O Retrato do Sertão – 8
Coronel Saturnino chamou Zé Vaqueiro, capataz de sua confiança e ordenou que selasse o “azulão”, seu melhor cavalo, com os melhores arreios. Iria até Laranjeiras para uma reunião na prefeitura com os líderes da UDN. (União Democrática Nacional), partido majoritário que dominava a política local. Tomou banho, passou perfume pelo corpo, vestiu a melhor roupa, calçou a melhor botina, colocou o chapéu de couro novinho e ainda sem uso – presente de dona Celestina quando celebraram as bodas de prata - montou no “azulão”, maior trotador da região, adquirido num leilão da feira de Laranjeiras e se despediu da mulher, dizendo que após a reunião que indicaria o próximo candidato a prefeito, voltaria para casa.
Dona Celestina não acreditou muito na conversa do marido. Já o conhecia há cinquenta anos, desde que se casaram sob as ameaças do pai dela que sabia ser Saturnino um homem mulherengo e cachaceiro Advertiu-a várias vezes, mas ela sempre se fazia de mouca. Por ele daria a própria vida, quando, por exemplo, no dia em que ameaçou se enforcar, caso o pai não permitisse o namoro deles. A desconfiança de Celestina não era por ter Saturnino vestido a melhor roupa, mas pela safadeza do marido de ter-se perfumado e passado brilhantina glostora nos cabelos, costume que já havia abolido há muitos anos atrás.
- Ele nunca se perfumou tanto e nunca passou brilhantina nos cabelos, por que faria agora? Alguma coisa está errada! Questionava-se, andando atrás do marido, que já demonstrava apreensão e nervosismo.
- Para com isso, mulher...que diabos está pensando? Parece que tu não me conheces? Já te falei que depois da reunião voltarei pra casa? Só vou passar no armazém de Maninha, comprar alguns mantimentos e as tranqueiras que tu me pediste, nada mais....
Montou no azulão, e se foi.
Ao meio dia, ao final da reunião que consolidou por unanimidade o nome do futuro candidato a prefeito, Saturnino despediu-se dos correligionários, afirmando que antes de voltar para casa passaria na venda de Maninha para comprar alguns mantimentos de que precisava e umas coisinhas que Celestina havia lhe pedido. Antes de sair tomou duas doses de Pitú com o prefeito, para comemorar o sucesso da reunião e a escolha de Sebastião do Vale, novato na política porém muito conhecido e respeitado na cidade.
Encontrou-se com Maninha, a quem trocou algumas idéias a respeito de Sebastião do Vale, pedindo-lhe para que lhe desse todo apoio possível, por ser a melhor escolha, e que Maninha também o conhecia há muitos anos. Maninha encantou-se com a indicação e prometeu ajuda.
Pagou as compras e pediu para Maninha separará-las num canto da venda que Zé Vaqueiro viria buscá-las no dia seguinte. Levou apenas o óleo de rícino, sabonetes eucalol, sabão de coco, azeite de dendê, água de cheiro, um vidro de pílulas de vida do dr. Rós, dez invólucros de melhoral e um frasco de açafrão, preferências imediatas de Celestina. Os dois sacos de farinha de mandioca, dois sacos de feijão de corda, dois rolos de fumo de corda melado, dez rapaduras, um saco de sal grosso, dez quilos de banha de porco, dez garrafas de cachaça Pitu, duas latas de 50 litros de querosene “jacaré”, duas enxadas, duas foices, três facões e as outras coisas ficariam separadas.
Despediu-se de Maninha, que mandou lembranças para Celestina.
Fazia tempos que Saturnino não frequentava o sarau de dona Elvira. A última vez foi quando o governador de Sergipe esteve em Laranjeiras, e ele aproveitou a ocasião para cometer um deslize matrimonial. O caminho de volta para sua fazenda ficava há apenas duas léguas de distância do sarau. Como estava sedento de carinho e precisando de sexo diferente, resolveu dar uma passadinha rápida pelo sarau. Afinal, ainda tinha tempo, pois dissera a Celestina que retornaria à noitinha. Tomaria uma Pitú, daria um aconchego na sua nega preferida, e voltaria para casa, sem que Celestina de nada desconfiasse.
O sarau de dona Elvira era um misto de salão de festas e prostíbulo. Devido a grande influência política que ela tinha na cidade, era muito admirada. Todos a conheciam e mantinham silêncio sobre suas atividades ilegais. Desde o doutor delegado, que vez por outra desfrutava de algum auxílio pecuniário para não investigar as reclamações que as carolas faziam, os políticos que sempre tiveram apoio incondicional nas campanhas eleitorais, padre Fausto - apesar de saber do antro de corrupção e prostituição que se desenvolvia no local - fazia vistas grossas e até chamava a atenção das Congressistas de Maria por não terem provas. O Juiz de Direito de Laranjal, homem íntegro e justiceiro, mandava arquivar, por faltar materialidade nas denúncias, todos os inquéritos apresentados pelo procurador do Estado, doutor Reginaldo Feitosa, a pedido do povo católico, já que padre Fausto não lhe dava respaldo. O único inimigo de dona Elvira era o doutor Reginaldo. Procurador concursado, recém-formado pela Faculdade de direito de Sergipe, moço novo, ferrenho defensor da moralidade social e da ética e cruel combatente do sarau. Todas as outros autoridades faziam-se de rogadas. Ele não! Combatia arduamente as benesses do “sistema”corruptivo na cidade.
Dona Elvira era uma das maiores colaboradoras de campanhas eleitorais e benemérita consagrada de ações sociais da municipalidade, ao lado de seu Quincas e outros fazendeiros anônimos. Sozinha, às vezes com a ajuda de Maninha que eventualmente fornecia alguns alimentos, ela mantinha uma creche com vinte crianças, filhas de agricultoras.
- O que fazer, santo Deus? Buscava resposta padre Fausto, à sua consciência perturbada. Deus haverá de me perdoar, porque estou aceitando tudo isso em beneficio desse povo sofrido!
Ao apear do “azulão”, coronel Saturnino foi recebido com efusivos aplausos pelas raparigas residentes no sarau. Acercaram-se dele com abraços e beijos, elogiando o perfume e o modo de trajar-se. Margarida, sua negra paixão de anos atrás não estava presente, mas Cleuza estava. Crioula, bonita, alta, corpo esbelto e avantajada de bunda e de peito.
- Dona Elvira, cadê Margarida?
- Foi até Poços dos Anjos visitar os pais, Coronel! Ela não esperava pelo senhor. Eu também não. Faz tempo que o senhor não vem! Ela me pediu um dia de folga e eu dei. Se soubesse que o senhor viria não a teria deixado ir.
Inconformado por não encontrar sua crioula predileta mas demonstrando um desejo ardente de sexo, sentou-se à mesa num dos cantos do salão, na qual já se encontrava um garrafa de Pitú, sua cachaça preferida. Tirou o revolver do coldre, que sempre carregava quando ia à cidade, colocou-o sobre a cadeira vazia ao lado, tomou alguns goles e sentiu-se mais descontraído. Chamou Cleuza.
- Vem cá, minha flor ! Senta aqui no colo do velho!
Cleuza sabia que dali viria a melhor paga que poderia receber de um cliente. Certamente, metade do que recebia num mês inteiro de outros frequentadores. Margarida já havia lhe dito isso.
As horas passaram e Coronel Saturnino não percebeu. Já era tarde quando se deu conta de voltar pra casa.
Ainda cambaleante do efeito da bebida e ufanando do esforço insípido da relação que tivera com Cleuza, montou no cavalo e partiu. De tanta pressa e receoso da bronca que Celestina haveria de lhe dar, não notou que tinha vestido a calça pelo lado errado. Nem se despediu de ninguém, nem de dona Elvira... porém, deixou sobre a mesa cem contos de reis: oitenta para Cleuza e vinte para as despesas.
Azulão era um cavalo fiel, inteligente e acostumado com as aventuras de seu dono. Em certas ocasiões não precisava de comando. Sabia exatamente aonde chegar e como chegar. Ao se aproximar do alpendre da casa de alvenaria com corimbos se espalhando pelo espaço até a altura do telhado, ajoelhou-se com as patas dianteiras sobre o chão seco e jogou o coronel que se esborrachou no piso duro do terreiro.
Celestina ao ouvir o barulho vindo do lado de fora, levantou-se da cama, e com o fifó à mão foi verificar. Não contendo a raiva ao ver o marido estatelado no chão, chamou Zé Vaqueiro para ajudá-la a carregar o infeliz até a cama.
Durante a madrugada coronel Saturnino gemia de gozos e balbuciava coisas inaudíveis. Algumas palavras dona Celestina pôde ouvir: “Faz mais, negrinha gostosa... ai... tá... tá... tá bom... faz mais... mexe... mexe...
- Não acredito! Não mereço tanta safadeza desse velho sem-vergonha e ordinário! Fula da vida, foi dormir no outro quarto, junto à empregada.
Na manhã seguinte levantou-se mais calma. Preparou o café com leite de cabra, beiju, bolo de fubá, suco de caju, e levou para o marido que gemia de dor de cabeça.
- Bom dia cabra safado, bravejou, empurrando-o para o outro lado da cama, a fim de acordá-lo.
- O que foi mulher? Deixa-me dormir. Tá pensando o quê? A reunião terminou tarde. Estou cansado.
- Cansado uma ova... Tá na hora de levantar e dar comida aos animais. Aonde você esteve ontem à noite, seu safado? Quero saber tudo... Trouxe o café. Não vai tomá-lo?
- Deixa aí que depois eu tomo. Continuou deitado curando-se da ressaca.
Celestina deixou o quarto e foi chamar Zé Vaqueiro para cuidar da ordenha das vacas e das cabras, já que coronel Saturnino estava imprestável.
Pouco antes do meio dia, coronel Saturnino levantou-se. Passou pela mulher que estava sentada no alpendre contemplando o horizonte ardente, e sem nada dizer, foi direto ao curral verificar como estava “azulão”. Cismou quando o viu sem a sela e sem os arreios e comendo o capim que Zé Vaqueiro havia cortado.
- Zé... Zé... onde você está? Vem aqui no curral! - Gritou Saturnino. Você pode me dizer o que aconteceu ontem à noite quando cheguei?
- Oia seu coroné...o que sei é que o sinhô não chegou.. Foi o azulão mais uma vez que lhe trouxe e despejou o sinhô no alpendre. Eu tava dormindo quando dona Celestina me chamou pra levar o sinhô pra cama. Me alembro que o sinhô às vez chamava Cleuza e pedia pra ela fazer mais, que tava bom... Eu sei quem é a Cleusa... mas, não disse nada a dona Celestina. Ela ficou muito aporrinhada e disse que ia procurar saber quem era esta tal de Cleuza. Eu acho que o sinhô devia de ter mais cuidado com as besteiras que faz. Fazia tempo que o sinhô não afrontava dona Celestina. Por que não me chamou pra ir junto com o sinhô pra Laranjeiras? Talvez isso não tivesse acontecido. Agora o sinhô vai ter que se espricar com dona Celestina. Ela tá muito zangada!
Sem esperar pela resposta do patrão, arredou o pé do curral e se dirigiu à chafurda para cuidar dos porcos. Afinal ele era um simples empregado. Tinha inteira confiança do patrão mas não ia se meter em assunto que não lhe dizia respeito.
Coronel Saturnino não disfarçava o receio de encarar a mulher: O que dizer... que desculpas dar... Pelo jeito ela já sabe de tudo... pensava. Celestina não é boba! Nunca foi, até se casar comigo.
Passou a tarde inteira no curral deitado sobre as folhas de mandacaru seco que serviam de alimentos aos animais.
Coronel Saturnino chamou Zé Vaqueiro, capataz de sua confiança e ordenou que selasse o “azulão”, seu melhor cavalo, com os melhores arreios. Iria até Laranjeiras para uma reunião na prefeitura com os líderes da UDN. (União Democrática Nacional), partido majoritário que dominava a política local. Tomou banho, passou perfume pelo corpo, vestiu a melhor roupa, calçou a melhor botina, colocou o chapéu de couro novinho e ainda sem uso – presente de dona Celestina quando celebraram as bodas de prata - montou no “azulão”, maior trotador da região, adquirido num leilão da feira de Laranjeiras e se despediu da mulher, dizendo que após a reunião que indicaria o próximo candidato a prefeito, voltaria para casa.
Dona Celestina não acreditou muito na conversa do marido. Já o conhecia há cinquenta anos, desde que se casaram sob as ameaças do pai dela que sabia ser Saturnino um homem mulherengo e cachaceiro Advertiu-a várias vezes, mas ela sempre se fazia de mouca. Por ele daria a própria vida, quando, por exemplo, no dia em que ameaçou se enforcar, caso o pai não permitisse o namoro deles. A desconfiança de Celestina não era por ter Saturnino vestido a melhor roupa, mas pela safadeza do marido de ter-se perfumado e passado brilhantina glostora nos cabelos, costume que já havia abolido há muitos anos atrás.
- Ele nunca se perfumou tanto e nunca passou brilhantina nos cabelos, por que faria agora? Alguma coisa está errada! Questionava-se, andando atrás do marido, que já demonstrava apreensão e nervosismo.
- Para com isso, mulher...que diabos está pensando? Parece que tu não me conheces? Já te falei que depois da reunião voltarei pra casa? Só vou passar no armazém de Maninha, comprar alguns mantimentos e as tranqueiras que tu me pediste, nada mais....
Montou no azulão, e se foi.
Ao meio dia, ao final da reunião que consolidou por unanimidade o nome do futuro candidato a prefeito, Saturnino despediu-se dos correligionários, afirmando que antes de voltar para casa passaria na venda de Maninha para comprar alguns mantimentos de que precisava e umas coisinhas que Celestina havia lhe pedido. Antes de sair tomou duas doses de Pitú com o prefeito, para comemorar o sucesso da reunião e a escolha de Sebastião do Vale, novato na política porém muito conhecido e respeitado na cidade.
Encontrou-se com Maninha, a quem trocou algumas idéias a respeito de Sebastião do Vale, pedindo-lhe para que lhe desse todo apoio possível, por ser a melhor escolha, e que Maninha também o conhecia há muitos anos. Maninha encantou-se com a indicação e prometeu ajuda.
Pagou as compras e pediu para Maninha separará-las num canto da venda que Zé Vaqueiro viria buscá-las no dia seguinte. Levou apenas o óleo de rícino, sabonetes eucalol, sabão de coco, azeite de dendê, água de cheiro, um vidro de pílulas de vida do dr. Rós, dez invólucros de melhoral e um frasco de açafrão, preferências imediatas de Celestina. Os dois sacos de farinha de mandioca, dois sacos de feijão de corda, dois rolos de fumo de corda melado, dez rapaduras, um saco de sal grosso, dez quilos de banha de porco, dez garrafas de cachaça Pitu, duas latas de 50 litros de querosene “jacaré”, duas enxadas, duas foices, três facões e as outras coisas ficariam separadas.
Despediu-se de Maninha, que mandou lembranças para Celestina.
Fazia tempos que Saturnino não frequentava o sarau de dona Elvira. A última vez foi quando o governador de Sergipe esteve em Laranjeiras, e ele aproveitou a ocasião para cometer um deslize matrimonial. O caminho de volta para sua fazenda ficava há apenas duas léguas de distância do sarau. Como estava sedento de carinho e precisando de sexo diferente, resolveu dar uma passadinha rápida pelo sarau. Afinal, ainda tinha tempo, pois dissera a Celestina que retornaria à noitinha. Tomaria uma Pitú, daria um aconchego na sua nega preferida, e voltaria para casa, sem que Celestina de nada desconfiasse.
O sarau de dona Elvira era um misto de salão de festas e prostíbulo. Devido a grande influência política que ela tinha na cidade, era muito admirada. Todos a conheciam e mantinham silêncio sobre suas atividades ilegais. Desde o doutor delegado, que vez por outra desfrutava de algum auxílio pecuniário para não investigar as reclamações que as carolas faziam, os políticos que sempre tiveram apoio incondicional nas campanhas eleitorais, padre Fausto - apesar de saber do antro de corrupção e prostituição que se desenvolvia no local - fazia vistas grossas e até chamava a atenção das Congressistas de Maria por não terem provas. O Juiz de Direito de Laranjal, homem íntegro e justiceiro, mandava arquivar, por faltar materialidade nas denúncias, todos os inquéritos apresentados pelo procurador do Estado, doutor Reginaldo Feitosa, a pedido do povo católico, já que padre Fausto não lhe dava respaldo. O único inimigo de dona Elvira era o doutor Reginaldo. Procurador concursado, recém-formado pela Faculdade de direito de Sergipe, moço novo, ferrenho defensor da moralidade social e da ética e cruel combatente do sarau. Todas as outros autoridades faziam-se de rogadas. Ele não! Combatia arduamente as benesses do “sistema”corruptivo na cidade.
Dona Elvira era uma das maiores colaboradoras de campanhas eleitorais e benemérita consagrada de ações sociais da municipalidade, ao lado de seu Quincas e outros fazendeiros anônimos. Sozinha, às vezes com a ajuda de Maninha que eventualmente fornecia alguns alimentos, ela mantinha uma creche com vinte crianças, filhas de agricultoras.
- O que fazer, santo Deus? Buscava resposta padre Fausto, à sua consciência perturbada. Deus haverá de me perdoar, porque estou aceitando tudo isso em beneficio desse povo sofrido!
Ao apear do “azulão”, coronel Saturnino foi recebido com efusivos aplausos pelas raparigas residentes no sarau. Acercaram-se dele com abraços e beijos, elogiando o perfume e o modo de trajar-se. Margarida, sua negra paixão de anos atrás não estava presente, mas Cleuza estava. Crioula, bonita, alta, corpo esbelto e avantajada de bunda e de peito.
- Dona Elvira, cadê Margarida?
- Foi até Poços dos Anjos visitar os pais, Coronel! Ela não esperava pelo senhor. Eu também não. Faz tempo que o senhor não vem! Ela me pediu um dia de folga e eu dei. Se soubesse que o senhor viria não a teria deixado ir.
Inconformado por não encontrar sua crioula predileta mas demonstrando um desejo ardente de sexo, sentou-se à mesa num dos cantos do salão, na qual já se encontrava um garrafa de Pitú, sua cachaça preferida. Tirou o revolver do coldre, que sempre carregava quando ia à cidade, colocou-o sobre a cadeira vazia ao lado, tomou alguns goles e sentiu-se mais descontraído. Chamou Cleuza.
- Vem cá, minha flor ! Senta aqui no colo do velho!
Cleuza sabia que dali viria a melhor paga que poderia receber de um cliente. Certamente, metade do que recebia num mês inteiro de outros frequentadores. Margarida já havia lhe dito isso.
As horas passaram e Coronel Saturnino não percebeu. Já era tarde quando se deu conta de voltar pra casa.
Ainda cambaleante do efeito da bebida e ufanando do esforço insípido da relação que tivera com Cleuza, montou no cavalo e partiu. De tanta pressa e receoso da bronca que Celestina haveria de lhe dar, não notou que tinha vestido a calça pelo lado errado. Nem se despediu de ninguém, nem de dona Elvira... porém, deixou sobre a mesa cem contos de reis: oitenta para Cleuza e vinte para as despesas.
Azulão era um cavalo fiel, inteligente e acostumado com as aventuras de seu dono. Em certas ocasiões não precisava de comando. Sabia exatamente aonde chegar e como chegar. Ao se aproximar do alpendre da casa de alvenaria com corimbos se espalhando pelo espaço até a altura do telhado, ajoelhou-se com as patas dianteiras sobre o chão seco e jogou o coronel que se esborrachou no piso duro do terreiro.
Celestina ao ouvir o barulho vindo do lado de fora, levantou-se da cama, e com o fifó à mão foi verificar. Não contendo a raiva ao ver o marido estatelado no chão, chamou Zé Vaqueiro para ajudá-la a carregar o infeliz até a cama.
Durante a madrugada coronel Saturnino gemia de gozos e balbuciava coisas inaudíveis. Algumas palavras dona Celestina pôde ouvir: “Faz mais, negrinha gostosa... ai... tá... tá... tá bom... faz mais... mexe... mexe...
- Não acredito! Não mereço tanta safadeza desse velho sem-vergonha e ordinário! Fula da vida, foi dormir no outro quarto, junto à empregada.
Na manhã seguinte levantou-se mais calma. Preparou o café com leite de cabra, beiju, bolo de fubá, suco de caju, e levou para o marido que gemia de dor de cabeça.
- Bom dia cabra safado, bravejou, empurrando-o para o outro lado da cama, a fim de acordá-lo.
- O que foi mulher? Deixa-me dormir. Tá pensando o quê? A reunião terminou tarde. Estou cansado.
- Cansado uma ova... Tá na hora de levantar e dar comida aos animais. Aonde você esteve ontem à noite, seu safado? Quero saber tudo... Trouxe o café. Não vai tomá-lo?
- Deixa aí que depois eu tomo. Continuou deitado curando-se da ressaca.
Celestina deixou o quarto e foi chamar Zé Vaqueiro para cuidar da ordenha das vacas e das cabras, já que coronel Saturnino estava imprestável.
Pouco antes do meio dia, coronel Saturnino levantou-se. Passou pela mulher que estava sentada no alpendre contemplando o horizonte ardente, e sem nada dizer, foi direto ao curral verificar como estava “azulão”. Cismou quando o viu sem a sela e sem os arreios e comendo o capim que Zé Vaqueiro havia cortado.
- Zé... Zé... onde você está? Vem aqui no curral! - Gritou Saturnino. Você pode me dizer o que aconteceu ontem à noite quando cheguei?
- Oia seu coroné...o que sei é que o sinhô não chegou.. Foi o azulão mais uma vez que lhe trouxe e despejou o sinhô no alpendre. Eu tava dormindo quando dona Celestina me chamou pra levar o sinhô pra cama. Me alembro que o sinhô às vez chamava Cleuza e pedia pra ela fazer mais, que tava bom... Eu sei quem é a Cleusa... mas, não disse nada a dona Celestina. Ela ficou muito aporrinhada e disse que ia procurar saber quem era esta tal de Cleuza. Eu acho que o sinhô devia de ter mais cuidado com as besteiras que faz. Fazia tempo que o sinhô não afrontava dona Celestina. Por que não me chamou pra ir junto com o sinhô pra Laranjeiras? Talvez isso não tivesse acontecido. Agora o sinhô vai ter que se espricar com dona Celestina. Ela tá muito zangada!
Sem esperar pela resposta do patrão, arredou o pé do curral e se dirigiu à chafurda para cuidar dos porcos. Afinal ele era um simples empregado. Tinha inteira confiança do patrão mas não ia se meter em assunto que não lhe dizia respeito.
Coronel Saturnino não disfarçava o receio de encarar a mulher: O que dizer... que desculpas dar... Pelo jeito ela já sabe de tudo... pensava. Celestina não é boba! Nunca foi, até se casar comigo.
Passou a tarde inteira no curral deitado sobre as folhas de mandacaru seco que serviam de alimentos aos animais.
José Miranda Filho, ex-Presidente e fundador do PMDB em São Caetano do Sul, Venerável Mestre da Loja Maçônica G. Mazzini (grau 33), é advogado e contador, colabora com o jornal ABC Reporter e atua como Diretor Financeiro do Conselho Gestor do Hospital Benificente São Caetano. Posta no Blog do Miranda.
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