In a Bower, Oil on Canvas by Dr. Norman Louis Guido
Cheiro de alecrim
Um amigo me guia pelo bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. Durante o breve intervalo do horário do almoço, ele segue me mostrando estreitas vias que desembocam em ruas coalhadas de carros. Nascera ali. Diz ele na altura da Bandeira Paulista, esquina com Tabapuã:
-- Vamos por aqui.
Entramos na Professor Tamandaré Toledo. É uma rua pequena, estreita, de mão única. Sabia de sua existência porque toda terça uma feira ocupa seu asfalto, colorindo-o de barracas, bugigangas, verduras e frutas. Tem apenas um quarteirão. De um lado, prédios residenciais; de outro, há uma comprida e antiga parede lateral, que é o que resta da antiga fábrica de chocolates Kopenhagen.
-- Sente o cheiro? – indaga o amigo.
Infelizmente, não sinto nada nas narinas cansadas da poluição paulistana.
-- Nada mesmo? – quer de novo saber.
-- Pastel? – arrisco pensando na barraca do japonês no dia de feira.
-- Não.
Ele pára na calçada vazia, bem próximo à parede descascada pelo tempo, e aspira uma longa golfada de ar. Penso, claro, que o amigo acaba de entrar numa espécie de transe com as loucuras de São Paulo.
-- Sinta também, companheiro! – e aspira com força e alegria. -- Sinta o cheiro de chocolate.
Depois, ele conta que, menino ainda, seu pai sempre o levava pelas imediações. A Professor Tamandaré Toledo era considerada um lugar mágico. Na passagem sobre o calçamento de paralelepípedos, sentia chegar do interior da fábrica os mais diferentes aromas achocolatados. Voltava para casa, mas, durante dias, sonhava com o que imaginava acontecer dentro do galpão industrial: duendes em volta de reluzentes apetrechos numa doce alquimia.
Acho que, provavelmente, fui me influenciando pelo agradável bate-papo. No caminho de volta, descendo a rua Joaquim Floriano, sinto um forte cheiro de café socado no pilão, e coado na hora. Sinto também outros cheiros da infância e, longe, bem longe, o odor inconfundível da cana-de-açúcar, do melado da garapa e do borbulhar da rapadura já quase sólida em tachos de cobre.
O amigo me conta de uma pesquisa realizada pelo Monell Chemical Senses Center, na Filadélfia, Estados Unidos:
-- Uma equipe de norte-americanos reuniu 30 pessoas de ambos os sexos – conta ele. – Todos voluntários. Eram crianças, jovens e idosos, com idade que variavam dos três aos setenta anos. Durante dez horas, todos eles ficaram com um pedaço de gaze preso às axilas, para fornecerem amostras do cheiro de seus corpos.
-- Meio nojento, não é? – dou meu palpite. – Já pensou se eles não gostassem de tomar banho, igual àqueles franceses que têm sete anões mortos debaixo de cada braço?
O amigo faz pouco caso da brincadeira. Continua:
-- Eles não podiam usar perfumes ou desodorantes nem comer alimentos de aroma forte nos quatro dias que antecediam a coleta das amostras. Banho, sim. Podiam tomar banho com sabão inodoro e xampu.
-- E aí?
-- Aí, os pesquisadores pediram que mais de 300 estudantes universitários respondessem a um questionário para avaliar como eles estavam de bem com a vida. Depois, cada estudante cheirou um pedaço de gaze, sem saber qual a origem do odor. Finalmente, todos responderam novamente a um questionário de avaliação de humor. De acordo com as respostas, o humor de quem tinha cheirado amostras retiradas das axilas de mulheres idosas era significativamente melhor. Quem foi exposto ao “aroma” de homens jovens, por outro lado, ficou deprimido. Conclusão: pelo cheiro você pode indicar um estado de espírito.
Comento com o amigo que há algum tempo li algo num jornal abordando o mesmo assunto. Segundo a reportagem, o cheiro tem a capacidade de atrair a pessoa certa e afastar as indesejáveis. Dizia ainda que há uma combinação química entre os sexos, baseada em cheiros, o que ajudaria muito a explicar, por exemplo, o fenômeno do amor à primeira vista.
No caminho até o escritório continuo a sentir outros cheiros: manga madura, terra molhada de chuva, água em queda da cachoeira e, principalmente, uma primeira namorada. Chamava-se Clarice. Durante todo o expediente da tarde burocrata, lembro fortemente que, em qualquer hora do dia ou noite, ela cheirava sempre à suave fragrância do alecrim do campo.
Um amigo me guia pelo bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. Durante o breve intervalo do horário do almoço, ele segue me mostrando estreitas vias que desembocam em ruas coalhadas de carros. Nascera ali. Diz ele na altura da Bandeira Paulista, esquina com Tabapuã:
-- Vamos por aqui.
Entramos na Professor Tamandaré Toledo. É uma rua pequena, estreita, de mão única. Sabia de sua existência porque toda terça uma feira ocupa seu asfalto, colorindo-o de barracas, bugigangas, verduras e frutas. Tem apenas um quarteirão. De um lado, prédios residenciais; de outro, há uma comprida e antiga parede lateral, que é o que resta da antiga fábrica de chocolates Kopenhagen.
-- Sente o cheiro? – indaga o amigo.
Infelizmente, não sinto nada nas narinas cansadas da poluição paulistana.
-- Nada mesmo? – quer de novo saber.
-- Pastel? – arrisco pensando na barraca do japonês no dia de feira.
-- Não.
Ele pára na calçada vazia, bem próximo à parede descascada pelo tempo, e aspira uma longa golfada de ar. Penso, claro, que o amigo acaba de entrar numa espécie de transe com as loucuras de São Paulo.
-- Sinta também, companheiro! – e aspira com força e alegria. -- Sinta o cheiro de chocolate.
Depois, ele conta que, menino ainda, seu pai sempre o levava pelas imediações. A Professor Tamandaré Toledo era considerada um lugar mágico. Na passagem sobre o calçamento de paralelepípedos, sentia chegar do interior da fábrica os mais diferentes aromas achocolatados. Voltava para casa, mas, durante dias, sonhava com o que imaginava acontecer dentro do galpão industrial: duendes em volta de reluzentes apetrechos numa doce alquimia.
Acho que, provavelmente, fui me influenciando pelo agradável bate-papo. No caminho de volta, descendo a rua Joaquim Floriano, sinto um forte cheiro de café socado no pilão, e coado na hora. Sinto também outros cheiros da infância e, longe, bem longe, o odor inconfundível da cana-de-açúcar, do melado da garapa e do borbulhar da rapadura já quase sólida em tachos de cobre.
O amigo me conta de uma pesquisa realizada pelo Monell Chemical Senses Center, na Filadélfia, Estados Unidos:
-- Uma equipe de norte-americanos reuniu 30 pessoas de ambos os sexos – conta ele. – Todos voluntários. Eram crianças, jovens e idosos, com idade que variavam dos três aos setenta anos. Durante dez horas, todos eles ficaram com um pedaço de gaze preso às axilas, para fornecerem amostras do cheiro de seus corpos.
-- Meio nojento, não é? – dou meu palpite. – Já pensou se eles não gostassem de tomar banho, igual àqueles franceses que têm sete anões mortos debaixo de cada braço?
O amigo faz pouco caso da brincadeira. Continua:
-- Eles não podiam usar perfumes ou desodorantes nem comer alimentos de aroma forte nos quatro dias que antecediam a coleta das amostras. Banho, sim. Podiam tomar banho com sabão inodoro e xampu.
-- E aí?
-- Aí, os pesquisadores pediram que mais de 300 estudantes universitários respondessem a um questionário para avaliar como eles estavam de bem com a vida. Depois, cada estudante cheirou um pedaço de gaze, sem saber qual a origem do odor. Finalmente, todos responderam novamente a um questionário de avaliação de humor. De acordo com as respostas, o humor de quem tinha cheirado amostras retiradas das axilas de mulheres idosas era significativamente melhor. Quem foi exposto ao “aroma” de homens jovens, por outro lado, ficou deprimido. Conclusão: pelo cheiro você pode indicar um estado de espírito.
Comento com o amigo que há algum tempo li algo num jornal abordando o mesmo assunto. Segundo a reportagem, o cheiro tem a capacidade de atrair a pessoa certa e afastar as indesejáveis. Dizia ainda que há uma combinação química entre os sexos, baseada em cheiros, o que ajudaria muito a explicar, por exemplo, o fenômeno do amor à primeira vista.
No caminho até o escritório continuo a sentir outros cheiros: manga madura, terra molhada de chuva, água em queda da cachoeira e, principalmente, uma primeira namorada. Chamava-se Clarice. Durante todo o expediente da tarde burocrata, lembro fortemente que, em qualquer hora do dia ou noite, ela cheirava sempre à suave fragrância do alecrim do campo.
Roniwalter Jatobá, jornalista, e escritor, publicou, entre outros, os livros Sabor de química (1977), Crônicas da vida operária (1978), Filhos do medo (1980), Viagem à montanha azul (1982), Trabalhadores do Brasil: histórias do povo brasileiro (1998, organizador), O pavão misterioso e outras memórias (1999), Paragens (2004), Rios sedentos (2006, voltado para o público infanto-juvenil), Viagem ao outro lado do mundo (2009) e Contos Antológicos (2009). Para a coleção “Jovens sem fronteiras”, publicou O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e O jovem Luiz Gonzaga (2009).
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