Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

Crônica - Roniwalter Jatobá

Pássaros e Espantalho - Aécio Andrade
Observador de Pássaros

São Paulo sempre tem novidade no pedaço. Nos últimos tempos, muitos paulistanos vêm descobrindo um prazer que vem desde que éramos mais ligados no mundo ao redor: observar passarinhos. Sim, aqueles bichinhos que voam por aí. Sim, mais de uma centena de espécies de aves (há quem some 142) que escolheram São Paulo como morada.

Sei de gente que todo domingo sai de binóculo, gravador e bloco de anotações para ver, gravar ou descrever as várias situações das aves em liberdade. Outras fotografam ou filmam. Na minha rua, há moradores que colocam água, frutas e sementes nos fundos de casa. Uma vizinha no meu prédio, a Nina, coloca todo dia alimento na sacada do apartamento. No fim da tarde, a sua janela e a árvore em frente lembram a passagem de São Francisco, que contam vivia por onde andava cercado de todo tipo de aves.

Sou um simples e humilde observador de pássaros. Todo santo dia, vejo da janela do meu apartamento os mais variados tipos: sabiá-laranjeira, bem-te-vi, rolinha, periquito. São, sem dúvida, a presença mais evidente da natureza na cidade. Talvez por isso saiba de cor e salteado todas as características de um sabiá e reconheço de longe um tiziu, por exemplo.

Ave pequenina, o tiziu tem 10 cm de comprimento. Pertence à família dos fringilídeos (Volatinia jacarina jacarina), na qual figuram ainda o tico-tico e o pardal. O macho é preto-azulado e a fêmea, pardo-olivácea, com listras amarelas no dorso e asas. Ao emitir o seu canto (ti-ziu), tem o hábito de dar um salto vertical, de aproximadamente um metro de altura, retornando ao lugar onde está pousado. Conhecido também como serra-serra, tiam-tam-preto, alfaiate, veludinho, vive em regiões de São Paulo à Bahia, de Mato Grosso à Amazônia. Aparece em bandos quando há comida.

Tenho uma identificação afetiva e sentimental com os pardais. Parecem que cumprem um destino na face da Terra. Dizem que foram trazidos da Europa por um prefeito carioca para “embelezar a urbe” e, segundo alguns, virou praga nacional. São, no entanto, inofensivos e, mesmo sendo aves tão comuns, distraem e embelezam o dia-a-dia.

Num certo dia, resolvo observar com mais atenção um diminuto pardal. Só faltou pegá-lo em minhas mãos. Tinha saído do trabalho na Avenida Alfredo Egídio de Souza Aranha, na Granja Julieta, com tempo de sobra pela frente na tarde de verão. Tudo claro, o relógio marcava sete horas. De repente, um pardal surge detrás de uma árvore. Por pouco, e por muita sorte dele, quase o pisoteio. Em fração de segundos, pulo de lado com a agilidade de um atleta e -- ufa! -- o pequeno animal está a salvo do solado tamanho 42. Ele, no entanto, segue calmamente o caminho e nem tinha se assustado com o meu brusco movimento.

Acompanho os diminutos passos pela avenida cercada de carros. Ele segue pela calçada, saltitante, e em nenhuma ocasião tenta levantar voo. Acho estranho. Descubro, em seguida, que ele tem a asa esquerda tombada para o lado, quase arrastando no cimento. Na certa, estava fraturada. Imagino até a bicada de um revoltado pombo ao disputar um resto de comida nos meios-fios da metrópole.

Sigo em seu encalço. No final da avenida, ele entra à esquerda numa rua de terra. Cauteloso (há gatos na região), saltita até a divisa da rua com um terreno baldio. Olha para os lados. Detecta os meus olhos perscrutadores, mas não parece ter medo da minha presença. Então, atravessa por um buraco, no rés do chão, e penetra no pequeno matagal. Na parte do muro tombado, continuo a observar sua intenção. De repente, minhas retinas gravam um momento de intensa pureza: o pardal de asa dolorida faz um grande esforço e regurgita o alimento guardado em sua garganta na boca, uma por uma, de três filhotes famintos.

Embora não seja um ornitólogo, nem mesmo amador, sei pelos livros que os pardais fazem ninhos em árvores, como a maioria dos pássaros. A incapacidade momentânea, no entanto, fez dele um improvisador. Mas, confesso, isso me amedronta. No convívio urbano, os pardais estão perdendo o seu espírito das matas e, lado a lado com os humanos, cada vez mais se domesticam. Como as galinhas. Tenho receio que, no futuro, a gente perca de vista os pardais voando sobre nossas cabeças, mas pulando no asfalto como se vivessem em cativeiro. A transformação das espécies prova isso: o mundo hoje está cheio de homens domesticados que, há muitos e muitos anos, esqueceram o dom de voar.

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix