Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 4 - Abril 2009Mini-Conto - José Geraldo de Barros Martins
E O Drama Continua
Dolores Otálora nascera em solo portenho, passando a infância no bairro do Retiro. Uma semana antes dela completar sete aniversários sua família deixou Buenos Aires às pressas, pois seu pai encontrava-se repentinamente muito endividado, devido ao fato de ter apostado com o bairro inteiro que Oscar "Ringo" Bonavena nocautearia Muhamad Ali naquela luta em sete de dezembro de 1970 no Madison Square Garden (o norte-americano ganhou após derrubar o argentino três vezes no décimo quinto assalto). Rumando para a capital paulista e após perambular pela Bela Vista, Penha, Pirituba, Santo Amaro e Freguesia do Ó, fixaram-se em um bairro, mais por superstição do que por terem se encantado com suas ruas: o Bom Retiro. A partir dali, seu pai sempre se referiria ao bairro onde diversos credores o aguardavam do outro lado do Rio da Prata como o Mau Retiro. O contato com o novo idioma foi traumático para nossa protagonista, que relutando em assimilar a língua daquela terra estranha, trancou-se no quarto com antigas e taciturnas marionetes deixadas pela tia-avó e começou a fazer teatrinhos nos quais representava dramas amorosos com finais estranhíssimos. Uma noite, após assistir um desses filmes de terror em preto e branco cujo personagem central era um ventríloquo, resolveu treinar aquela técnica em frente aos diversos espelhos da casa (seu pai achava que os espelhos multiplicavam a perspectiva, portanto, uma casa com bastante espelhos traria fartura a seus ocupantes), descobrindo que tinha jeito para a coisa. Na verdade tinha mais do que previra, pois em pouco tempo já estava fazendo seus showzinhos sem ter que abrir a boca. Com o passar do tempo ela foi se abrasileirando, conseguindo falar um português fluente, porém com sotaque, pois jamais conseguiria deixar de dizer : "Nao fiacha na maiônesse" como acontece com todo imigrante de língua hispânica. Como era muito simpática e possuía uma silhueta exuberante, fez muito sucesso nos círculos sociais e suas apresentações (nas quais adotara o nome artístico de Dolores Odete) começaram a se tornar famosas. O sucesso inicial, ao contrário de torná-la indolente, fez com que se aprofundasse em sua técnica, conseguindo fazer um número no qual os dois bonecos falavam simultaneamente. Em pouco tempo passou a ser requisitada em diversos programas de auditório, e chegou a receber propostas para um programa exclusivo, porém, uma paixão repentina por um riquíssimo estanciero (fazendeiro) uruguaio fez com que abandonasse a paulicéia para residir no pampa, levando sua família. Seu pai ficou entusiasmado em descobrir que seu marido Diego Goyneche, na verdade, era argentino da região de entre-rios e fora boxeur, chegando a conquistar o título mundial dos médios ligeiros, perdendo-o em seguida quando tentou a unificação contra o brasileiro Moacyr Cosme. A monotonia do pampa gerou um tédio depressivo em nossa querida ventríloqua, aborrecimento este que pouco a pouco foi vencendo a atração inicial pela sua cara metade. Em uma calorenta noite de sete de dezembro, Dolores Odete abandonou a tudo e a todos, retornando de ônibus para São Paulo, com uma pequena valise e suas marionetes. Trajava tênis, calça jeans e uma camiseta na qual estava escrito o título deste conto.
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