Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

Ensaio - Ronald Augusto

Metalanguage #2 - Rosario Giacomazza
Alexandre Brito alheio ao próprio sentido e às portas do Metalíngua

Num poema intitulado “Nova poética” (1949), Manuel Bandeira lançou a teoria do poeta sórdido: “aquele em cuja poesia há a marca suja da vida”. Augusto de Campos, por sua vez, publica em 1953 o Poetamenos, volume-vírus de distúrbio afásico inoculado na corrente sangüínea da linguagem poética do período, caracterizada por certa opulência discursiva e um preciosismo lexical. Herança duvidosa dos poetas filosofantes de 45. De outra parte, alguns princípios estéticos do alto modernismo caíam em descrédito ou se diluíam em lirismo de compadrio.

Assim, como prólogo à poesia do grupo noigandres, o livro de Augusto de Campos, o vietcong concreto por excelência, carrega em seu bojo uma estética da recusa e a visão de que a poesia deveria se constituir em “essências e medulas”. O poetamenos ministraria o mínimo indispensável de “poeticamente correto” exigido pelo repertório do leitor. Na verdade, o poetamenos convida o leitor ao exercício da co-autoria de um texto lacunar.

Muito bem. Agora chegou a minha vez de levantar uma teoria: a do poetamais. Alexandre Brito é convocado a vestir a camisa, e a jogar um jogo cujas regras não são pétreas. O poetamais que identifico em Alexandre Brito começa a aparecer já em alguns poemas do seu O fundo do ar e outros poemas (ed. Ameopoema, 2004), mas ganha em radicalidade nos poemas mais recentes, ainda inéditos, que tive a oportunidade de ler. Poemas perturbados por uma discursividade desviante e desafiadora. A poesia+ de Alexandre Brito não investe, portanto, numa “retomada” do texto discursivo, como tentativa de solucionar a nostalgia do conteúdo. Não canta o retorno a uma “poesia que tem algo a dizer”; não. Sua experiência com a dicção discursiva se dá pelo lado da metalinguagem e de uma certa fantasia escritural centrífuga, com ressonâncias do hipertexto do “overmundo” virtual. Brito afivela o discursivo como máscara, isto é, fala “através de”. Manipula os dados do seu texto paralelamente à tradição do poema longo. Estabelece contrastes, pontos de apoio e de fuga. Olha os limites e as chances dessa algaravia com olhos livres, ou desde um ponto de vista que simpatiza com os significados esquivos sugeridos pelo jogo de equivocábulos.

À diferença do texto da opulência verbal, rio na cheia, que caminharia num crescendo até o desaguadouro da “emoção” do leitor, o poetamais Alexandre Brito, propõe um tom discursivo não-cumulativo, não-sequencial. Por sua qualidade mais sincrônica do que diacrônica, no que respeita ao arranjo do vocabulário e da sintaxe, estes poemas desmesurados são menos verberações do que transverberações. Brito rasga transversalmente e ironicamente o tecido do poema verboso, consagrado assim pelo uso ou pelo cansaço.

Graças à mobilidade fugidia dos seus signos, esta transverberação do poetamais, salta da folha branca e incorpora o gosto e o gozo da fala quase-canto, e estabelece uma forma de linguagem onde os sentidos afloram de chofre, para, logo a seguir, serem revogados sem angústia, talvez, por amor à música, ou ao silêncio: facetas de uma mesma fatura criativa.

A festa vertiginosa de som e sentido que Alexandre Brito, como poetamais, nos oferece, vai ao encontro da teoria do poeta sórdido, de Manuel Bandeira. Mas o que surtirá dessa convergência? Parafraseando o poeta pernambucano: poetamais é aquele em cuja poesia há a rasura suja (luxo/lixo?) da linguagem que se define a partir da dissipação dos seus próprios signos. Arte que “existe pra nada”, como nos propõe Alexandre Brito com desassombro em um dos seus poemas.

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix