Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
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Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

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Ano I Número 11 - Novembro 2009

Memória - Roniwalter Jatobá

Uma Obra-Prima

O livro de Euclides da Cunha sobre a Guerra de Canudos, publicado há 107 anos, deveria ser lido por todos aqueles que desejam conhecer o Brasil hoje
"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5.000 soldados”.

Assim termina o livro Os Sertões*, de Euclides da Cunha, uma obra-prima da literatura brasileira, no qual se conta em detalhes a situação do sertão nordestino no final do século 19, um lugar abandonado pelas leis e vivendo sob o jugo dos latifundiários e os horrores da chamada Guerra de Canudos. Lançado em dezembro de 1902, há precisamente 107 anos, numa edição com apenas mil exemplares, é uma narrativa de difícil leitura, mas deveria ser lida por todos aqueles que desejam conhecer o Brasil de ontem e de hoje.

Enfrentei o livro, primeira vez, ainda adolescente. Na época, era quase obrigatório entre os colegiais de Campo Formoso, no sertão baiano. Pudera: a escola ficava a menos de 80 quilômetros do arraial de Canudos, onde se desenrola todo o enredo do livro, ou seja, o cerco movido entre 1896 e 1897 pelo Exército brasileiro contra um reduto de fanáticos religiosos, seguidores do beato Antônio Conselheiro.

Todos os anos volto novamente às suas páginas. Já afirmava o escritor e cartunista Millôr Fernandes que Os Sertões é um livro que todo o mundo deveria ser obrigado a ler aos dezesseis anos -- para relê-lo e apreciá-lo só depois dos trinta. "Criticar esse trabalho não é mais possível", dizia o crítico Araripe Júnior, já em 1903. "A emoção por ele produzida neutraliza a função crítica".

Os Sertões está dividido em três partes: "A Terra", "O Homem" e "A Luta". Na primeira parte, o autor faz um minucioso estudo geofísico do Nordeste, especialmente do sertão da Bahia.

Na segunda, analisa em pormenores o tipo humano da região e, em especial, o líder Antônio Conselheiro. Já na terceira e última parte, Euclides da Cunha narra a luta desigual entre as quatro expedições militares e os homens do Conselheiro.

Calcula-se que o Exército brasileiro tenha perdido algo em torno de cinco mil homens. Não se sabe ao certo quantas foram as baixas civis, mas a população do arraial de Canudos foi trucidada: mais de vinte mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças. De acordo com o jornalista Ênio Squeff, "nem na Guerra do Paraguai, em nosso maior conflito contra um inimigo externo, o Brasil contou tantas mortes como em Canudos".

Um repórter no sertão

Desde julho de 1896, o governo de Prudente de Moraes (1894-1898) tentava sufocar o movimento deflagrado em Canudos. No vilarejo do sertão baiano, encravado às margens do rio Vaza-Barris, o messiânico Antônio Conselheiro exortava o povo a resistir à República e, com o auxílio dos povoados vizinhos, enfrentava as tropas do Exército à base de emboscadas e a força mística de pregações religiosas.

Em 1º de setembro de 1897, o engenheiro e repórter Euclides da Cunha salta na estação de trem de Queimadas, para entrar na caatinga e relatar os crimes praticados no interior baiano. Deixa a cidade três dias depois e chega a Monte Santo. Descreve em seu diário de guerra o calvário de Monte Santo e parte então para Canudos. Em 16 de setembro, já está no palco da guerra.

Os soldados traziam metralhadoras, granadas e canhões. Embora poderosamente armados e em número várias vezes superiores aos revoltosos, perdiam todas as batalhas. A resistência do sertanejo assombrava o país e a derrota de Canudos tornou-se, para o Exército e para a República, uma questão de honra nacional. Antes de chegar a Canudos, Euclides pensava em defender o regime republicano contra um levante bárbaro e monarquista, mas caberia ao autor questionar a República que se formava e ser um dos maiores críticos do Exército brasileiro.

Com o massacre dos seguidores de Antonio Conselheiro e o fim da guerra, Euclides volta ao Rio de Janeiro. Publica no Estado de S. Paulo, em 19 de janeiro 1898, as primeiras amostras de sua futura obra, no artigo "Excerto de um livro inédito". Muda-se para São José do Rio Pardo, no interior paulista, para reconstruir uma ponte sobre o rio Pardo. No galpão de zinco instalado junto ao rio, onde estudava as plantas da ponte e fazia cálculos, começa a redigir Os Sertões.

Certa vez um jornalista perguntou a Jorge Luís Borges qual a sua opinião sobre Euclides da Cunha. Polêmico e erudito, o escritor foi convencional. Disse que se tratava de um importante autor, responsável por Os Sertões, um dos melhores livros da literatura luso-brasileira. Na mesma entrevista, também foi questionado a respeito das dificuldades de leitura da obra, mesmo para os brasileiros. Borges então, como um bom argentino, não perderia a oportunidade de fustigar os brasileiros. Afirmou que no Brasil não se gostava de muitas coisas, o que não diminuía a importância das coisas.

Porque Ler Os Sertões Hoje
“Enquanto não caducar a guerra dos ricos contra os pobres, que parece eternizar-se, Os Sertões manterá sua atualidade”.
Walnice Nogueira Galvão, escritora

“Sigo a reputando como uma das obras-primas que já foram feitas no continente, um livro fundamental para entender o que é e o que não é a América Latina, um manual não superado sobre nossos erros".
Mário Vargas Llosa, escritor


Os Sertões, verdadeiro monumento de nossas letras, capital para a compreensão da mentalidade sertaneja... Neste livro as durezas e desconformidades da linguagem são esquecidas na extraordinária força pitoresca e dramática da narrativa".
Manuel Bandeira, poeta


“Eu tinha que ler Os Sertões se queria ser um escritor brasileiro. Meti isso na cabeça e entreguei¬-me à tarefa obrigatória. No início foi penoso, mas, bravamente, atravessei as áridas páginas da primeira parte, 'A Terra', e passei ao capítulo seguinte, de travessia igualmente difícil, pelo menos até chegar aos tipos humanos ¬-- o sertanejo, o vaqueiro, o jagunço... Meu interesse era conhecer a história de Antônio Conselheiro, que se tornara lendária, tema dos cordéis da infância. E, quando a ela cheguei, não larguei mais o livro até a última página do derradeiro capítulo".
Ferreira Gullar, poeta


“As páginas de Euclides rodaram voz, ensinando-nos o vaqueiro, sua estampa intensa, seu código e currículo, sua humanidade, sua história rude. E tinha conteúdo e direção o que Euclides comunicava em seus superlativos sinceros, na qualidade que melhor lhe cabia dar, nesta nossa largueza descentrada, de extremas misturas humanas, numa incomedida terra de sol e cipós".
Guimarães Rosa, escritor


“O livro, por tantos títulos notáveis do Sr. Euclides da Cunha, é ao mesmo tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um geólogo, um etnógrafo; de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um historiador; de um homem de sentimento, um poeta, um romancista, um artista, que sabe ver e descrever, que vibra e sente tanto os aspectos da natureza, como ao contato do homem, e estremece todo, tocado até ao fundo da alma, comovido até às lágrimas, em face da dor humana, venha ela das condições fatais do mundo físico, das secas que assolam os sertões do norte brasileiro, venha da estupidez ou maldade dos homens, como a Campanha de Canudos".
José Veríssimo, crítico

Quem Foi Euclides Da Cunha

Nasceu em 20 de janeiro de 1866, na fazenda Saudade, no município de Cantagalo, Estado do Rio de Janeiro, onde viveu só até os três anos. Com essa idade perdeu a mãe. Até os vinte anos, morou em casa de parentes no Rio, São Paulo e Bahia. Por isso mesmo, seus primeiros estudos foram feitos em várias escolas, só vindo a se fixar em 1886, na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio. Mas por pouco tempo: dois anos depois foi expulso por um ato de protesto contra o então ministro da Guerra do governo monarquista.

Durante o tempo em que ficou fora da escola começou a estudar engenharia, retornando ao Exército em 1889, depois da proclamação da República. Logo foi promovido a tenente e casou¬-se com a filha do general Sólon Ribeiro, oficial republicano. Antes de terminar o curso na Escola de Guerra, em 1891, já colaborava em jornais como a Gazeta de Notícias e O Estado de S. Paulo. Em 1896, deixa o Exército para dedicar-se à engenharia civil. No ano seguinte, escreveu dois artigos sobre a campanha de Canudos. Aí, recebeu o convite de O Estado de S.Paulo para ser correspondente de guerra no local. Partiu então para o sertão baiano, de onde, durante os meses de setembro e outubro, enviou reportagens sobre o conflito.

Os Sertões só saiu cinco anos depois de seu regresso de Canudos. A obra deixou o país estarrecido. Após sua leitura se tomava conhecimento de que a luta de Canudos, considerada uma batalha heróica para a salvação da República, era um crime. Mostrou que ela não foi apenas um acontecimento local, mas um grito de revolta de todo o sertão brasileiro.

O livro abriu as portas para a Academia Brasileira de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico. Nomeado chefe da comissão de reconhecimento do Alto Purus, Euclides viajou à Amazônia, retornando em 1905 ao Rio, onde trabalhou algum tempo com o barão de Rio Branco, no Itamaraty. Escreveu dois livros de ensaios: Contrastes e Confrontos, de 1907, À Margem da História, de 1909, e um relatório técnico, Peru versus Bolívia, de 1907.

Aos 42 anos, em 15 de agosto de 1909, morreu assassinado pelo jovem tenente Dilermando Reis, amante de sua mulher, ao enfrentá-lo a tiros no bairro da Piedade, no Rio de Janeiro.

Brasil, Datas De Fim De Século

1888 - É abolida a escravidão no Brasil
1889 - É proclamada a República. Início do governo do marechal Deodoro da Fonseca
1891 - Início do governo do marechal Floriano Peixoto
1894 - Governo de Prudente de Moraes, primeiro civil a assumir a presidência da República
1896/97 - Guerra de Canudos
1900 - 3° Censo: a população do país é de 17.318.556 de pessoas.

* Serviço: baixe daqui sua cópia de Os Sertões.

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