Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 9 - Setembro 2oo9

Memória - Roniwalter Jatobá

Mário e a Memória

Lasar Segall, Mário na rede, 1929
ponta-seca - 25.5 X 32 cm



A 9 de outubro de 1893, nascia no número 320 da Rua Aurora, no centro paulistano, Mário Raul de Morais Andrade. Sempre em São Paulo, viveu no Largo do Paissandu e na Rua Lopes Chaves, na Barra Funda, onde um infarto o levou na manhã de 25 de fevereiro de 1945. Será que levou mesmo?

Mário de Andrade continua cada vez mais vivo. Nas últimas cinco décadas, importantes obras póstumas saltam de seus inesgotáveis baús e o que vem à tona é o melhor do escritor: o sensível cronista de Táxi, de 1976; o viajante preocupado com o seu país em O turista aprendiz, diários de suas incursões pelo Norte e Nordeste, de 1977; também deste ano é o Banquete, fascinante diálogo onde Mário não poupa críticas às classes dominantes; o Dicionário musical brasileiro, com 701 páginas e 3.754 verbetes, de 1989; as crônicas de Será o Benedito!, visão das andanças pelo Brasil. Pelo IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) da USP, onde está o acervo de Mário, foram publicados Vida de cantador, livro sobre o cantador paraibano Chico Antonio e o álbum Mário fotógrafo, bem como o precioso Curso de filosofia e história de arte.

Num verso famoso, assim se definiu Mário: "Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta". E o foi, realmente. Músico, musicólogo, professor de estética e história da música, poeta, ficcionista, cronista, ensaísta e crítico literário e de artes plásticas, folclorista, etnógrafo, fotógrafo, administrador cultural e, como gostava de dizer, entre sério e pândego, "grande e maluco escrevedor de cartas".

Enviou mais de três mil, deixando sua marca na formação de autores como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e Fernando Sabino, entre muitos outros.

Mário de Andrade foi, sem dúvida, um dos mais sérios e provavelmente o maior trabalhador intelectual brasileiro deste século. Como artista não se negou a mergulhar fundo em nossas raízes mais verdadeiras, defendendo e incentivando uma revolucionária e intransigente revelação de nossa identidade nacional a partir da compreensão dos mais autênticos e irreverentes valores populares. Já nos anos 20, cobrava uma posição decente da burguesia brasileira, que ainda hoje continua insensível às aspirações do país:

“Precisa-se de fazendeiros, sitiantes, criadores, senhores de engenho, bem baludos, que não careçam de ganhar pão-de-cada-dia e tendo compreensão energética do próprio destino pra em vez de andarem bestando do Brasil pra França, pra Suíça, se meterem na gerência da Monarquia República Masorca Corporation sem intenção de 'se arranjar' (...). Precisa-se de dedos cueras no manejo do pinho e do Fordson para rasgar fecundando os terrenos aráveis dos peitos e dos chãos deste país”.

Sem estar ligado a partidos políticos (nos anos 30, negou-se a conversar com Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PCB), mas declarando-se comunista na última fase de sua vida, Mário no entanto era impregnado daquele "instinto de nacionalidade", de que falou Machado de Assis, o que, a meu ver, o aproxima -- e muito – dos ideais generosos da época em que viveu. Intelectual engajado, sua atuação é ampla. Nos anos 30, transforma-se num brigador empenhado nas mudanças das estruturas culturais do país. Depois de colaborar no planejamento da reforma da Escola Nacional de Música, em 1931, seria absorvido por dois grandes projetos culturais.

No primeiro, como chefe do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, entre 1935 e 1938, durante a gestão do prefeito Fábio Prado, colocou em prática uma série de idéias para melhor conhecer o povo e democratizar a cultura. É neste período que surgem as bibliotecas itinerantes, a discoteca pública, o registro musical do folclore, os parques infantis, concertos para trabalhadores no Teatro Municipal. Delineiam-se os projetos da Casa da Cultura e realiza-se o I Congresso de Língua Nacional Cantada. "Mesmo servindo diretamente ao estado burguês, Mário não racionaliza e não sufoca a crítica, tanto quanto alcança causas e estruturas", analisa Telê Ancona Lopez, pesquisadora do IEB/USP e profunda conhecedora da obra de Mário de Andrade. "Tenta, de fato, abrir, na medida de suas forças, as brechas possíveis para seu projeto nacional popular, tendo sempre na mira a questão da cultura nas condições particulares brasileiras."

No segundo, criou e implantou o SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). "O entusiasmo de Mário foi esfuziante, mostrando a alegria causada pela quantidade do convite de Capanema e em quinze dias somente redigiu anteprojeto minucioso de um futuro órgão estatal encarregado de proteger o nosso Patrimônio Cultural, que chamava de artístico", registra o professor Carlos Lemos, da FAU/USP. "Nessa redação ouviu conselhos de seu fraternal amigo Paulo Duarte, mas, primordialmente, foi guiado pelas suas preocupações nacionalistas visando detectar uma ainda mal definida 'identidade' brasileira. Preocupações já antigas registradas em anotações de viagens pelo Norte, Nordeste e Minas Gerais, quando teve a oportunidade de entrar em contato pessoal com a manifestação artístico-popular que tanto o fascinava."

Depois, como assistente técnico do SPHAN para a região de São Paulo e Mato Grosso, percorreu o litoral, os arredores e a cidade de São Paulo, recenseando o que havia de importante em bens patrimoniais. Desses trabalhos resultaram estudos de nosso passado colonial, como os textos sobre a capela de Santo Antônio e sobre Embu, Itu etc.

"Algumas das maiores relíquias do passado paulista estão para ser restauradas. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que está se tornando, sob a direção de Rodrigo Mello Franco de Andrade, uma das mais ativas instituições criadas por Gustavo Capanema, depois dos necessários estudos preliminares, vai iniciar ainda este ano os seus trabalhos de restauração em terra paulista. E escolheu para salvar imediatamente da ruína o que possuíamos de mais vetusto ou mais belo, o forte de São João, na Bertioga, a capela de São Miguel e a igreja e convento de Embu",

exultava-se na crônica Boas notícias (“O Estado de S. Paulo”, julho de 1939). Para o jornalista e escritor Humberto Werneck, que pesquisou a vida e obra de Mário para um dia elaborar uma biografia do autor de Paulicéia desvairada, a importância de Mário de Andrade tem resistido não só ao passar do tempo como aos embates do provinciano fla-flu da cultura brasileira, no qual parece ser inadmissível gostar-se ao mesmo tempo de Chico Buarque e Caetano Veloso. "No caso de Mário, não tem faltado quem tente apequená-lo para engrandecer outro imponente monumental, Oswald de Andrade... como se Oswald precisasse disso", diz. "Resta, para esses militantes, o constrangimento de constatar que a obra-prima da antropofagia proposta pelo autor de Serafim Ponte Grande acabou sendo escrita, não por um oswaldino, mas por seu suposto adversário, com Macunaíma."

Mário de Andrade certamente incomoda porque deixou a marca inconfundível da sua inquietude, da sua sensibilidade, da sua humanidade e da extrema lucidez em vários campos de ação intelectual. "Pensou a cultura brasileira como essencialidade. Para nos dar consciência do nosso ser -- no mundo enquanto povo -- no passado, no presente e, sobretudo, no futuro", definiu o poeta José Paulo Paes.

Artista múltiplo, Mário tinha, porém, uma unidade: a consciência ética que lhe avassalava o espírito. Neste momento em que a cultura da razão cínica, do "é dando que se recebe", do "levar vantagem em tudo" indigna grande parte da população, o exemplo do ser moral de Mário de Andrade nos ilumina.

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix