Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

Conto - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração de José Geraldo de Barros Martins


O Espelho

Joelma Valdomira possuia todos os atributos femininos, exceto um... ela não gostava de se olhar no espelho... apesar de sua vaidade e do seu extremo bom gosto ao se maquiar, o ato matinal de se arrumar diante do espelho era um enorme martírio... e sabem por quê??? É que depois dela ter lido aquele texto denominado “Animais dos Espelhos”, que Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero incluiram em “O Livro dos Seres Imaginários”, ela se arrepiava toda quando tinha que encarar sua imagem refletida no espelho do banheiro... O texto conta a estória de uma época em que o mundo dos espelhos e o mundo dos homens não estavam incomunicáveis, além disso eram mundos bastante diferentes; até que um dia em que o pessoal do mundo dos espelhos resolveu invadir o nosso mundo... após terríveis batalhas o Imperador Amarelo rechaçou os invasores, encarcerou-os no outro lado e como penalidade privou-os de suas figuras e os obrigou a repetir todos os gestos dos homens... um dia virá em que as criaturas dos espelhos deixarão de nos imitar e iniciarão uma nova revolução...

Como a nossa protagonista ficara muito impressionada com esta leitura, ela morria de medo de que algum dia sua imagem parasse de imitá-la... seria o início do caos...

Passado o tormento matinal, ela tomava seu café da manhã, este por sinal sempre requintado (suco de grapefruit, melão cortado em cubos com presunto crú, pão caseiro e chá inglês com uma rodela de limão siciliano), e depois rumava para o escritório onde tormentos menores a esperavam... Ela trabalhava em uma firma que gerenciava estacionamentos... logo ela que se formara psicanalista, logo ela que lera a obra de Lacan em francês, logo ela que sempre sonhou com ambientes mais requintados... porém alguma coisa em seu destino a empurrava para o ralo... e não era só no emprego não... seu noivo, por exemplo era um perfeito boçal: Domênico Dagobertini, gerente de uma concessionária de veículos, um sujeito falante, na verdade falante até demais, que se enturma com qualquer um após cinco minutos de conversa, que apesar da falta de leitura e do português ruim, possui um raciocínio rápido (principalmente no que tange a trocadilhos sexuais), que conversa sobre todos os assuntos, e é capaz de conceber as teorias mais absurdas... Uma delas, foi a teoria que bolou para provar para sua noiva que para ela o oficio de gerenciamento de estacionamentos era muito mais honesto do que a prática da psicanálise: pois ninguém muda de verdade, então o cara paga uma fortuna fazendo análise por anos a fio e no fim das contas é o mesmo sujeito, ou seja o cliente paga por uma mudança que na verdade nunca ocorre, enquanto que com o estacionamento se dá exatamente o contrário: o cara paga para que o carro fique da mesma maneira como está, sem riscos na pintura, sem roubo do som, sem pneus furados, etc. e quando o cliente volta para o estacionamento o carro está do mesmo jeito: logo um dono de estacionamento é muito mais honesto que um psicanalista, pois um promete que não haverá mudanças com o carro do cliente e cumpre, enquanto que o outro promete uma mudança que nunca ocorre...

É um tremendo mistério como Joelma Valdomira foi ficar noiva de um sujeito como este, mas ela começou a se cansar... um dia se cansou dele, do emprego, de sua falta de coragem, da rotina, de tudo...

Não foi trabalhar, passou a tarde passeando, entrou em uma livraria e viu um rapaz bastante atraente se aproximar perguntando se não tinha “O Livro dos Seres Imaginários” de Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero... ela ficou muda...

- Desculpe-me, achei que você fosse vendedora...

- Não faz mal, eu te ajudo a procurar...

E assim começou uma conversa que terminou com a tradicional troca de telefones...

A noite deu uma desculpa qualquer para Domênico Dagobertini, e ficou sozinha em seu apartamento. Preparou um “fettuccine a alfredo”, que comeu degustando duas taças de vinho syrah... foi dormir cedo.

Sonhou que passeava pelo centro de Sâo Paulo com o rapaz da livraria, depois de percorrer vários locais eles entraram no Bar do Léo na Rua Aurora, lá dentro tudo estava diferente, era muito maior, as cortinas eram de veludo grená, os lustres eram de cristal, ao fundo se ouvia um tango, se sentaram em uma mesa, de repente quem estava em sua frente não era mais o rapaz da livraria, mas Jorge Luis Borges em pessoa... olhou para mesa e reparou que no guardanapo de papel estava escrito “Café Tortoni.”.. então Borges explicou a ela que "aquele texto, “Animais dos Espelhos”, era uma metáfora; na verdade, os seres que estão detrás dos espelhos somos nós... somos nós que estamos condenados a imitar nossas projeções sociais, a repetir este teatro cotidiano que se chama sociedade... somente quando pararmos de imitarmos a nós mesmos, (ou aquilo que acreditamos que sejam nós mesmos) é que seremos realmente livres..."

Então Joelma Valdomira acordou e soltou uma sonora gargalhada!!!

José Geraldo De Barros Martins é de São Paulo. Músico, pintor e escritor, desde 2001 publica seus desenhos e escritos no blog http://zegeraldo.free.fr.

1 comment:

Jos� Geraldo said...

“O senhor vai me dizer que a literatura não consiste unicamente em obras-primas mas está, sim, povoadas de obras ditas menores. Eu também acreditava nisso. A literatura é um vasto bosque e as obras-primas são os lagos, as árvores imensas ou estranhíssimas, as eloquentes flores preciosas ou as grutas escondidas, mas um bosque também é composto de árvores comuns, de matagais, de charcos, de plantas parasitas, de cogumelos e florezinhas silvestres. Eu me enganava. As obras menores, na realidade não existem. Quero dizer: o autor de uma obra menor não se chama fulaninho ou cicraninho. Fulaninho e cicraninho existem, disso não há dúvida, e sofrem e trabalham e publicam em jornais e revistas e de vez em quando publicam um livro que não desmerece o papel em que está impresso, mas esses livros ou esses artigos, se o senhor olhar com atenção, não são escritos por eles.
Toda obra menor tem um autor secreto, e o autor secreto é, por definição, um escritor de obras primas.”

( Roberto Bolaño – tradução Eduardo Brandão )


Li neste feriado o conto “O Espelho” de Machado de Assis, que meu pai afirma que tem muitos pontos convergentes com o meu mais recente mini-conto, publicado acima… e agora me bateu uma terrível dúvida: será que o bruxo de Cosme Velho (Machado) e el Brujo de Palermo (Borges) não são os autores secretos deste “O Espelho” aqui publicado

Autores

Ademir Demarchi Adriana Pessolato Adília Lopes Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda Antonio Romane António Nobre Ari Candido Fernandes Ari Cândido Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Cândido Rolim Dantas Mota David Butler Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Décio Pignatari Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats Josep Daústin José Carlos de Souza José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago José de Almada-Negreiros João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Léon Laleau Lêdo Ivo Magnhild Opdol Manoel de Barros Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mario Quintana Mariângela de Almeida Marly Agostini Franzin Marta Penter Marçal Aquino Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Márcio-André Mário Chamie Mário Faustino Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Nadir Afonso Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Nâzım Hikmet Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Pádraig Mac Piarais Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Renato Borgomoni Renato Rezende Renato de Almeida Martins Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Régis Bonvicino Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastian Guerrini Sebastià Alzamora Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Silvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano Sílvio Ferreira Leite Sílvio Fiorani The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix Álvaro de Campos Éle Semog