Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 6 - Junho 2009Crônica - José Miranda Filho
Don Maralit Salubayba, "The Making of a Nation", mixed media on canvas, 2006
A Lavagem Do Bonfim
Os primeiros raios de sol surgem através da colina, iluminando o templo sagrado no alto do morro. Milhares de fiéis se agregam, formando uma multidão e se dirigem ao Santuário do Senhor do Bonfim para a tradicional festa de lavagem das escadarias.
Augusto, um astuto paulistano radicado em Salvador, sócio benemérito e expoente máximo da confraria “Grupo da Alegria” estava no meio da multidão, todo sorridente e travestido de “carijó”, fantasia que caracteriza o esnobismo de seus componentes. Todos os anos ele participa desse evento, data em que também se comemora o início dos festejos carnavalescos da cidade soteropolitana.
Mulheres estilizadas de baianas, de saias brancas e rendadas, turbantes na cabeça, de pele negra ou mulata, carregando vasos de água-de-cheiro à frente do cortejo, dão início à tradicional cerimônia.
O préstito formado por milhares de fieis, sai da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, distante uns oito quilômetros e segue pelas ruas da cidade acompanhado por trios elétricos, bandas e grupos afro-baianos, religiosos e musicais. O vento forte e quente da manhã que sopra da orla em direção à colina, uivando e gemendo, confundindo seu som natural com o repicar cadenciado dos tambores aumenta cada vez que um tambor repica.
A cidade ainda dorme estazada das noites anteriores de festas e comemorações. Em Salvador tudo é motivo para celebrar. Todos os dias o baiano comemora o Santo do dia. Ele tem trezentos e sessenta e cinco dias de festa, e ainda por cortesia do papa Gregório XIII, na confecção do calendário atual, jubila-se com o ano bissexto, festejando o dia de São Nunca, que ninguém conhece, mas sabe-se que existe para os baianos.
Às oito horas e meia o cortejo dá inicio ao percurso, tendo à frente os grupos Timbalada, Filhos de Ghandi, Arroz com Feijão, Calcinha Nova e outros expoentes da música pop. Parte da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia com destino à colina do Bonfim. Augusto estava logo à frente, ao lado das baianas e de alguns políticos que nesse dia mostram suas caras aos eleitores.
Ostentando sobre os ombros macérrimos o estandarte preto e branco da confraria, Augusto parecia um fidalgo aventureiro acenando para a multidão que o ignorava.
De repente, no final do cortejo, no meio da multidão alguém bradou em voz alta: a jardineira... a jardineira... a jardineira... cujo brado ecoou pela multidão até alcançar os integrantes da banda que entoavam as melodias. Como o baiano é vidrado em música, logo o grito se expandiu por todo o cortejo e a multidão passou a cantar a famosa marchinha de carnaval dos anos trinta, de autoria de Candinho das laranjeiras, gravada por Orlando Silva, em 1938 e adaptada em 1939, por Benedito Lacerda e Humberto Porto: “Ô Jardineira porque estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu, foi a Camélia que caiu do galho...” Os foliões extasiados e eufóricos não perceberam a jardineira (ônibus antigo) que se aproximava sobre eles, desgovernada e sem freios, ceifando a vida de dezenas de fieis, inclusive nosso guardião, Augusto.
Que Deus o guarde, amém!
Janeiro 2007.
Os primeiros raios de sol surgem através da colina, iluminando o templo sagrado no alto do morro. Milhares de fiéis se agregam, formando uma multidão e se dirigem ao Santuário do Senhor do Bonfim para a tradicional festa de lavagem das escadarias.
Augusto, um astuto paulistano radicado em Salvador, sócio benemérito e expoente máximo da confraria “Grupo da Alegria” estava no meio da multidão, todo sorridente e travestido de “carijó”, fantasia que caracteriza o esnobismo de seus componentes. Todos os anos ele participa desse evento, data em que também se comemora o início dos festejos carnavalescos da cidade soteropolitana.
Mulheres estilizadas de baianas, de saias brancas e rendadas, turbantes na cabeça, de pele negra ou mulata, carregando vasos de água-de-cheiro à frente do cortejo, dão início à tradicional cerimônia.
O préstito formado por milhares de fieis, sai da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, distante uns oito quilômetros e segue pelas ruas da cidade acompanhado por trios elétricos, bandas e grupos afro-baianos, religiosos e musicais. O vento forte e quente da manhã que sopra da orla em direção à colina, uivando e gemendo, confundindo seu som natural com o repicar cadenciado dos tambores aumenta cada vez que um tambor repica.
A cidade ainda dorme estazada das noites anteriores de festas e comemorações. Em Salvador tudo é motivo para celebrar. Todos os dias o baiano comemora o Santo do dia. Ele tem trezentos e sessenta e cinco dias de festa, e ainda por cortesia do papa Gregório XIII, na confecção do calendário atual, jubila-se com o ano bissexto, festejando o dia de São Nunca, que ninguém conhece, mas sabe-se que existe para os baianos.
Às oito horas e meia o cortejo dá inicio ao percurso, tendo à frente os grupos Timbalada, Filhos de Ghandi, Arroz com Feijão, Calcinha Nova e outros expoentes da música pop. Parte da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia com destino à colina do Bonfim. Augusto estava logo à frente, ao lado das baianas e de alguns políticos que nesse dia mostram suas caras aos eleitores.
Ostentando sobre os ombros macérrimos o estandarte preto e branco da confraria, Augusto parecia um fidalgo aventureiro acenando para a multidão que o ignorava.
De repente, no final do cortejo, no meio da multidão alguém bradou em voz alta: a jardineira... a jardineira... a jardineira... cujo brado ecoou pela multidão até alcançar os integrantes da banda que entoavam as melodias. Como o baiano é vidrado em música, logo o grito se expandiu por todo o cortejo e a multidão passou a cantar a famosa marchinha de carnaval dos anos trinta, de autoria de Candinho das laranjeiras, gravada por Orlando Silva, em 1938 e adaptada em 1939, por Benedito Lacerda e Humberto Porto: “Ô Jardineira porque estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu, foi a Camélia que caiu do galho...” Os foliões extasiados e eufóricos não perceberam a jardineira (ônibus antigo) que se aproximava sobre eles, desgovernada e sem freios, ceifando a vida de dezenas de fieis, inclusive nosso guardião, Augusto.
Que Deus o guarde, amém!
Janeiro 2007.
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