Remembering Dali, by Olivia De Rossi
Nostalgia
Você, que já foi criança, tem alguma coisa que vem a sua cabeça quando o tema é infância? Uma frase, um momento, um brinquedo, uma pessoa... Pode ser uma lembrança boa ou daquelas que arrepiam. Claro que você tem algo assim pra recordar. Eu tenho várias, mas a que volta vez ou outra foi quando descobri que Papai Noel era, na verdade, o dono da loja de brinquedos, amigo do meu pai. Vi ele entregar a bicicleta, no portão de casa, dia 24 à tarde.
Pior do que descobrir a inexistência do barbudo, amiga, foi ser cobrada pela minha mãe a não contar para meus irmãos (eu com 10 anos, mano com 8 e maninha com 2). Segurar a revelação pro meu irmão até era fácil. Dois ou três anos mais e boa. Ele acabaria sacando que algo estava estranho - assim como eu saquei. Mas, e minha irmã, que tinha uma longa jornada de ingenuidade pela frente? Maldição das irmãs mais velhas!
O complicado era quando batia aquela vontade cruel de sacanear os manos depois de alguma briga ou de levar bronca dos pais por algo que eu não fiz e foi obra, sim, de um deles. Vontade de gritar: "Papai Noel não existe, bobões!" Eu me contorcia por dentro quando momentos assim me vinham. Devo confessar que até hoje acho que fui muito madura guardando um segredo desses - e depois zelando para que meu irmão do meio não abrisse o bico pra caçula quando ele, um ano depois, fez a sua descoberta. Missão complicada que só acabou quando minha irmã, aos 6 anos, veio toda cheia me dizer: "Sabe de uma coisa? Papai Noel não existe!". Na hora bateu muita raiva. Imagine se eu ainda acreditasse no velhinho? (Tá! Sei que aos 14 anos isso seria quase impossível, mas, e daí?) Que sacanagem! Tudo o que eu tinha passado pra não dizer nada a ela... e a danada vem assim, a seco. Mas não deixei por menos. Olhei nos olhos da caçula com a maior cara de mana mais velha. E soltei: "Querida, sei disso há muuuuuuuuito tempo!". Virei as costas e sai com aquele sorrisinho cruel no canto da boca.
........................
Tem outra lembrança da infância que às vezes bate, fazendo-me voltar no tempo: o nosso quintal. Era enorme... comprido. E cheio de bat-cavernas, naves espaciais... ali, especialmente com meu irmão, dois anos mais novo que eu, vivíamos aventuras incríveis! Os seriados, que assistíamos à tardinha, depois da lição feita, viravam inspiração para as brincadeiras que compartilhávamos no quintal. Transformar o muro em painel da nave de Perdidos no Espaço era uma diversão. Lembro que meu irmão pregava tampas velhas de panela e rodinhas dos carrinhos quebrados naquele muro, que eram os controles para dirigirmos a nave. O barracão, no fundo, virava a bat-caverna, com milhares de artifícios para vencer o mal. E, no final de tudo, voltávamos à Terra ou à mansão do homem-morcego, chamados pela minha mãe, que avisava que o copo de café com leite e o bolo de laranja estavam prontos. O nosso lanchinho diário.
Sentávamos no degrau da cozinha para comer, tendo ao fundo a rádio novela ou o programa da Hebe Camargo. E, até hoje, quando passo em alguns lugares - raros - sinto o cheiro da cêra vermelha que minha mãe passava no chão da cozinha e que eu sempre associei à limpeza e à infãncia... lembranças...
.......................
Hoje tenho uma "neta torta", como diz meu marido. Cada vez que a vejo - e hoje está com 4 meses - fico emocionada. Nem sei bem porquê, mas é um misto do que fui, do que vivi com meu filho e do que a vida traz todas as vezes que uma criança nasce. Não sei explicar, mas olho para ela e me emociono. Vontade louca de ganhar o poder de reviver meus 4 meses e entendê-los, já que lá atrás, quando eu ainda nem engatinhava, qualquer consciência inexistia. Talvez, se tivéssemos essa lembrança, desde a hora em que a luz deste mundo cega nossos olhos, entenderíamos muito mais de nós mesmos.
Como será que meus pais me viram assim, tão pequena e desprotegida? Será que meu pai se conformou logo de eu ser menina (ele queria um menino, declaradamente)? E minha mãe, com 22 anos? O que bateu nela? Teve tanto medo como eu tive quando meu filho veio para amamentar pela primeira vez? E qual será que foi a minha sensação quando eu disse a primeira palavra inteira? Me dei conta de que estava certa? Será que saquei só quando minha mãe bateu palmas e me abraçou forte pedindo que eu a repetisse? E quando comecei a andar. Que raciocínio eu segui para poder ficar em pé e dar um passo pós outro? Usei da observação pura ou um instinto estava ali, presente, pronto a me colocar em pé? Será que realmente eu gostava do leite materno ou, por falta de opção, acabava aceitando aquela coisa amarga?
E aos dois anos, quando meu irmão nasceu. Tive ciúmes? Fiquei feliz? Aliás, será que eu entendi o que estava acontecendo e que aquele garoto fofo e chorão era meu irmão e não mais um brinquedo?
A primeira injeção que tomei... o tombo que levei, antes mesmo de caminhar... Quer saber? Melhor que a nossa lembrança não vá até os primórdios. Porque tem coisas que... deixa pra lá...
Pior do que descobrir a inexistência do barbudo, amiga, foi ser cobrada pela minha mãe a não contar para meus irmãos (eu com 10 anos, mano com 8 e maninha com 2). Segurar a revelação pro meu irmão até era fácil. Dois ou três anos mais e boa. Ele acabaria sacando que algo estava estranho - assim como eu saquei. Mas, e minha irmã, que tinha uma longa jornada de ingenuidade pela frente? Maldição das irmãs mais velhas!
O complicado era quando batia aquela vontade cruel de sacanear os manos depois de alguma briga ou de levar bronca dos pais por algo que eu não fiz e foi obra, sim, de um deles. Vontade de gritar: "Papai Noel não existe, bobões!" Eu me contorcia por dentro quando momentos assim me vinham. Devo confessar que até hoje acho que fui muito madura guardando um segredo desses - e depois zelando para que meu irmão do meio não abrisse o bico pra caçula quando ele, um ano depois, fez a sua descoberta. Missão complicada que só acabou quando minha irmã, aos 6 anos, veio toda cheia me dizer: "Sabe de uma coisa? Papai Noel não existe!". Na hora bateu muita raiva. Imagine se eu ainda acreditasse no velhinho? (Tá! Sei que aos 14 anos isso seria quase impossível, mas, e daí?) Que sacanagem! Tudo o que eu tinha passado pra não dizer nada a ela... e a danada vem assim, a seco. Mas não deixei por menos. Olhei nos olhos da caçula com a maior cara de mana mais velha. E soltei: "Querida, sei disso há muuuuuuuuito tempo!". Virei as costas e sai com aquele sorrisinho cruel no canto da boca.
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Tem outra lembrança da infância que às vezes bate, fazendo-me voltar no tempo: o nosso quintal. Era enorme... comprido. E cheio de bat-cavernas, naves espaciais... ali, especialmente com meu irmão, dois anos mais novo que eu, vivíamos aventuras incríveis! Os seriados, que assistíamos à tardinha, depois da lição feita, viravam inspiração para as brincadeiras que compartilhávamos no quintal. Transformar o muro em painel da nave de Perdidos no Espaço era uma diversão. Lembro que meu irmão pregava tampas velhas de panela e rodinhas dos carrinhos quebrados naquele muro, que eram os controles para dirigirmos a nave. O barracão, no fundo, virava a bat-caverna, com milhares de artifícios para vencer o mal. E, no final de tudo, voltávamos à Terra ou à mansão do homem-morcego, chamados pela minha mãe, que avisava que o copo de café com leite e o bolo de laranja estavam prontos. O nosso lanchinho diário.
Sentávamos no degrau da cozinha para comer, tendo ao fundo a rádio novela ou o programa da Hebe Camargo. E, até hoje, quando passo em alguns lugares - raros - sinto o cheiro da cêra vermelha que minha mãe passava no chão da cozinha e que eu sempre associei à limpeza e à infãncia... lembranças...
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Hoje tenho uma "neta torta", como diz meu marido. Cada vez que a vejo - e hoje está com 4 meses - fico emocionada. Nem sei bem porquê, mas é um misto do que fui, do que vivi com meu filho e do que a vida traz todas as vezes que uma criança nasce. Não sei explicar, mas olho para ela e me emociono. Vontade louca de ganhar o poder de reviver meus 4 meses e entendê-los, já que lá atrás, quando eu ainda nem engatinhava, qualquer consciência inexistia. Talvez, se tivéssemos essa lembrança, desde a hora em que a luz deste mundo cega nossos olhos, entenderíamos muito mais de nós mesmos.
Como será que meus pais me viram assim, tão pequena e desprotegida? Será que meu pai se conformou logo de eu ser menina (ele queria um menino, declaradamente)? E minha mãe, com 22 anos? O que bateu nela? Teve tanto medo como eu tive quando meu filho veio para amamentar pela primeira vez? E qual será que foi a minha sensação quando eu disse a primeira palavra inteira? Me dei conta de que estava certa? Será que saquei só quando minha mãe bateu palmas e me abraçou forte pedindo que eu a repetisse? E quando comecei a andar. Que raciocínio eu segui para poder ficar em pé e dar um passo pós outro? Usei da observação pura ou um instinto estava ali, presente, pronto a me colocar em pé? Será que realmente eu gostava do leite materno ou, por falta de opção, acabava aceitando aquela coisa amarga?
E aos dois anos, quando meu irmão nasceu. Tive ciúmes? Fiquei feliz? Aliás, será que eu entendi o que estava acontecendo e que aquele garoto fofo e chorão era meu irmão e não mais um brinquedo?
A primeira injeção que tomei... o tombo que levei, antes mesmo de caminhar... Quer saber? Melhor que a nossa lembrança não vá até os primórdios. Porque tem coisas que... deixa pra lá...
Mariângela de Almeida escreve no blog ditosrabiscos.blogspot.com
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