The Study of Death
Notícia De Outono, 1987, Jerusalém
(sobre a morte do poeta Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987)
O poeta está morto
no entanto eu me levanto às seis e trinta da manhã
porque é hora.
O sol do fim de verão não perde tempo,
as folhas ainda brilham carregadas de frutos da noite rapidamente
comidos pelo vento.
O poeta está morto e eu leio o jornal onde anunciam
sua morte.
Cirrose?
Coração?
Tristeza?
Alguns morrem de alegria.
Foi o câncer? Um golpe de ar? Cansaço?
Diante do jornal tomo a xícara de café, pronto para o dia.
O dia também é uma fatalidade.
Imaginem, o poeta está morto apesar do barulho das crianças.
Elas brigam, brincam, gritam, pouco importa,
o entusiasmo é o mesmo. Assim como é mesma a rotina desta manhã —
ou não seria rotina —
embora nela se estenda a sombra do poeta morto.
Morto, imóvel, impassível feito qualquer morto,
apesar do silêncio dos velhos,
apesar do riso sem-vergonha dos velhos.
Pregões pintando o ar.
Frutas, verduras, brinquedos.
Sempre se arranja algo pra vender que a vida urge.
O leite dos filhos nunca espera. A operação da
mulher, o carro,
a passagem de ônibus, o bilhete de loteria,
a camisa nova. A camisa nova.
Tudo pela hora da morte.
Ah, a morte pública do poeta.
Um automóvel, outro, mais outro, parece um rio.
Olhares bailam em saltos fluidos.
Ninguém anuncia o apocalipse.
(in Do Objeto Útil, 1993)
Moacir Amâncio é jornalista, poeta e professor universitário. Começou escrevendo contos e novelas nos anos 1980. Estreou na poesia após 15 anos sem publicar nenhum tipo de livro, em 1993. Depois vieram Figuras na Sala (1995), O Olho do Canário (1998), Colores Siguientes (1999), Contar a Romã (2001) e Óbvio (2004). Todas as suas coletâneas de poesia, mais algumas séries de inéditos, foram reunidas no volume Ata (Ed. Record, 2007). Além de quatro livros de prosa publicados entre 1973 e 1982, Amâncio produziu também livros de ensaio, reportagens e crônicas.
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