Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 13 - Janeiro 2010
Conto - Dorival Fontana

Vangobot, Walking Down a City Street


O Atraso

Acordo com o display do rádio relógio piscando. Faltou luz durante a noite e novamente me esqueci de colocar as baterias de emergência. Essa companhia deveria ser processada. Só porque estamos dormindo não precisamos da luz elétrica? E quem tem medo do escuro como é que fica? E quem tem rádio relógio como eu e sempre se esquece de colocar as pilhas? A energia elétrica raramente falta no horário comercial, é sempre no final do campeonato de futebol ou no desfecho daquele filme de suspense. Não posso chegar atrasado novamente, recebi um ultimato do gerente: “Outro atraso e rrrruuaaaaa!”. Até brinquei perguntando se pretendia me transferir para algum tipo de serviço externo. O que estava ruim piorou com esta brincadeira sem graça, fora de hora, para não dizer BURRA! Estas foram exatamente as suas palavras.

Vida de assalariado é assim mesmo, a gente vai se acostumando com essas violências quase sexuais. O pior é ouvir o sermão repetitivo do chefe quando relembra os 32 anos na mesma empresa sem nenhum atraso ou afastamento.

Chegando lá vou dizer-lhe que pontualidade não é o único requisito para avaliação de um funcionário, e que eu não me prostituo para garantir o emprego como a maioria neste departamento. Embora o fantasma do desemprego aflija a todos, eu não vendo a alma para o diabo da empresa e se todos os argumentos não bastarem, apresento provas materiais dos seus encontros secretos com a secretária da diretoria. Ah! Se eu tivesse coragem...

Droga! O meu ônibus acabou de passar, ainda vou ter que ir a pé até o metrô?! A fila na bilheteria deve estar enorme. Bem, ao menos terei um tempo extra para engendrar outra desculpa convincente para entreter o mau humor do meu chefe e “salvar” temporariamente o meu emprego. A minha lista de justificativas está muita escassa: falecimento de parente está desgastado (já enterrei em vida todos eles, alguns mais de uma vez); doença acompanha atestado médico o que atualmente está muito difícil obter; atraso de ônibus, de metrô ou trânsito... já usei e abusei de todos. Uma voz no fundo da minha consciência tenta sussurrar alguma coisa: “Quem sabe, se você disser a verdade só para variar?

A estratégia da justificação convincente geralmente funciona assim: primeiro devo acreditar na mentira para que esta se torne uma verdade para mim, assim consigo repassar uma verdade fantasiosa ou uma mentira quase honesta. A história toda não pode ser uma mentira completa, tem que haver um resquício de verdade, um vestígio qualquer de realidade para que eu acredite e consiga repassar ao ouvinte.

Neste momento, os alto-falantes anunciam que a paralisação dos trens ocorrera devido a um acidente com usuário na via.

Os comentários sarcásticos e insensatos prevalecem nessas ocasiões: “Antes ele do que eu!”. “Deve ser algum torcedor de futebol devido a outra derrota do seu time!”.

Algumas senhoras esboçavam o sinal da cruz, outras soluçavam como quem perde um ente querido, enquanto a maioria mantinha-se insensível. Penso que quando chega a hora não tem jeito, não há atraso que adie o inevitável!

Por um instante questionei-me se não poderia acontecer comigo ou com qualquer outro personagem nessa estação. A vítima poderia ter sofrido um mal súbito ou um desafortunado ao reagir a um assalto! Talvez um suicida. Quem sabe, um descuidado que se precipitou ao embarcar ou algum infeliz com o seu emprego pendente como eu, distraiu-se pensando na melhor desculpa para justificar-se! É melhor eu me afastar da faixa amarela de segurança! Um silêncio fúnebre invade a consciência por alguns instantes, cúmplices olhares identificam-se na tragédia anônima do cotidiano, onde a indiferença denuncia cada espectador passivo. Permaneci estático no centro da plataforma arrastado pela multidão ruidosa que gentilmente esbarrava-se entre si. Num sobressalto reagi contra a massa revoltada e caminhei no contra fluxo da manada em debandada. Não consegui embarcar, o acidente não saía da minha cabeça, voltei para casa sem me importar com as consequências.

Pela manhã ao chegar ao escritório encontrei todos alarmados cochichando pelos corredores, os meus ouvidos sem esforço captaram os rumores que alimentavam a curiosidade alheia. Era o meu chefe ontem no acidente no metrô.

O tempo rapidamente encarrega-se de restabelecer a normalidade, assim nos esforçamos para deixar toda má lembrança no esquecimento.

Ainda permaneço na mesma empresa e até fui promovido. Eventualmente ainda chego atrasado, com menor frequência agora que troquei o meu velho rádio relógio por um relógio despertador, que às vezes me esqueço de dar corda.

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix