Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Tradução - Santiago de Novais

Pedro Lemebel

Pedro Lemebel nasceu em Santiago, Chile, em meados dos anos 50. Em 1987, juntamente com Francisco Casas, ele criou as Éguas do Apocalipse, um grupo de arte que desenvolveu extensos trabalhos em artes plásticas, incluindo fotografia, vídeo, performances de arte e instalações. Seus artigos apareceram em jornais e revistas no Chile e internacionalmente. Ele mora em Santiago, onde produz Canionero, um programa de rádio para Rádio Tierra.

Anacondas no Parque

Apesar do relâmpago modernista que rasga a intimidade dos parques com seu alógeno delator e acaba por converter a clorofila da grama em ondular de plush apagado pelo barbear municipal. Metros e metros de um Forestal "verde que te quero" em ordem, simulando um Versalhes crioulo como cenografia para o ócio democrático. Mais ainda, uma vitrine de parque como paisagismo japonês, onde as ervas daninhas se sobrepõem ao estilo bonsai de corte de cabelo militar do jardim, como se os milicos influenciassem até no corte dos arbustos de um parque. É onde as câmeras de segurança, que com as quais sonhou tanto o prefeito, espremem a saliva dos beijos na alquimia eletrônica preconceituosa do controle urbano. Câmeras para idealizar um belo parque a óleo, com crianças de tranças loiras revirando ao vento. Focos e lentes camuflados pelo abraço insípido dos condomínios em volta, para controlar a demência senil dos que babam nos assentos públicos. Anciões de olhada azulosa com seus poodles tosquiados pela mesma mão que recorta os ciprestes.

Ainda assim, com todo este aparato de vigilância, e mais além do entardecer bronzeado pelo smog da urbe. Quando cai a sombra, distantes do rádio e anunciados pelos faróis. Roçando devagarzinho as pontas molhadas do capim, se vê a ponta de um pé que encolhido finca as unhas na terra. Um pé que perdeu a sapatilha nos volteios do sexo apressado devido à paranóia do espaço público. Extremidades enlaçadas de pernas em arco e lábios trêmulos que sussurram "não tão depressa, tá doendo, devagar, cuidado que vem gente".

Pelo caminho se aproximam casais de mãos dadas que passam como se estivessem exibindo flores de laranjeira pelos atalhos iluminados da legalidade. Futuros casais, que fingem não ver o amancebamento das cobras que se enrolam na grama. E comentam em voz baixa "eram dois homens, percebeu?". E seguem caminhando, pensando em seus futuros filhos homens, em como preveni-los dos parques e destes sujeitos que caminham à noite e observam os casais por detrás dos arbustos. Como o voyeur que os observava ainda há pouco. O voyeur os observava fazerem amor na dureza do parque, e como os outros que faziam o mesmo porque não tiveram dinheiro para o motel, mas gozaram como nunca sobre a intempérie verde, sobre os olhares deste espectador que não pode aplaudir porque tinha as mãos ocupadas, movimentando-a para cima e para baixo a todo vapor, balbuciando um "ummm, é agora, vou gozar, por favor esperem um pouquinho mais". Então ela lhe disse "sabe que não consigo com gente olhando". Mas a estas alturas o "não consigo" foi um lamento silenciado pela febre louca da transa e o "alguém olhando" um tempero de olhos egípcios nadando entre as folhas. Um devaneio abismal que dilatou suas pupilas de bronze, e outro par de olhos brotou de sua fertilidade. E quando o moleque fez 15 anos, ela não lhe disse "cuidado com os parques", porque soube que o dourado destes olhos era já extrema sede de parque. Por isto calou sua advertência. O "cuidado com os parques" podia ser uma sinopse da gaze verde do pasto e isto só apressaria o vaivém frenético de seu prepúcio adolescente. Seria um lançá-lo a percorrer o verdejante gramado como um réptil no cio, andando absorto, fazendo-se de desentendido, e que saca um cigarro para que o homem que o segue lhe peça fogo, e lhe pergunte "fazendo o que por aqui?". E sem esperar a resposta o empurre suavemente para detrás das matas. E lá, em plena umidade, lhe acenda a selva eriçada do púbis, chupando com língua de lagarto seus culhões de menta. Elevando este beijo de fogo até o cume do pau, como fosse um caule cristalino. E enquanto a cinta de carros e ônibus passa pela marginal em volta do parque, o garoto se entrega ao marasmo de seus quinze anos de papel que naufragam como barquinhos nos lençóis ensopados do gramado. E não importa que o farfalhar das ramas lhe diga que alguém mais o está observando, porque ele sabe como é caro ver um filme pornô neste país. Ele também já fez o mesmo e conhece o mecanismo de separar as ramas para involucrar-se na trindade incestuosa dos parques para poder ver estas coisas.

Quiçá observar é ser cúmplice de um assassinato, estrangulando a vítima com o boneco vodu que derrama seu veneno de crótalo entre os dedos. A mesma cena que observa é refletida pelo brilho da cabeça do seu pau, como uma repartição generosa para a fome desvairada de sexo de quem observa. Por isto a umidade do parque se funde ao moleque em um anonimato perverso. Por isto as noites cruzam a ramagem de suas plumas com sua obscura e leitosa falta de claridade e não importa coagular-se com outros homens, que serpenteiam os atalhos como anacondas perdidas, como serpentes de cabeça vermelha que se reconhecem pelo semáforo brilhoso de seus rubis paus.

Peões, empregados, colegiais ou seminaristas, se transformam em ofídios que abandonam a pele seca dos uniformes, para tribalizar o desejo em um futuro opaco de cascavéis. Algo abjeto em seus olhos fixos parece acumular um Sahara, um Atacama, um salar salitreiro de pó que sibila o tridente ressecado de suas línguas. Apenas uma golfada como uma zebra prateada, do jato de esperma, distende os lábios em uma garoa de sêmen, baba que conduz ao coração do ninho enrolado de papel higiênico na manhã seguinte, e que absorve este lacrimejo. Vários ninhos para chocar camisinhas, que esparsos pelos prados como se fossem futuras crianças envoltas em polietileno, fermentam ao sol na perfumada atmosfera de magnólias. Os parques à noite florescem em rocio de pérolas solitárias, em chuva de arroz que derramam os círculos das solteiras na saída de um casamento, como ecologia passional que circunda os casais. Masturbações coletivas reciclam em manobras desesperadas os jogos de infância, como o tobogã, o gira-gira, o balanço, o pique de esconder no escurinho dos garotos, que com seus ossos uns sobre os outros, se aglutinam na somatória de suas cartilagens. Assim mão no pau, mão na mão e no pau alheio, formam uma roda que coletiviza o gesto negado por um carrossel de manuseios, em um "corre senão te pego" de toqueteios e agarrões. Uma dança tribal onde cada um engancha seu trem ao expresso da meia noite, encarrilhando uma taturana que toma sua forma no penetrar e ser penetrado debaixo da folhagem turva das acácias. Um rito ancestral em ronda leitosa espelha a lua cheia, repetida continuamente em centrífugas voyeurs mais tímidas, que palpitam na taquicardia nervosa entre os arbustos. Noite de ronda lunática que ronda e se parte como um colar lácteo de sêmen ao passo ruidoso dos policiais. O lampejo purpúreo da sirene que fragmenta nádegas e escrotos, sangrando a festa com seu piscar estrobofóbico. Iluminando claramente o mato com seus faróis, arremete trovejante a lei sobre as espáduas nuas, a um ritmo safári com sua toda-poderosa-força-fálica. Em meio às bordoadas dos cassetetes tratam de correr, mas caem ao chão estorvados pelas calças, cobrindo com as mãos o pau e o saco, ainda quentes e despidos pela surpresa. Mas as lanternas revolvem o matagal e fuçam e chicoteiam seus lombos camuflados pela trama fria das violetas. O garoto escorrega através das hortênsias mata abaixo e sobe o zíper do jeans que lhe mordia a pélvis. Quando chegar a sua casa trocará as cuecas se ainda estiver com elas. Alguém em um intento desesperado de fuga, zigzaguea os carros da marginal em torno do parque e alcança a ponte perseguido pelos disparos. Em um salto suicida voa sobre o peitoral e cai no rio sendo tragado pelas águas. O cadáver aparece dias depois polvilhado de vermes às margens do ribeirão que corta o Parque de los Reyes. A foto no jornal mostra o corpo como se fosse a casca de um réptil abandonada entre as pedras.

Ainda assim, os parques de Santiago seguem se multiplicando como lugares de passeio planejados para satisfazer o desejo dos cidadãos. Os parques são lugares onde se faz cada vez mais difícil concretizar o tocar destas pessoas, que sujeitas a mirada do olho público, busca a carícia da escuridão para regenerar o contato humano.

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(Leia o original em espanhol aqui)

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