Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 13 - Janeiro 2010
Conto - Junqueira Ayres


O homem e seus livros

Ramiro Jatobá vivia sozinho desde que ficara viúvo. Professor aposentado, raramente saía de casa, apenas por necessidade. O mundo lá fora não mais o atraía, achava-o sem graça. Havia passado boa parte de sua existência tentando incutir um pouco de cultura humanística na cabeça dos alunos. Poderia ter tido melhores resultados se as cabeças não fossem tão duras e tão desatenciosas, costumava ele dizer. Lembrava-se de uma máxima de Einstein: “A mente que se abre a uma nova idéia jamais volta ao seu tamanho original”.

Recolhera-se resignado à vida particular, onde os únicos companheiros eram os livros que se alinhavam nas estantes de sua biblioteca. Amava-os como se fossem filhos, que, aliás, nunca teve. Mais que isso, eles eram seus amigos de todas as horas.

Entretanto, quando se sentia muito só, Jatobá tinha o hábito de conversar com um interlocutor imaginário que, como tal, era paciente e muito bom ouvinte. Julgava-o o melhor discípulo que jamais tivera. Costuma-se dizer que maluco é quem fala sozinho. Nada mais inverossímil! Pessoas muito solitárias costumam encetar longas conversas consigo mesmo, criando um figura ilusória para com ela dialogar e assim melhor expor seus pontos de vista.

Jatobá não era maluco nem excêntrico, era apenas solitário. Não monologava, dialogava. E nessas horas sucedia que o assunto era um só, os livros. Gostava de discorrer sobre um determinado autor, uma obra ou sobre um tema que lhe merecia a atenção. Outras vezes, falava orgulhosamente do seu acervo.

Sentado na poltrona de leitura, onde passava grande parte dos dias e das noites, ele costumava dizer ao seu imaginário amigo, os olhos brilhando:

— Meu caro, o que você vê enfileirados ali nas estantes não é uma aglomeração indistinta, inerte. É um conjunto vivo de personalidades. Cada livro tem a sua individualidade, suas características próprias. Cada um com a sua capacidade de transmitir uma mensagem diferente, à sua maneira.

Quedava-se um instante em silêncio, e depois continuava, apontando:

— Repare nas formas: uns volumes são altos, outros baixos; uns finos, outros alentados. Uns têm cores alegres, outros as têm sóbrias. Mesmo os encadernados, vistos de longe parecem iguais, gêmeos. Mas daqui eu distingo cada um deles. Se você chegar mais perto, verá que seus dorsos duros apresentam palavras dispostas diferentemente, formando os nomes dos autores e os títulos. Todavia, prefiro deixá-los ao natural, como saíram do prelo. Só encaderno os que estão em estado precário.

A essa altura do discurso, Jatobá levantava-se e se aproximava de uma estante. Corria carinhosamente o dedo pelo lombo de um livro como se fosse o rosto de uma mulher.

— Uns têm seus títulos escritos de cima para baixo, outros de baixo para cima. Não importa, basta você inclinar a cabeça para um lado ou para o outro. De qualquer maneira, eles são o que são.

Voltava ao seu lugar na poltrona.

— E a diversidade de cores, meu amigo: veja que elas quase não se repetem. Da maneira que você dispuser os livros, seja por qual ordem for, por autor, por assunto, por origem e idioma, sempre haverá, por exemplo, um dorso branco entre dois encarnados, ou um verde ao lado de um amarelo pálido ou de um marrom. Exemplares de cores iguais juntos são tomos de um mesmo livro, de uma coleção ou de enciclopédia.

Fazia outra pausa e concluía, com os olhos brilhando:

— O mais importante, no entanto, é o conteúdo de cada um deles. Uns ensinam, outros informam, aqueles explicam. Uns divertem, outros têm a capacidade de nos deixar reflexivos, perplexos frente ao conhecimento humano.

Pegava o volume que deixara de lado com a chegada do visitante, arrematando:

— E a sensação de bem-estar que a leitura deles proporciona, meu caro, é indescritível. Indescritível!

Dito isso, Ramiro Jatobá voltava a mergulhar na leitura e o seu interlocutor retirava-se discretamente, como convém a um personagem inexistente

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix