Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
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Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 13 - Janeiro 2010
Ensaio - Ronald Augusto

Axévier, Contralamúria


Linguagem de perturbante experimentação, uma poesia de invenção como a de Arnaldo Xavier (1948-2004), pode ser examinada não só no que toca à estranheza da fissura aberta por ela em partes ou no corpus de determinado sistema literário. Vale dizer, dentro de um traçado de rupturas inaugurado pelo alto modernismo e que, desde então, parece ter se constituído no cânone da contemporaneidade, o que Arnaldo Xavier injeta de novo em tal corrente sangüínea? Temos aí, um ponto. Por outro lado, este exame nos permite compreender também um pouco do caráter e das imposturas desse sistema mesmo que, desde sua condição normativa e dogmática, manteve ou mantém, com relação às transnegressões de Arnaldo, uma atitude, no mínimo, defensiva.

Portanto, sem receio, sem fazer favor a ninguém e satisfeito por não ser confundido com os medíocres beletristas com lugar garantido em antologias temáticas: “todos [estes que] a tudo o seu logo acham sal” (Sá de Miranda), Arnaldo Xavier desbordou do molde para o qual parecia talhado. Para desgosto do poeta e estudioso da literatura negra, Oswaldo de Camargo, Arnaldo não se inseriu “claro e negro” no continuum daqueles criadores que lograram “falar negro-poeticamente”. Arnaldo não aceitou a idéia de que a contrapartida aos esforços criativos de suas fabricanções, seria assumir  em atenção à expectativa de alguns dos seus leitores e antes que fosse tarde  um posto de honra nesta sorte de linha sucessória. Na economia da visada diacrônica, não há uma próxima chance, nem uma segunda escolha. Xavier teria um lugar assegurado ao lado de, por exemplo, Solano Trindade, Adão Ventura, Oliveira Silveira, Cuti e Éle Semog, seus companheiros naturais no âmbito adequado. Entretanto, o poeta “pede vistas” críticas ao que parecia ser o coerente passo-a-seguir do seu percurso textual. E questiona a falsa dicotomia incrustada nas opções que se lhe apresentam virtualmente, ou seja: 1) entrar na idade do bom senso como mais um poeta negro afirmativo; ou 2) ficar condenado à incomunicação, haja vista a aporia sugerida pelos grafismos e signos que escolhera como forma de linguagem. Não tanto pela companhia, Arnaldo Xavier declina do convite-invectiva feito por Oswaldo.

O fato é que sua linguagem, já francamente experimental desde os primeiros anos da década de 1970, pressupõe o poema como uma fatura sígnica cuja existência não pode se justificar apenas para servir às necessidades de certas interpretações, por mais bem intencionadas que elas sejam. A impressão de “pura curiosidade” e de fracasso comunicativo que Rosa da Recvsa (1978), um dos seus primeiros livros, desperta em Oswaldo de Camargo  o crítico e entusiasta, par excellence, de uma literatura negra, competente, mas convencional, inserida no panorama antológico das letras brasileiras , resume algo sobre o tipo de recepção que acabou prevalecendo entre os detratores de Arnaldo Xavier. Mas, não havia apenas os imperitos inimigos se pronunciando a respeito. Muita gente admirava ou admira, propõe leituras novas e divulga a poesia do transnegressor. De outra parte, Arnaldo nunca fez questão de defensores. Aliás, ele não se defendia. Pelo contrário, mais atacava do que qualquer outra coisa. Arnaldo pautou criativamente os seus críticos retranqueiros. Os opositores é que se viam obrigados a tomar uma posição frente às intervenções sincrônico-valorativas do autor de LudLud (1997). Arnaldo Xavier inventou os seus detratores. A bem da verdade, dir-se-ia que jamais existiram, tão grande era a mediocridade com que se espojavam, mas a arena formada sobre o ideário estético e étnico-político de Arnaldo Xavier, engendrou um ambiente e este ambiente – como disse Ezra Pound a propósito dos diluidores da sua época – é que conferiu a eles uma existência. Ainda que volátil.

A bossafro da poesia verbal e não-verbal de Arnaldo Xavier questiona, às gargalhadas, a dimensão estrita e estreita da poesia dos seus pares, onde se pode verificar a tolerância pós-moderna a limitar-se com o politicamente correto, fusão que, ao fim e ao cabo, resulta em puritanismo de fast thinkers. Arnaldo, intelectual e militante negro (em sentido forte), isto é, avesso a qualquer tipo de afundamentalismo, não professava a profissão do líder galvanizador (1). Uma figura possível para o paraibano Axévier é a do autor cuja obra e reflexões críticas estão tensamente imbricadas no debate referente aos dilemas de uma vertente negra na literatura brasileira. Mas o odi et amo de Arnaldo Xavier com relação a esta questão, se define mais por uma atitude problematizadora e metalingüística do que por uma afirmação concludente e, de resto, interessada em legitimar tópicos identitários por meio de uma prática literária entendida como testemunho de verdade étnica. Para Arnaldo, literatura negra é um debate que não deve ser lacrado, assim, às pressas. Exceto, talvez, do ponto de vista acadêmico, é algo que não tem de ser resolvido. Um poema de verdade não admite solução.

Consciência de linguagem requer um severo sentido de auto-ironia. Arnaldo era radical, um poeta radical. Identificava, a um só tempo, questões de forma e de fundo. Feito Yeats, não separava o dançarino da dança. O gesto radical se projeta sobre a linguagem. Não há linguagem desprovida de pensamento. E o pensamento instala o mundo entre parênteses justamente para melhor pensá-lo. A poesia de Arnaldo Xavier é a transnegressão dos limites representacionais da linguagem, fronteira exusíaca entre mundo e signo.

Ao propor novas expressões negras, numa espécie de transe intertextual onde colaboram tanto a logopéia de Muniz Sodré, quanto a fanopéia de Spike Lee, Arnaldo propõe, em fim de contas, novos e vastos pensamentos sem fios. Com efeito, sua poética repercute no seu pensamento conferindo-lhe um viés experimental, inoportuno e negativo. Algo vivo. Axévier era o dissenso via intersemiose, o desarraigamento de si, o solapar das evidências ferreamente construídas sobre retóricas da identidade, não raro erísticas, e, por sua vez, pavimentadas por tensões históricas retidas num pano de fundo utópico. Arnaldo torceu o gasnete à eloqüência pictórica do conteúdo, suas palavras exorbitaram iconicamente o contorno dos sintagmas, viraram desenhos sintéticos do seu pensamento-arte.

(1) Arnaldo pensou as questões étnico-raciais na margem oposta da circunspecção acadêmico-soliológica. Publicou a quatro mãos com o cartunista Maurício Pestana, um livro ironicamente intitulado de Manual de sobrevivência do negro no Brasil. Humor (de) negro, sem preâmbulo. Nesta obra, Arnaldo e Pestana podem perder o companheiro negro “identificado com a causa” ou o branco solidário, mas não perdem o trocadilho verbivisual nem a caricatura impiedosa que põem em causa algumas ideias-feitas consagradas pelo debate intramuros. Nenhum outro “militante da literatura negra brasileira” produziu um livro tão interessante e vivo quanto o Manual.


Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No Assoalho Duro (2007). Despacha no blog poesia-pau.

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