocha, corrida de cavalo na Mooca, mergulhos e passeios de barco no rio Tietê e apresentações de bandas, como a Corporação Musical Operária da Lapa.
Em 5 de junho de 1903, foi iniciada a construção do Municipal, que teve seu projeto inspirado no "Ópera de Paris". Composto no estilo Barroco, chamado na Itália de "seicento", apelidado de "minestrone neocolonial" pelos modernistas que o sacudiriam tempos depois, o teatro era o maior edifício da cidade. Um dos pavimentos era subterrâneo, e abrigava sistemas de refrigeração e elevação do palco. Vinte e cinco grandes vitrais vieram da Alemanha, a maioria deles fazendo referência à origem grega do teatro -- mesma referência pintada na cúpula do salão nobre. Lá, uma atriz declama num palco criado num carro de bois, ladeada por um ator e um flautista.
Dia da Inauguração
A inauguração foi numa terça-feira, 12 de setembro de 1911. Marcada para o dia anterior, a estréia teve que ser adiada devido ao atraso na chegada dos cenários que vieram da Argentina. Outro contratempo: a apresentação na estréia de uma ópera estrangeira causou um intenso debate. Alguns lembraram que a inauguração do Municipal carioca havia sido aberto com o Hino Nacional, discurso do poeta Olavo Bilac e ópera de Carlos Gomes. Preocupados, os organizadores da festa requisitam forte policiamento, para prevenir invasão do teatro e disciplinar o grande número de veículos. Sob pressão da Câmara Municipal a primeira música ouvida foi o Guarani de Carlos Gomes. A apresentação da ópera de Ambroise Thomas, Hamlet, numa encenação da companhia lírica do barítono Titta Ruffo, foi interrompida ao meio devido ao atraso do programa inaugural. "Esteve deslumbrante a inauguração", registrou a revista Illustração Paulista, de 16/9/1911. "Desde o anoitecer que o teatro estava, interior e exteriormente, feericamente iluminado (...). O Viaduto do Chá estava repleto (...). A grande multidão que se formava a essa hora nas proximidades do teatro dificultou de tal forma o trânsito de carros e automóveis com os espectadores, que alguns somente às 10 horas da noite conseguiram chegar à porta do teatro". O Estado de S. Paulo anotou: "Cerca de trezentos veículos transportam espectadores para o teatro, tendo permanecido aguardando a saída 290 veículos, dos quais 140 automóveis e 150 carros". O cronista social do Correio Paulistano descreveu a festa, principalmente como se apresentaram vestidas as grandes damas da época: "Mme. dr. Jorge Tibiriçá, toilette de calipso de seda marinho (...). Mme. Guilherme Rubião, belíssima toilette de cetim duchesse gris, com voilage de mousseline chanteag, guarnecida de aplicação e franja de vidrinho, sur même nuance".
Celebridades e Povo
A partir daí, o teatro abriu-se para uma série de óperas, principalmente. Os italianos, estabelecidos no Brás e no Bexiga, lotavam o Municipal quando companhias líricas passavam por São Paulo. Em 1916, quando o maior de todos os tenores, Enrico Caruso, começou a cantar, em francês, a ópera Carmem, de Bizet, as colunas do teatro estremeceram com o murmúrio de desaprovação emitido pelo público, exigindo do tenor que cantasse em italiano. Além de óperas, o Teatro Municipal sediava também bailes, como em benefício das vítimas das inundações na Bahia, em 1914, ou em favor dos "belgas desamparados", em 1916, além de banquetes para políticos do PRP (Partido Republicano Paulista).
Ao fim de algum tempo, sendo insuficiente o foyer, a prefeitura fez construir um tablado desmontável, adaptado sobre a platéia, ao nível do palco, servido para grandes bailes e banquetes. Muitos bailes de carnaval realizam-se no teatro, que também abrigou grandes momentos e figuras marcantes para a vida cultural da cidade. A lista das celebridades dá a justa dimensão do Municipal: a dança de Anna Pavlova, Isadora Duncan, Margot Fontayn, o bailarino Mikhail Barishnikov, o pianista Arthur Rubinstein, o maestro Arturo Toscanini, o canto lírico de Maria Callas e Enrico Caruso, o jazz de Ella Fitzgerald, Duke Ellington e Miles Davis, a companhia de dança de Maurice Béjart, o I Congresso Brasileiro de Escritores e o evento que marcou decisivamente a história do Municipal, a Semana de Arte Moderna.
Nos anos 30, o povo sobe as escadarias do teatro pela primeira vez. Foi aberto aos trabalhadores "com grande inquietação dos meios grã-finos pelos estragos que aí podia praticar o homem do povo", relatou o professor Paulo Duarte. "Pois a surpresa foi sensacional: a gente do povo era muito mais educada do que a gente educada! Nunca se verificou um estrago, um desrespeito, durante aqueles espetáculos de música ou de teatro oferecidos especialmente aos operários, com entrada grátis. O teatro regurgitava de uma multidão modesta, mas atenta e respeitosa". Já na década seguinte, são criados seus próprios corpos estáveis: a Orquestra Sinfônica, os corais Lírico e Paulistano, o Corpo de Baile. Resultado: companhias líricas vindas do exterior já podiam chegar menos numerosas, pois havia artistas organizados em São Paulo.
Avanço Tecnológico
Quase centenário, o Municipal passou por importantes reformas. Uma delas foi em 1952, com vistas à comemoração do IV Centenário da cidade, ocorrida em 1954. A reforma, entretanto, acabou somente no ano seguinte. A segunda durou de 1985 a 1991, e, além de recuperar a cor verde original das paredes internas, dotou o palco de elevadores cênicos modernos e uma plataforma elevatória. O sistema de iluminação tomou-se computadorizado, permitindo grande precisão nos efeitos cênicos.
Se vivos fossem, os modernistas certamente apoiariam a grande faxina e os avanços tecnológicos, Mário e Oswald de Andrade à frente. O primeiro foi o idealizador do Departamento de Patrimônio Histórico da cidade, e o segundo sempre teve motivos de sobra para recordar as noites no coração da metrópole. Como na vez em que, "mordido pela tarântula da curiosidade e exaltado pela prosa dos estetas", correu para ver a bailarina Isadora Duncan. Era 1916. "Não sei como nem onde jantei, completamente alienado", conta ele. "Sei apenas que tudo me conduziu, mesmo as pernas, até o Teatro Municipal que esplendia de luzes e de gente. Isadora Duncan estreava em São Paulo (...). O pano se levantou e eu vi a Grécia. O cenário unido duma só cor abria-se para vinte e cinco séculos de mar, montanhas e de céu (...). A voz do piano arquiteturava Gluck. Essa mulher é alga, sacerdotisa, paisagem. Deixei estonteado o teatro, a gente. Perdi-me de novo na cidade".
Na época, público e imprensa não entenderam assim. Ao incômodo dos versos sem rima e dos "disparates cabeludos" somou-se a indignação com a utilização anárquica da mais importante casa de espetáculos de São Paulo, onde a burguesia paulista se encontrava nas noites de gala para prestigiar as óperas e companhias dramáticas vindas da Europa.
Cultura do Café
O Teatro Municipal, na verdade, significava o desenvolvimento que atingia São Paulo desde a última década do século passado, representado pela cafeicultura e o alvorecer industrial. Com o surto de progresso, era hora de sonhar em ter uma casa de espetáculos em condições de receber bem as companhias teatrais que chegavam à cidade. Habituada ao Alla Scala, de Milão, ao L'Operá, de Paris, ou ao Covent Garden, de Londres, a elite torcia o nariz para os palcos paulistanos. O Teatro Politeama, inaugurado em 1892, embora de ótima acústica, "não passava de um enorme barracão". O Teatro Minerva, que sofrera várias reformas desde sua inauguração em 1873, "já não tinha condições de oferecer um mínimo de conforto às famílias que o freqüentavam".
Desde 1895, havia o desejo de construir um teatro oficial para São Paulo. A primeira iniciativa partiu da Câmara Municipal, que apresentou seguidos projetos convocando interessados na "construção de um ou dois teatros". Mesmo oferecendo ao vencedor da concorrência o privilégio de isenção de impostos pelo período de dois anos, depois vinte, e, finalmente, cinqüenta anos, os endinheirados preferiram investir na indústria ou em outra cultura, a do café. Por fim, os poderes públicos resolveram desapropriar uma chácara no início da rua Barão de Itapetininga, de propriedade do coronel Antonio Proost Rodovalho, por 692 contos de réis. Na época, a região era chamada de "centro novo", ligada ao "velho centro" (o triângulo) pelo viaduto do Chá, obra de 1892. A cidade, então com 250 mil habitantes, se expandia em várias direções. A leste, a baixada do Brás, com a estação do norte e a Hospedaria de Imigrantes, rapidamente se transformava em bairro de pequeno comércio e reduto do operariado. A Estação da Luz, ao norte, era outro centro de atividade, sendo os terrenos aí também ocupados pelas classes mais pobres. Eram subdivididas as chácaras dos bairros de Santa Ifigênia e Campos Elísios, local de moradia da elite em ascensão. Havia ainda a ocupação progressiva do bairro de Higienópolis e avenida Paulista, seguindo depois até os Jardins.
Celeuma da Imprensa
Enquanto isso, discutia-se a denominação do teatro. Alguns pretendiam teatro São Paulo e outros, Municipal. Antonio Prado, prefeito da capital, nomeou a Comissão Construtora, sob a direção de Ramos de Azevedo. Integravam a comissão: Domiziano Rossi, que trabalhava no escritório de Ramos de Azevedo, e Cláudio Rossi, cenógrafo. O engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), com formação profissional na Europa, dispensava apresentações. Agente decisivo no estabelecimento da nova imagem de São Paulo, já havia erguido, entre outras obras, a Escola Politécnica, no bairro da Luz, a Escola Normal, na praça da República, e o Liceu de Artes e Ofícios, de onde sairia o mobiliário do futuro teatro. Vaidoso e pouco propenso a dividir glórias, o arquiteto teve que enfrentar o protesto dos Rossi, co-autores do projeto do Municipal. Um deles descobriu que na placa inaugural confeccionada não constava o nome dos auxiliares. Acabou provocando uma celeuma nos jornais e obrigou a municipalidade a gravar outro bronze, corrigindo o erro que ficaria para a posteridade.
Brio Paulistano
Foi na administração de Antonio Prado (1898 a 1910) que São Paulo começou a ganhar novos espaços e seu aspecto de metrópole. A palavra de ordem era remodelar a cidade, mudar seus ares de província, tal como acontecia na Capital Federal (Rio de Janeiro), onde se abriam avenidas e praças. Os cariocas, por sinal, já haviam iniciado a construção do seu teatro Municipal, inaugurado em 1909, o que mexia com o brio dos paulistas.
Além de iniciar obras de saneamento, Antonio Prado ajardinou, em 1904, a praça da República, que o ex-presidente da província, João Theodoro Xavier, havia regularizado em 1872, quando esta se chamava largo dos Curros e era o local onde circos ambulantes exibiam tourada. Remodelou também o Jardim da Luz e o largo do Paiçandu, contratando os serviços de urbanistas europeus. Abriu a avenida Tiradentes, dando acesso a toda a zona norte da cidade, arborizou e pôs calçamento em diversas ruas. E foi ainda Antonio Prado quem alargou o pátio do Rosário no começo da rua São João, criando uma praça próxima do triângulo, em que se instalaram confeitarias freqüentadas pelos elegantes. O prefeito não permitiu que fossem erguidas cercas na nova praça da República, embora os aristocratas protestassem, pois, no tempo do Império, os melhores jardins eram cercados, para só permitir o acesso à elite. Ainda no final da década montou-se nessa praça uma pista de patinação, que atraía público de diversos bairros. O lazer da maioria da população na época não ia além de jogos de bocha, corrida de cavalo na Mooca, mergulhos e passeios de barco no rio Tietê e apresentações de bandas, como a Corporação Musical Operária da Lapa.
Em 5 de junho de 1903, foi iniciada a construção do Municipal, que teve seu projeto inspirado no "Ópera de Paris". Composto no estilo Barroco, chamado na Itália de "seicento", apelidado de "minestrone neocolonial" pelos modernistas que o sacudiriam tempos depois, o teatro era o maior edifício da cidade. Um dos pavimentos era subterrâneo, e abrigava sistemas de refrigeração e elevação do palco. Vinte e cinco grandes vitrais vieram da Alemanha, a maioria deles fazendo referência à origem grega do teatro -- mesma referência pintada na cúpula do salão nobre. Lá, uma atriz declama num palco criado num carro de bois, ladeada por um ator e um flautista.
Dia da Inauguração
A inauguração foi numa terça-feira, 12 de setembro de 1911. Marcada para o dia anterior, a estréia teve que ser adiada devido ao atraso na chegada dos cenários que vieram da Argentina. Outro contratempo: a apresentação na estréia de uma ópera estrangeira causou um intenso debate. Alguns lembraram que a inauguração do Municipal carioca havia sido aberto com o Hino Nacional, discurso do poeta Olavo Bilac e ópera de Carlos Gomes. Preocupados, os organizadores da festa requisitam forte policiamento, para prevenir invasão do teatro e disciplinar o grande número de veículos. Sob pressão da Câmara Municipal a primeira música ouvida foi o Guarani de Carlos Gomes. A apresentação da ópera de Ambroise Thomas, Hamlet, numa encenação da companhia lírica do barítono Titta Ruffo, foi interrompida ao meio devido ao atraso do programa inaugural. "Esteve deslumbrante a inauguração", registrou a revista Illustração Paulista, de 16/9/1911. "Desde o anoitecer que o teatro estava, interior e exteriormente, feericamente iluminado (...). O Viaduto do Chá estava repleto (...). A grande multidão que se formava a essa hora nas proximidades do teatro dificultou de tal forma o trânsito de carros e automóveis com os espectadores, que alguns somente às 10 horas da noite conseguiram chegar à porta do teatro". O Estado de S. Paulo anotou: "Cerca de trezentos veículos transportam espectadores para o teatro, tendo permanecido aguardando a saída 290 veículos, dos quais 140 automóveis e 150 carros". O cronista social do Correio Paulistano descreveu a festa, principalmente como se apresentaram vestidas as grandes damas da época: "Mme. dr. Jorge Tibiriçá, toilette de calipso de seda marinho (...). Mme. Guilherme Rubião, belíssima toilette de cetim duchesse gris, com voilage de mousseline chanteag, guarnecida de aplicação e franja de vidrinho, sur même nuance".
Celebridades e Povo
A partir daí, o teatro abriu-se para uma série de óperas, principalmente. Os italianos, estabelecidos no Brás e no Bexiga, lotavam o Municipal quando companhias líricas passavam por São Paulo. Em 1916, quando o maior de todos os tenores, Enrico Caruso, começou a cantar, em francês, a ópera Carmem, de Bizet, as colunas do teatro estremeceram com o murmúrio de desaprovação emitido pelo público, exigindo do tenor que cantasse em italiano. Além de óperas, o Teatro Municipal sediava também bailes, como em benefício das vítimas das inundações na Bahia, em 1914, ou em favor dos "belgas desamparados", em 1916, além de banquetes para políticos do PRP (Partido Republicano Paulista).
Ao fim de algum tempo, sendo insuficiente o foyer, a prefeitura fez construir um tablado desmontável, adaptado sobre a platéia, ao nível do palco, servido para grandes bailes e banquetes. Muitos bailes de carnaval realizam-se no teatro, que também abrigou grandes momentos e figuras marcantes para a vida cultural da cidade. A lista das celebridades dá a justa dimensão do Municipal: a dança de Anna Pavlova, Isadora Duncan, Margot Fontayn, o bailarino Mikhail Barishnikov, o pianista Arthur Rubinstein, o maestro Arturo Toscanini, o canto lírico de Maria Callas e Enrico Caruso, o jazz de Ella Fitzgerald, Duke Ellington e Miles Davis, a companhia de dança de Maurice Béjart, o I Congresso Brasileiro de Escritores e o evento que marcou decisivamente a história do Municipal, a Semana de Arte Moderna.
Nos anos 30, o povo sobe as escadarias do teatro pela primeira vez. Foi aberto aos trabalhadores "com grande inquietação dos meios grã-finos pelos estragos que aí podia praticar o homem do povo", relatou o professor Paulo Duarte. "Pois a surpresa foi sensacional: a gente do povo era muito mais educada do que a gente educada! Nunca se verificou um estrago, um desrespeito, durante aqueles espetáculos de música ou de teatro oferecidos especialmente aos operários, com entrada grátis. O teatro regurgitava de uma multidão modesta, mas atenta e respeitosa". Já na década seguinte, são criados seus próprios corpos estáveis: a Orquestra Sinfônica, os corais Lírico e Paulistano, o Corpo de Baile. Resultado: companhias líricas vindas do exterior já podiam chegar menos numerosas, pois havia artistas organizados em São Paulo.
Avanço Tecnológico
Quase centenário, o Municipal passou por importantes reformas. Uma delas foi em 1952, com vistas à comemoração do IV Centenário da cidade, ocorrida em 1954. A reforma, entretanto, acabou somente no ano seguinte. A segunda durou de 1985 a 1991, e, além de recuperar a cor verde original das paredes internas, dotou o palco de elevadores cênicos modernos e uma plataforma elevatória. O sistema de iluminação tomou-se computadorizado, permitindo grande precisão nos efeitos cênicos.
Se vivos fossem, os modernistas certamente apoiariam a grande faxina e os avanços tecnológicos, Mário e Oswald de Andrade à frente. O primeiro foi o idealizador do Departamento de Patrimônio Histórico da cidade, e o segundo sempre teve motivos de sobra para recordar as noites no coração da metrópole. Como na vez em que, "mordido pela tarântula da curiosidade e exaltado pela prosa dos estetas", correu para ver a bailarina Isadora Duncan. Era 1916. "Não sei como nem onde jantei, completamente alienado", conta ele. "Sei apenas que tudo me conduziu, mesmo as pernas, até o Teatro Municipal que esplendia de luzes e de gente. Isadora Duncan estreava em São Paulo (...). O pano se levantou e eu vi a Grécia. O cenário unido duma só cor abria-se para vinte e cinco séculos de mar, montanhas e de céu (...). A voz do piano arquiteturava Gluck. Essa mulher é alga, sacerdotisa, paisagem. Deixei estonteado o teatro, a gente. Perdi-me de novo na cidade".
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