O Retrato do Sertão – 3
Anoiteceu em Poços dos Anjos. De madrugada, sob a luz do luar que se infiltrava no quarto através das fissuras do telhado, dona Giselda, mulher de Agamenon sentiu as primeiras dores do parto.
Agamenon num pulo só saltou da cama, vestiu-se apressadamente e correu para o jirau aonde guardava os arreios. Atrelou o cavalo à carroça velha e sem bancos, e foi pedir ajuda a Mãe Crisalda. Fôra ela que ajudou Nhá Marina, sua mãe, dar à luz a seus cinco tios, filhos de Zé da Vila. Agenor e os outros cinco mais velhos nasceram na fazenda de “seu” Quincas, filhos de Geremias, com a participação de outra parteira.
-Mãe Crisalda...Mãe Crisalda....Mãe Crisalda, gritava Agamenon nervoso, enquanto batia fortemente à porta.
-Quem é?
-Sou eu, Agamenon. - Giselda está com dor de parto e eu vim chamar a senhora pra fazer o parto.
Mãe Crisalda, rezingando adoidada e portando um candeeiro a querosene, cujo pavio de algodão gasto pelo uso, que mal iluminava seu rosto aproximou-se da porta, abriu-a e mandou que Agamenon entrasse e aguardasse, enquanto ia pegar “mesinha”, arruda e alguns apetrechos de que iria precisar.
Ainda zangada por ter sido acordada àquela hora da noite, mas consciente de sua função, perguntou para Agamenon se em sua casa tinha álcool, cachaça e sal grosso.
- Não, mas na volta eu pego na venda de Maninha.
Subiu na carroça ao lado de Agamenon, e se acomodou sobre o estrado com as pernas penduradas.
Em disparada e com pressa de chegar, só as patas do cavalo e a relha da carroça deixavam suas marcas na estrada empoeirada do chão bruto e seco.
- Esqueci de pegar o relicário, disse Mãe Crisalda aborrecida.
-Não faz mal, vamos sem ele. A Giselda pode não aguentar tanto tempo. Acho que quando a gente chegar o menino já nasceu. Respondeu Agamenon impaciente.
Tão logo desceram da carroça mãe Crisalda dirigiu-se ao quarto onde estava Giselda contorcendo-se de dores.
-Preciso de ajuda. Chamem Marilda.
Marilda era a irmã mais velha de Agamenon, dentre as mulheres.
Tinha alguma experiência apesar de não ter filhos. O único havia nascido morto, após um parto complicado que a impediu de conceber novamente.
Com as folhas de arruda embebidas em álcool, vinagre e sal, mãe Crisalda esborrifou a barriga da parturiente que se contorcia de dores.
- Não quero ninguém no quarto, somente eu e Marilda, disse esbravejando para que todos se retirassem, enquanto balbuciava palavras inaudíveis que só ela entendia. Defumou o quarto com o preparo de “mesinha” que trouxera, espalhando a fragrância pelo ar.
De manhãzinha berrava um meninão amparado pelas mãos ágeis e delicadas da zelosa parteira.
Cortaram o cordão umbilical e deram-lhe o nome de Agapito.
Beberam e comemoraram.
Nascia o primeiro bisneto de Nhá Marina que não o conheceu.
No comments:
Post a Comment