Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 6 - Junho 2009Conto - Mariângela de Almeida
Fé... de menos
Nunca acreditei nisso. Maldito ceticismo sem graça que só me atrapalha! Mas nada como a vida, sábia encarregada das porradas cotidianas, pra gente se rever e dar mão à palmatória, parar de cuspir pra cima ou sentar no formigueiro achando que nada vai abundar. Não me apresse que já conto o que me deixou desse jeito. Preciso, primeiro, respirar fundo.
Eu rezava aquele terço imenso, toda noite, ao pé do rádio, acompanhando o padre de sei lá onde, num AM 'estéril'. Muito eu nem escutava...era um bzzzz....zzz...luchhhh....fiuuu.... de tanto chiado. Mas eu seguia... ave-maria, pai-nosso... creio em Deus Pai... Tudo ia bem até a primeira carreirinha de contas rosas. Depois, meu amigo, era um decoreba, um trem sem sentido que brotava de minha boca mole e da mente ausente: ave-nosso... pai-maria... creio Pai... em Deus credo... Até que um dia, no meio dessa ladainha noturna, ouvi um uivo forte e agudo, perto da entrada. Fiz com a mão um "em nome do Pai" e encarei de frente, abrindo a porta. Quase cai de costas sobre a cruz de madeira que fica a espreitar da varanda de casa. Vi a besta, vi o dito - eu que só acreditava em anjo e santo, com aquela luminária na cabeça. Quase mijei nas calças, mas fiquei firme, de terço em punho. O bicho agonizava deitado aos meus pés. Uivava como se uma faca cravasse seu peito peludo. E não é que era mesmo um punhal de prata? Mas olhei nos olhos da coisa, as lágrimas do danado escorriam. Acredita que fiquei com pena do tal? Que me ajoelhei e rezei para que aquilo lá não doesse mais? E quando fiz isso - que doida que eu sou - a pata do monstro encostou na minha mão. Juro que ouvi um ronronar baixinho: "tira isso daí pra mim, tira?" Eu não sei de onde arranjei coragem - acho que do terço que larguei nas ancas da fera -, porque apoiei meu pé no dito e com força puxei a afiada do meio do peito sangrando. Não... não... pode se tranquilizar. Sente-se e termine o seu chá. Ele não vai te fazer nada, não. Hoje sai cedo e volta bem tarde, porque é lua cheia. Tem tarefas para realizar - 'vai com Deus, menino!'
Mas é isso, amigo, depois da tal noite, salvei o lobo da morte e hoje ele mora comigo. De dia, ajuda nos trabalhos de casa, faz massagem nos meus pés quando tô tensa. A noite, se a lua for outra, jantamos juntos, rezamos o terço e, dependendo de minha disposição, rolamos no chão, fazendo sexo selvagem, porque não sou santa, né? Mas, creio.
Eu rezava aquele terço imenso, toda noite, ao pé do rádio, acompanhando o padre de sei lá onde, num AM 'estéril'. Muito eu nem escutava...era um bzzzz....zzz...luchhhh....fiuuu.... de tanto chiado. Mas eu seguia... ave-maria, pai-nosso... creio em Deus Pai... Tudo ia bem até a primeira carreirinha de contas rosas. Depois, meu amigo, era um decoreba, um trem sem sentido que brotava de minha boca mole e da mente ausente: ave-nosso... pai-maria... creio Pai... em Deus credo... Até que um dia, no meio dessa ladainha noturna, ouvi um uivo forte e agudo, perto da entrada. Fiz com a mão um "em nome do Pai" e encarei de frente, abrindo a porta. Quase cai de costas sobre a cruz de madeira que fica a espreitar da varanda de casa. Vi a besta, vi o dito - eu que só acreditava em anjo e santo, com aquela luminária na cabeça. Quase mijei nas calças, mas fiquei firme, de terço em punho. O bicho agonizava deitado aos meus pés. Uivava como se uma faca cravasse seu peito peludo. E não é que era mesmo um punhal de prata? Mas olhei nos olhos da coisa, as lágrimas do danado escorriam. Acredita que fiquei com pena do tal? Que me ajoelhei e rezei para que aquilo lá não doesse mais? E quando fiz isso - que doida que eu sou - a pata do monstro encostou na minha mão. Juro que ouvi um ronronar baixinho: "tira isso daí pra mim, tira?" Eu não sei de onde arranjei coragem - acho que do terço que larguei nas ancas da fera -, porque apoiei meu pé no dito e com força puxei a afiada do meio do peito sangrando. Não... não... pode se tranquilizar. Sente-se e termine o seu chá. Ele não vai te fazer nada, não. Hoje sai cedo e volta bem tarde, porque é lua cheia. Tem tarefas para realizar - 'vai com Deus, menino!'
Mas é isso, amigo, depois da tal noite, salvei o lobo da morte e hoje ele mora comigo. De dia, ajuda nos trabalhos de casa, faz massagem nos meus pés quando tô tensa. A noite, se a lua for outra, jantamos juntos, rezamos o terço e, dependendo de minha disposição, rolamos no chão, fazendo sexo selvagem, porque não sou santa, né? Mas, creio.
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