O Retrato do Sertão – 15
Na bifurcação da estrada Quincas Ferreira com coronel Praxedes que vai a Poços dos Anjos, do lado esquerdo de quem sai de Laranjeiras, está fincada uma pequena cruz feita de aroeira identificando o local em que Sá Lorena morreu. Segundo alguns moradores o lugar é assombrado e misterioso. Receiam passar por lá tarde da noite, principalmente quando não tem luar. Dizem que Sá Lorena aparece à beira da estrada, sob o pé de juazeiro florido implorando perdão àqueles que ela vilipendiou em vida. Pouca gente acredita. Os mais cépticos desdenham, enquanto outros envolvidos em assuntos espirituais, dentre os quais se enquadra Zequinha da venda, o filho de Maninha - moleque travestido de homem - frequentador da “Casa Espiritual Santa Helena”, e Zé vaqueiro, empregado de seu Quincas, confirmam ser verdadeiro o mistério da aparição. Juram já ter visto a alma penada de Sá Lorena perambulando pelo local.
Zequinha contou prá sua mãe sem medo de ser repreendido que muitas vezes levando mercadorias do armazém para os sitiantes das redondezas se deparou com o fantasma.
Entre um gole e outro de cachaça na venda de Maninha nos finais de semana com os amigos, Zé vaqueiro não se constrange ao afirmar que nas noites de trovões e relâmpagos, Sá Lorena costuma aparecer vestida de branco, tal qual estava na noite em que foi assassinada.
- Já vi várias vezes, mas nunca pensei que fosse o espirito de Sá Lorena. Achava que era uma simples ilusão, coisas de quem passa pelo local e fica imaginando o que teria acontecido!. Dizia Zé, sob o olhar desconfiado dos amigos e frequentadores do armazém..
- Acontece que numa noite dessas, contava Zé... Seu Quincas mandou que eu fosse procurar uma bezerra desgarrada que havia fugido do curral. Estava bastante escuro, uma ou duas estrelas brilhavam no céu brincando de esconde-esconde, correndo de um canto ao outro do horizonte como se quisessem me indicar o lugar em que estava a bezerra fugitiva. Eu montava a égua preferida de seu Quincas. Animal experiente e bastante acostumado a esse tipo de ação. De repente, diante do pé de juazeiro a égua emburrou. Não andava de jeito nenhum. Por mais que eu a esporeasse - coisa que seu Quincas nunca aceitou e sempre me repreendia por isso - ela não saía do lugar. Amuou!. Apeei e puxei-a pela rédea. Nada! Não conseguia fazê-la dar um passo adiante. Ai, imaginei que ela estivesse vendo alguma coisa estranha, porque quando o animal emburra desse jeito é porquê vê coisas que a gente não consegue. A égua nunca agiu desse jeito, por mais difícil que fosse a ocasião! Nunca teve medo de escuridão, tempestades, trovões, relâmpagos... Nada! Mas naquela noite... Achei estranho o comportamento da égua. Como os animais conseguem ver coisas estranhas à nossa percepção me acautelei e gritei com toda a força de meu pulmão:
- Quem está ai? Apareça, senão eu atiro! Engatilhei a espingarda e esperei que alguém respondesse. Ai, amigos escutei um gemido... Olha companheiros, nunca tive medo de nada na vida, mas naquele momento senti um frio medonho na espinha. Meus cabelos se arrepiaram como se estivessem sendo levados pelo vento... E o pior é que não ventava no momento. Se eu estivesse usando o chapéu de couro que seu Quincas me deu de presente ele teria sido arrebatado da cabeça... Foi aí que vi na minha frente, entre um relâmpago e outro, a figura de Sá Lorena vestida de branco. Me chamou pelo nome:
- Calma Zé, vem cá! Vamos prosear um pouco... Me dá notícias de Geraldina, Tonho, seu Quincas, padre Fausto...Me conta quem matou o desgraçado Lampião... E dona Elvira... continua fazendo suas safadices com o padre?
Perplexo e amedrontando não vi quando ela desapareceu na escuridão.
- Minhas pernas tremiam, companheiros! Fiquei com medo, confesso!
Apavorado, deixei a égua trombuda no local e corri o mais depressa que pude pela estrada, até alcançar a casa de compadre Salu. Ele não acreditou em nada do que lhe disse. Caçoou de mim... Me chamou de maricas... Deu risadas na minha cara dizendo que eu não era mais aquele cabra macho que ele conhecia! Isso me irritou muito, e um tanto envergonhado pedí-lhe que fosse comigo ao local. Depois de tanta insistência ele concordou.
Permanecemos no local alguns minutos, porém não vimos nada, só o os clarões dos relâmpagos, que mesmo assim nos assustaram. Isso me deixou ainda mais encabulado.
Peguei a égua que ainda estava no mesmo lugar em que deixei e voltei pra fazenda, sem a bezerra. Salu me acompanhou. No caminho nada dizia. Só me olhava desconfiado, balançando a cabeça de um lado ao outro como se quizesse dizer que eu estava mentindo. Sentia isso pela sua atitude. Talvez pelo respeito que sempre tivemos um pelo outro, ele se resguardasse da insinuação. Mas eu notava sua expressão. Conhecia-a de muitos anos!
Seu Quincas também não acreditou, quando lhe contei.
Zombou de mim, dizendo:
- Essas besteiras são coisas de piegas, boiolas, covardes... E acho que você não é nada disso, Zé. Mas, que podem acontecer, podem!
Eu nunca ví, porém não duvido que aconteçam!!
Isso me esquentou os miolos, e só não mandei seu Quincas para os infernos pelo respeito e consideração que tenho por ele. Para mim ele é o pai que nunca tive. E pra mostrar que não estava mentindo, voltei ao local várias vezes durante as noites seguintes, porém, Sá Lorena nunca mais me apareceu. Por causa disso fiquei tachado na região como contador de lorotas. Mas, é verdade, amigos! Juro por tudo quanto é sagrado que vi a mulher!
Maninha, que servia outros fregueses do outro lado do balcão ouvia tudo calada. Dava de ombros quando alguém lhe pedia opinião.
- Não sei de nada...Nunca vi nada, mas não desacredito o Zé. Ele sempre teve meu respeito e minha consideração. Ele é uma pessoa séria e não precisa inventar nada! Acho que cada um tem sua própria espiritualidade e fé.
Maninha queria justificar a religiosidade do filho que participava ativamente dos trabalhos esotéricos da casa de Santa Helena. Zequinha tinha mediunidade que desenvolvia com consentimento da mãe. Por isso, ela era objetiva em seus comentários.
Poucas pessoas acreditavam nos comentários de Zé. Duvidavam do que dizia, enquanto os mais crédulos aceitavam passivamente, confiantes na aparição de Cristo aos seus apóstolos. A notícia da aparição de Sá Lorena já corria pelos quatro cantos da vila, até que uma noite, seu Quincas, homem extremamente religioso, sério e bastante respeitado na região confirmou de vez que o fenômeno da aparição de Sá Lorena era sim, verdadeiro.
Zé não mentia.
O pé de juazeiro nunca deixou de florir, nem mesmo na imensidão da seca como se algo misterioso o regasse todos os dias. Durante o dia suas frondosas e uniformes folhas refrescantes serviam de abrigo aos viajantes do causticante sol do sertão. Porem à noite...Vixe! Era motivo de medo. Poucos se atreviam passar pelo local.
Fairy Tale - postcard |
Na bifurcação da estrada Quincas Ferreira com coronel Praxedes que vai a Poços dos Anjos, do lado esquerdo de quem sai de Laranjeiras, está fincada uma pequena cruz feita de aroeira identificando o local em que Sá Lorena morreu. Segundo alguns moradores o lugar é assombrado e misterioso. Receiam passar por lá tarde da noite, principalmente quando não tem luar. Dizem que Sá Lorena aparece à beira da estrada, sob o pé de juazeiro florido implorando perdão àqueles que ela vilipendiou em vida. Pouca gente acredita. Os mais cépticos desdenham, enquanto outros envolvidos em assuntos espirituais, dentre os quais se enquadra Zequinha da venda, o filho de Maninha - moleque travestido de homem - frequentador da “Casa Espiritual Santa Helena”, e Zé vaqueiro, empregado de seu Quincas, confirmam ser verdadeiro o mistério da aparição. Juram já ter visto a alma penada de Sá Lorena perambulando pelo local.
Zequinha contou prá sua mãe sem medo de ser repreendido que muitas vezes levando mercadorias do armazém para os sitiantes das redondezas se deparou com o fantasma.
Entre um gole e outro de cachaça na venda de Maninha nos finais de semana com os amigos, Zé vaqueiro não se constrange ao afirmar que nas noites de trovões e relâmpagos, Sá Lorena costuma aparecer vestida de branco, tal qual estava na noite em que foi assassinada.
- Já vi várias vezes, mas nunca pensei que fosse o espirito de Sá Lorena. Achava que era uma simples ilusão, coisas de quem passa pelo local e fica imaginando o que teria acontecido!. Dizia Zé, sob o olhar desconfiado dos amigos e frequentadores do armazém..
- Acontece que numa noite dessas, contava Zé... Seu Quincas mandou que eu fosse procurar uma bezerra desgarrada que havia fugido do curral. Estava bastante escuro, uma ou duas estrelas brilhavam no céu brincando de esconde-esconde, correndo de um canto ao outro do horizonte como se quisessem me indicar o lugar em que estava a bezerra fugitiva. Eu montava a égua preferida de seu Quincas. Animal experiente e bastante acostumado a esse tipo de ação. De repente, diante do pé de juazeiro a égua emburrou. Não andava de jeito nenhum. Por mais que eu a esporeasse - coisa que seu Quincas nunca aceitou e sempre me repreendia por isso - ela não saía do lugar. Amuou!. Apeei e puxei-a pela rédea. Nada! Não conseguia fazê-la dar um passo adiante. Ai, imaginei que ela estivesse vendo alguma coisa estranha, porque quando o animal emburra desse jeito é porquê vê coisas que a gente não consegue. A égua nunca agiu desse jeito, por mais difícil que fosse a ocasião! Nunca teve medo de escuridão, tempestades, trovões, relâmpagos... Nada! Mas naquela noite... Achei estranho o comportamento da égua. Como os animais conseguem ver coisas estranhas à nossa percepção me acautelei e gritei com toda a força de meu pulmão:
- Quem está ai? Apareça, senão eu atiro! Engatilhei a espingarda e esperei que alguém respondesse. Ai, amigos escutei um gemido... Olha companheiros, nunca tive medo de nada na vida, mas naquele momento senti um frio medonho na espinha. Meus cabelos se arrepiaram como se estivessem sendo levados pelo vento... E o pior é que não ventava no momento. Se eu estivesse usando o chapéu de couro que seu Quincas me deu de presente ele teria sido arrebatado da cabeça... Foi aí que vi na minha frente, entre um relâmpago e outro, a figura de Sá Lorena vestida de branco. Me chamou pelo nome:
- Calma Zé, vem cá! Vamos prosear um pouco... Me dá notícias de Geraldina, Tonho, seu Quincas, padre Fausto...Me conta quem matou o desgraçado Lampião... E dona Elvira... continua fazendo suas safadices com o padre?
Perplexo e amedrontando não vi quando ela desapareceu na escuridão.
- Minhas pernas tremiam, companheiros! Fiquei com medo, confesso!
Apavorado, deixei a égua trombuda no local e corri o mais depressa que pude pela estrada, até alcançar a casa de compadre Salu. Ele não acreditou em nada do que lhe disse. Caçoou de mim... Me chamou de maricas... Deu risadas na minha cara dizendo que eu não era mais aquele cabra macho que ele conhecia! Isso me irritou muito, e um tanto envergonhado pedí-lhe que fosse comigo ao local. Depois de tanta insistência ele concordou.
Permanecemos no local alguns minutos, porém não vimos nada, só o os clarões dos relâmpagos, que mesmo assim nos assustaram. Isso me deixou ainda mais encabulado.
Peguei a égua que ainda estava no mesmo lugar em que deixei e voltei pra fazenda, sem a bezerra. Salu me acompanhou. No caminho nada dizia. Só me olhava desconfiado, balançando a cabeça de um lado ao outro como se quizesse dizer que eu estava mentindo. Sentia isso pela sua atitude. Talvez pelo respeito que sempre tivemos um pelo outro, ele se resguardasse da insinuação. Mas eu notava sua expressão. Conhecia-a de muitos anos!
Seu Quincas também não acreditou, quando lhe contei.
Zombou de mim, dizendo:
- Essas besteiras são coisas de piegas, boiolas, covardes... E acho que você não é nada disso, Zé. Mas, que podem acontecer, podem!
Eu nunca ví, porém não duvido que aconteçam!!
Isso me esquentou os miolos, e só não mandei seu Quincas para os infernos pelo respeito e consideração que tenho por ele. Para mim ele é o pai que nunca tive. E pra mostrar que não estava mentindo, voltei ao local várias vezes durante as noites seguintes, porém, Sá Lorena nunca mais me apareceu. Por causa disso fiquei tachado na região como contador de lorotas. Mas, é verdade, amigos! Juro por tudo quanto é sagrado que vi a mulher!
Maninha, que servia outros fregueses do outro lado do balcão ouvia tudo calada. Dava de ombros quando alguém lhe pedia opinião.
- Não sei de nada...Nunca vi nada, mas não desacredito o Zé. Ele sempre teve meu respeito e minha consideração. Ele é uma pessoa séria e não precisa inventar nada! Acho que cada um tem sua própria espiritualidade e fé.
Maninha queria justificar a religiosidade do filho que participava ativamente dos trabalhos esotéricos da casa de Santa Helena. Zequinha tinha mediunidade que desenvolvia com consentimento da mãe. Por isso, ela era objetiva em seus comentários.
Poucas pessoas acreditavam nos comentários de Zé. Duvidavam do que dizia, enquanto os mais crédulos aceitavam passivamente, confiantes na aparição de Cristo aos seus apóstolos. A notícia da aparição de Sá Lorena já corria pelos quatro cantos da vila, até que uma noite, seu Quincas, homem extremamente religioso, sério e bastante respeitado na região confirmou de vez que o fenômeno da aparição de Sá Lorena era sim, verdadeiro.
Zé não mentia.
O pé de juazeiro nunca deixou de florir, nem mesmo na imensidão da seca como se algo misterioso o regasse todos os dias. Durante o dia suas frondosas e uniformes folhas refrescantes serviam de abrigo aos viajantes do causticante sol do sertão. Porem à noite...Vixe! Era motivo de medo. Poucos se atreviam passar pelo local.
José Miranda Filho, ex-Presidente e fundador do PMDB em São Caetano do Sul, Venerável Mestre da Loja Maçônica G. Mazzini (grau 33), é advogado e contador, colabora com o jornal ABC Reporter e atua como Diretor Financeiro do Conselho Gestor do Hospital Benificente São Caetano. Posta no Blog do Miranda.
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