Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 10 - Outubro 2009
Ensaio - Ronald Augusto

A poesia escrita no quadrículo mallarmeano


Poesia escrita, à primeira vista, pode parecer uma “classificação desnecessária e levemente absurda”, como observa o poeta-crítico Cândido Rolim, em recente artigo dedicado ao assunto. Mas, se recordarmos que em suas origens a poesia era alguma coisa assemelhada a um “canto-falado”, partitura vocal assentada sobre uma estrutura melódico-instrumental mesmo que às vezes incipiente, podemos concluir que o que nos soa agora sem sentido, traz em seu bojo o índice crítico de uma situação cultural que diz respeito ao nosso tempo. Portanto, havia uma poesia que era mesmo “palavra voando”, experiência de linguagem cuja fruição não tinha nada a ver com a solidão e o silêncio.

Esta realidade é que justifica a seguinte afirmação de Jorge Luis Borges: “Quando lemos versos que são realmente bons e admiráveis, tendemos a lê-los em voz alta. Um verso bom não pode ser lido em voz baixa ou em silêncio. Se isso for possível então o verso não vale a pena, pois um verso sempre exige sua pronúncia. O verso nos faz lembrar que antes de arte escrita foi uma arte oral: o verso nos lembra que inicialmente foi um canto”. E, além disso, um evento semiótico que pressupunha a recepção pública no instante de sua presentificação.

Mas, a invenção da escrita cursiva, a par da derrocada do mundo heróico, sepultou a poesia cantada. O espaço público, solidário e consensual, reflui para a imprecisão da subjetividade lírica. O leitor mudo encena a sua tragédia no quadrículo resumido da página manuscrita, ou impressa. O sermão dá passagem à confissão. Um parêntese: para usar uma metáfora resgatada ao campo da música, poderíamos dizer que a voz empostada se converte no canto à boca pequena da bossa nova; fecho-o. Mallarmé, no século19, já diz que tudo, mais cedo ou mais tarde, acaba num livro. Em literatura, toda teatralidade se rarefaz. O seu lado avesso esconde nada, e essa formulação também poderia servir de imagem ao poema como escritura-figura que se imprime no papel.

Com efeito, um dos desconfortos da poesia escrita encontra-se no seu rebuscamento (em potência) feito de lacunas, um discurso que, a contrapelo de sua impertinente escassez sígnica, convida o leitor-fruidor a fazer uma série de operações interpretativas; refinadas abstrações sensório-emotivo-intelectivas calcadas sobre uma negatividade extrema. Ao contrário (da estética) dos multi-meios que hoje predominam já que, por assim dizer, tudo neles está dado, ou seja, eles constituem uma positividade, na poesia escrita tudo tem de ser conquistado: os vazios de forma e fundo, sua instabilidade e sua irritante desmaterialização, agridem um mundo e uma mundanidade cujo apetite pela espetacularização dos eventos parece ser impreenchível.

Portanto, relativamente ao entorno, a poesia escrita parece se oferecer, agora, como algo cada vez mais limitado e pobre em termos de chances expressivas. A presumida “obsolescência” do preto-no-branco, ou seja, a mancha tipográfica do poema sobre a página mallarmaica, representam um insulto à hiperestesia da mentalidade contemporânea. Entretanto, corremos o risco de submetermo-nos à anomia já consagrada, se optarmos por qualificá-la (a poesia do suporte papel), sem receio, como um objeto “tosco”, inclusive porque a definição não condiz com uma linguagem que opera a partir de “suas desmesuras”. Isto é, em poesia estamos sempre na iminência de um gesto de ruptura que infelizmente nem sempre conseguimos dimensionar.

Por outro lado, a poesia escrita sugere comportar uma dose de “tosquidão”, sim; ainda mais se persistirmos dando crédito à perdulária performance intersemiótica dos meios expressivos da hora, uma superestimulação resultando, até certo ponto, em recepção passiva, ou indiferente.

Espécie de truísmo, a idéia algo anedótica de uma poesia escrita, vem à tona com o objetivo de manter uma eventual produção que a essa “corrente” se filie, nos domínios de uma poética tradicional. Assim, como resposta às exigências das tecnologias e estéticas contemporâneas, uma poesia, já não digo visual, mas espacial e performática em sua dinâmica, atenderia melhor à assemblage eletrônico-virtual que marca os estímulos necessários a nossa satisfação.

Vanguarda contraditória esta que não se movimenta a contragosto do solo, pelo contrário, credita sua inteligência em realidade cuja condição de fato consumado torna todo questionamento a seu respeito um anacronismo; investe suas forças numa transição que é, antes, de suportes do que de repertórios ou de formas. A retaguarda inventiva da poesia escrita migrou para a tela do computador: o poema experimental, até há pouco tempo construído caprichosamente com cartelas de letra-set, virou animação digital em 3D. Parece que vai sair da tela, mas, ao fim e ao cabo, não sai.

Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No Assoalho Duro (2007). Despacha no blog poesia-pau.

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix