Papas Stéfanos Papas - Festa na roça, óleo sobre tela, 60 x 80 cm
O Retrato do Sertão – 7
A festa de casamento de Tonho com Geraldina foi realizada no sarau de dona Elvira. Eles já conheciam o local que frequentavam todos os finais de semana. Marilda e Marilena se encarregaram dos comes-e-bebes. O bode para a buchada foi oferecido por Seu Quincas. Os aperitivos foram doados por Maninha. O carimã, eles mesmos prepararam com ajuda de Agamenon e Agaciel.
O bolo de milho assado recheado com frutas regionais ficou a critério de mãe Crisalda, parteira famosa, conhecidíssima na redondeza, de cujas mãos habilidosas, nasceram muitos sertanejos. Certamente, de suas mãos – afirmava Marilda – viria a melhor guloseima.
Às quinze horas e trinta minutos de uma tarde quente e ensolarada, padre Fausto chegou ao sarau acompanhado do sacristão Chiquinho, seu fiel aliado, para cuidar dos paramentos e preparar a cerimônia do casamento.
- Padre Fausto está chegando, gente! Gritou Dona Elvira para os empregados que varriam o chão do salão e limpavam os móveis ainda impregnados com o odor de bebidas e de cigarros da noite anterior, com óleo de açafrão do mato.
- Depressa gente! Disse um dos empregados lá do canto do salão. Falta muita coisa ainda a ser feita.
Padre Fausto desceu da carroça puxada pelo cavalo Tristão, presente do Seu Quincas e foi até a varanda ornamentada de crisântemo e margaridas do campo. Sentou-se confortavelmente numa espreguiçadeira feita de troncos de aroeira com cipó ao lado de dona Elvira que, de pé, em frente a uma cadeira de três pontas de ipê roxo e empalhada com folhas de pindoba secas, esperava a ordem do padre para sentar-se.
No sertão o sacerdote é que determina a ordem para os fiéis sentarem-se.
- Sente-se, Dona Elvira, por favor, ordenou o padre com gestos suaves. Conversaram sobre a chuva que tardava chegar e sobre a escassez de alimento, para o povo e para o rebanho, que ainda sobrevivia das macambiras resistentes.
- Estou bastante preocupada com essa seca medonha que nos castigou este ano, padre!
- É, Dona Elvira, eu também! Já cansei de orar e pedir a Deus através de São José, para fazer o milagre da chuva, mas parece que Deus não quer ouvir nossas orações. Chego até a imaginar que Ele esteja aborrecido com a ingratidão dos homens que não se respeitam entre si, esquecem Dele nos momentos de alegria e só pensam em volúpias e na riqueza. Só o procuram quando a situação está caótica e a seca se alastra. “Enquanto há fartura, a estimiga desaperece”. Isto está escrito na biblia.
- A semana que vem organizaremos uma procissão com São José à frente e percorreremos os trechos secos de rios e riachos. Oraremos para que Deus perdoe nossos pecados. Assim, quem sabe, Ele nos ouvirá e nos mandará chuva antes que o mandacaru e o imbuzeiro sequem de vez! Se não chover até Setembro, não teremos outra alternativa, senão formar uma comissão de moradores e nos dirigirmos até a Prefeitura de Laranjeiras e reivindicar alimentos, pedir para as autoridades esquecerem as vaidades e interesses pessoais e buscarem alternativas, fazerem alguma coisa em benefício desse povo injustiçado e esquecido, que só deseja a dignidade de viver e trabalhar. Este é o momento para expormos a verdade e exigirmos soluções urgentes. Não dá mais para esperar. Queremos obras urgenciais contra a seca, não ações paliativas. Queremos a construção de açudes, cacimbas, reservatórios de água, qualquer coisa que retenha a água da chuva e resolva de vez o problema desse povo!.
- Não estamos pedindo esmolas. Precisamos da água, único meio de desenvolver o roçado, plantar, colher e alimentar a família. Disse padre Fausto com a Bíblia aberta no Evangelho de São João 5, 28 e 29, como se desejasse, naquele momento, na cerimônia do casamento, ler esta passagem bíblica. Dona Elvira, como soe acontecer nos momentos felizes de sua vida, e um tanto emocionada com as palavras que acabara de ouvir, pediu para um dos seus empregados preparar uma dose caprichada de carimã, a fim de servir ao padre.
- Cleusa! Traz um carimã caprichado para o padre!
- Muito obrigado, Dona Elvira. Está muito quente hoje, e eu já esperava pela sua bondade, como sempre lhe é peculiar.
Comentários maldosos se ouviam entre os fiéis, principalmente de Sá Lorena, que sentia ciúmes do padre com Dona Elvira. Diziam que ele era um grande degustador do carimã. Quando não estava investido dos sacramentos sacerdotais gostava de um bate-papo com os amigos no armazém de Zeferino, local distante e pouco frequentado pelos paroquianos. Lá, sentia-se à vontade. Tocava seu velho violão e cantava modinhas de viola, até hinos sacros, após várias doses do carimã.
Às cinco horas da tarde, os noivos se aproximaram do altar rusticamente construído no meio do salão, e se ajoelharam perante o padre que àquela altura já misturava latim com português.
Alguns convidados permaneceram de pé por falta de assentos, mas ninguém se preocupava com isso. A cerimônia não demoraria mais que vinte minutos, e esse sacrifício serviria como pentitência pelos pecados cometidos por muitos que ali estavam.
Foram padrinhos da noiva, Agamenon e Giselda, Marilda e seu marido. Do lado do noivo, Seu Quincas, sua mulher e Maninha com seu marido Leonildo.
Após as bênçãos aos noivos e as recomendações para que se aceitassem como marido e mulher, na vida e na morte, o padre benzeu as alianças.
Terminada a cerimônia, todos se dirigiram para o centro do salão ao redor de uma grande mesa farta de comida e bebida.
Encostada num canto da casa, de pé e isolada dos demais, Sá Lorena sentia-se arrependida das infâmias que havia espalhado sobre Geraldina. Por vezes achava que todos estivessem se esquivando dela, às vezes, achava que era apenas impressão. No entanto, todos a ignoravam mesmo, até quem servia os comensais. De soslaio e sem qualquer escrúpulo pegou um pedaço de bolo de mandioca sobre a mesa, e fingiu não ter ouvido a repreensão que Agaciel lhe dera. Aproximou-se dela e disse:
- O que a Senhora faz aqui? Quem lhe convidou?
- Foi Tonho.
Geraldina que já vinha observando seu comportamento, ofereceu-lhe um prato de buchada e pediu para que Agamenon a perdoasse, pois já havia feito o mesmo.
- Não perdôo nunca Geraldina! Essa mulher não merece respeito pelo que fez com você e Tonho, além das estripulias envolvendo padre Fausto e Seu Quincas.
- Mas meu irmão, o perdão é coisa de Deus. Ele perdoou seus detratores, por que não podemos fazer o mesmo?
Entregou a buchada para Sá Lorena e foi cumprimentar Seu Quincas que conversava com Maninha, no outro canto da sala.
- Trouxe bolo de fubá que o senhor gosta. Mamãe sempre dizia que quando fazia esse bolo, o senhor passava por lá para comer.
- É, a comadre Nhá Marina nunca se esquecia disso! Obrigado, minha filha.
De repente Zé Vaqueiro chegou com a sanfona a tira-colo e pediu para todos se juntarem e formarem os pares que ele ia tocar a modinha de Maria Bonita. Candeeiros foram colocados nas paredes para alumiar a sala, e o forró desandou. O odor das ervas e flores silvestres colocadas sobre a mesa, se confundia com o fedor dos sovacos dos dançarinos.
Padre Fausto, não se firmando de pé, logo se deitou numa rede amarrada num dos quartos da casa à espera que Chiquinho lhe chamasse, o que não ocorreu, abatido que também fora pelo efeito do carimã.
Dançaram e se divertiram até o raiar do dia sob as chamas incandescentes dos fifós de querosene que deixaram as marcas de fumaça na parede.
A festa de casamento de Tonho com Geraldina foi realizada no sarau de dona Elvira. Eles já conheciam o local que frequentavam todos os finais de semana. Marilda e Marilena se encarregaram dos comes-e-bebes. O bode para a buchada foi oferecido por Seu Quincas. Os aperitivos foram doados por Maninha. O carimã, eles mesmos prepararam com ajuda de Agamenon e Agaciel.
O bolo de milho assado recheado com frutas regionais ficou a critério de mãe Crisalda, parteira famosa, conhecidíssima na redondeza, de cujas mãos habilidosas, nasceram muitos sertanejos. Certamente, de suas mãos – afirmava Marilda – viria a melhor guloseima.
Às quinze horas e trinta minutos de uma tarde quente e ensolarada, padre Fausto chegou ao sarau acompanhado do sacristão Chiquinho, seu fiel aliado, para cuidar dos paramentos e preparar a cerimônia do casamento.
- Padre Fausto está chegando, gente! Gritou Dona Elvira para os empregados que varriam o chão do salão e limpavam os móveis ainda impregnados com o odor de bebidas e de cigarros da noite anterior, com óleo de açafrão do mato.
- Depressa gente! Disse um dos empregados lá do canto do salão. Falta muita coisa ainda a ser feita.
Padre Fausto desceu da carroça puxada pelo cavalo Tristão, presente do Seu Quincas e foi até a varanda ornamentada de crisântemo e margaridas do campo. Sentou-se confortavelmente numa espreguiçadeira feita de troncos de aroeira com cipó ao lado de dona Elvira que, de pé, em frente a uma cadeira de três pontas de ipê roxo e empalhada com folhas de pindoba secas, esperava a ordem do padre para sentar-se.
No sertão o sacerdote é que determina a ordem para os fiéis sentarem-se.
- Sente-se, Dona Elvira, por favor, ordenou o padre com gestos suaves. Conversaram sobre a chuva que tardava chegar e sobre a escassez de alimento, para o povo e para o rebanho, que ainda sobrevivia das macambiras resistentes.
- Estou bastante preocupada com essa seca medonha que nos castigou este ano, padre!
- É, Dona Elvira, eu também! Já cansei de orar e pedir a Deus através de São José, para fazer o milagre da chuva, mas parece que Deus não quer ouvir nossas orações. Chego até a imaginar que Ele esteja aborrecido com a ingratidão dos homens que não se respeitam entre si, esquecem Dele nos momentos de alegria e só pensam em volúpias e na riqueza. Só o procuram quando a situação está caótica e a seca se alastra. “Enquanto há fartura, a estimiga desaperece”. Isto está escrito na biblia.
- A semana que vem organizaremos uma procissão com São José à frente e percorreremos os trechos secos de rios e riachos. Oraremos para que Deus perdoe nossos pecados. Assim, quem sabe, Ele nos ouvirá e nos mandará chuva antes que o mandacaru e o imbuzeiro sequem de vez! Se não chover até Setembro, não teremos outra alternativa, senão formar uma comissão de moradores e nos dirigirmos até a Prefeitura de Laranjeiras e reivindicar alimentos, pedir para as autoridades esquecerem as vaidades e interesses pessoais e buscarem alternativas, fazerem alguma coisa em benefício desse povo injustiçado e esquecido, que só deseja a dignidade de viver e trabalhar. Este é o momento para expormos a verdade e exigirmos soluções urgentes. Não dá mais para esperar. Queremos obras urgenciais contra a seca, não ações paliativas. Queremos a construção de açudes, cacimbas, reservatórios de água, qualquer coisa que retenha a água da chuva e resolva de vez o problema desse povo!.
- Não estamos pedindo esmolas. Precisamos da água, único meio de desenvolver o roçado, plantar, colher e alimentar a família. Disse padre Fausto com a Bíblia aberta no Evangelho de São João 5, 28 e 29, como se desejasse, naquele momento, na cerimônia do casamento, ler esta passagem bíblica. Dona Elvira, como soe acontecer nos momentos felizes de sua vida, e um tanto emocionada com as palavras que acabara de ouvir, pediu para um dos seus empregados preparar uma dose caprichada de carimã, a fim de servir ao padre.
- Cleusa! Traz um carimã caprichado para o padre!
- Muito obrigado, Dona Elvira. Está muito quente hoje, e eu já esperava pela sua bondade, como sempre lhe é peculiar.
Comentários maldosos se ouviam entre os fiéis, principalmente de Sá Lorena, que sentia ciúmes do padre com Dona Elvira. Diziam que ele era um grande degustador do carimã. Quando não estava investido dos sacramentos sacerdotais gostava de um bate-papo com os amigos no armazém de Zeferino, local distante e pouco frequentado pelos paroquianos. Lá, sentia-se à vontade. Tocava seu velho violão e cantava modinhas de viola, até hinos sacros, após várias doses do carimã.
Às cinco horas da tarde, os noivos se aproximaram do altar rusticamente construído no meio do salão, e se ajoelharam perante o padre que àquela altura já misturava latim com português.
Alguns convidados permaneceram de pé por falta de assentos, mas ninguém se preocupava com isso. A cerimônia não demoraria mais que vinte minutos, e esse sacrifício serviria como pentitência pelos pecados cometidos por muitos que ali estavam.
Foram padrinhos da noiva, Agamenon e Giselda, Marilda e seu marido. Do lado do noivo, Seu Quincas, sua mulher e Maninha com seu marido Leonildo.
Após as bênçãos aos noivos e as recomendações para que se aceitassem como marido e mulher, na vida e na morte, o padre benzeu as alianças.
Terminada a cerimônia, todos se dirigiram para o centro do salão ao redor de uma grande mesa farta de comida e bebida.
Encostada num canto da casa, de pé e isolada dos demais, Sá Lorena sentia-se arrependida das infâmias que havia espalhado sobre Geraldina. Por vezes achava que todos estivessem se esquivando dela, às vezes, achava que era apenas impressão. No entanto, todos a ignoravam mesmo, até quem servia os comensais. De soslaio e sem qualquer escrúpulo pegou um pedaço de bolo de mandioca sobre a mesa, e fingiu não ter ouvido a repreensão que Agaciel lhe dera. Aproximou-se dela e disse:
- O que a Senhora faz aqui? Quem lhe convidou?
- Foi Tonho.
Geraldina que já vinha observando seu comportamento, ofereceu-lhe um prato de buchada e pediu para que Agamenon a perdoasse, pois já havia feito o mesmo.
- Não perdôo nunca Geraldina! Essa mulher não merece respeito pelo que fez com você e Tonho, além das estripulias envolvendo padre Fausto e Seu Quincas.
- Mas meu irmão, o perdão é coisa de Deus. Ele perdoou seus detratores, por que não podemos fazer o mesmo?
Entregou a buchada para Sá Lorena e foi cumprimentar Seu Quincas que conversava com Maninha, no outro canto da sala.
- Trouxe bolo de fubá que o senhor gosta. Mamãe sempre dizia que quando fazia esse bolo, o senhor passava por lá para comer.
- É, a comadre Nhá Marina nunca se esquecia disso! Obrigado, minha filha.
De repente Zé Vaqueiro chegou com a sanfona a tira-colo e pediu para todos se juntarem e formarem os pares que ele ia tocar a modinha de Maria Bonita. Candeeiros foram colocados nas paredes para alumiar a sala, e o forró desandou. O odor das ervas e flores silvestres colocadas sobre a mesa, se confundia com o fedor dos sovacos dos dançarinos.
Padre Fausto, não se firmando de pé, logo se deitou numa rede amarrada num dos quartos da casa à espera que Chiquinho lhe chamasse, o que não ocorreu, abatido que também fora pelo efeito do carimã.
Dançaram e se divertiram até o raiar do dia sob as chamas incandescentes dos fifós de querosene que deixaram as marcas de fumaça na parede.
José Miranda Filho, ex-Presidente e fundador do PMDB em São Caetano do Sul, Venerável Mestre da Loja Maçônica G. Mazzini (grau 33), é advogado e contador, colabora com o jornal ABC Reporter e atua como Diretor Financeiro do Conselho Gestor do Hospital Benificente São Caetano. Posta no Blog do Miranda.
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