Sertão, by Cláudio Rodrigues |
O Retrato do Sertao 17
Juvenal não conseguia disfarçar a alegria que trazia estampada no rosto envelhecido por estar vivendo sozinho naquele pedaço de chão seco, longe das fofocas e da gozação dos amigos. De tanto sua mulher falar mal da vida alheia, de Tonho e de outras pessoas ele é que ficou carimbado de cornudo. Muita gente conhecia o passado indecoroso de sua mulher, suas relações íntimas com pessoas importantes, mas tinha receio de comentar por envolver figuras influentes da sociedade.
Depois da morte de Sá Lorena, ele vivia amaldiçoando todos àqueles que tiveram desavenças com ela. Ninguém conseguia entender entretanto, o ódio que ele sentia de Geraldina e Tonho. Persuadiram-no, mediante ameaças, e até com dinheiro para afirmar que eles tinham sido os causadores da morte de Sá Lorena.
Juvenal afirmou no depoimento que prestou na delegacia que tinha ouvido nitidamente Tonho dizer no momento em que disparou a arma.
- Isto é para você nunca mais falar da vida alheia, maldita!
A investigação do assassinato seguia em ritmo lento. O Delegado, não obstante os depoimentos de Maninha, Agamenon, Marilda, seu Quincas, e mais algumas testemunhas pouco contribuíram para a elucidação do crime. Sentia-se inoperante para esclarecê-lo.
Primeiro, não tinha provas suficientes que o induzisse apontar alguém como suspeito. Segundo, não dispunha de funcionários experientes e preparados para ajudá-lo na elucidação do caso. Suspeitava, segundo sua experiência policial obtida na Academia de Polícia de Alagoas de uma pessoa, mas não divulgava o nome para não atrapalhar as investigações. Seu Quincas e Tonho, conforme manchete na primeira página do jornal semanal “ Notícias da Terra”, edição de 22 de outubro de 1938, faziam parte da lista de suspeitos. Notícias que corriam à boca-pequena, também indicavam padre Fausto e o próprio Juvenal, como autores. Mas o Delegado sempre desmentia esses boatos.
Tanto Juvenal, quanto seu Quincas já haviam prestados depoimentos, mas continuavam atormentando a cabeça do delegado! Juvenal, por ter presenciado o crime, e seu Quincas por oferecer ajuda, antecipando-se às investigações. O Delegado desconfiava dessas benesses de momento. Queria ouvir mais algumas pessoas que estiveram com Sá Lorena em Laranjeiras no dia da morte de Lampião.
Quando saíram da cidade enxotados por padre Fausto, Juvenal disse para Sá Lorena que Tonho havia prometido vingar-se dela, por causa das fofocas que ela andou espalhando pela cidade afirmando que Tonho era corno. Por todos os lugares por onde passava as pessoas o olhavam desconfiadas e faziam o sinal de chifrudo. Tonho não suportava essas insânias.
Ao passarem pela encruzilhada que leva a Poços dos Anjos, Juvenal disse que estavam sendo seguidos. Não podia ver claramente quem era por causa da escuridão, mas tudo indicava ser Tonho, pelo rechiar da carruagem, do chapéu e a capa preta que usava. Tinha quase certeza disso.
- Mas Tonho não tem carroça Juvenal, e nunca usou capa preta? Como pode ser êle? Indagou Sá Lorena, temerosa!
Sá Lorena, que já havia sofrido ameaças de morte dele, de seu Quincas e de Lampião, ficou preocupada e com medo. Pediu para Juvenal lhe acompanhar enquanto fazia “xixi”. Ao aproximar-se do pé de juazeiro pode observar uma carroça puxada por um cavalo baio, e um homem vestido de preto.
Juvenal, tem alguém apontando uma arma para mim! Gritou apavorada!
Neste instante, ouviram-se três tiros de fuzil disparados à queima-roupa, enquanto Juvenal se acoitava do outro lado da estrada entre arbustos ressequidos de aroreira.
O estampido da arma ecoou no silêncio da noite escura. Sá Lorena caiu sobre uma poça de mijo, sangrando e se contorcendo de dores. Pediu para Juvenal ajudá-la levantar-se e levá-la de volta a Laranjeiras para a clinica do doutor Brandão. Juvenal ignorou o apelo da mulher e seguiu diretamente para o sitio.
Ao descerem da carroça Sá Lorena já estava morta.
Algumas horas depois, padre Fausto já estava à beira da porteira do sítio nervoso, procurando por Juvenal. A pequena casa de taipa coberta com folhas de pindoba não comportava tantos curiosos que queriam saber detalhes da morte e rezar pela sua alma. Quase todos os vizinhos estavam presentes para prestar solidariedade a Juvenal que fingia chorar, sentado num banco de madeira ao lado da rede com o corpo da mulher.
- O que aconteceu Juvenal? Gritou padre Fausto, mostrando-se desolado e querendo que todos o ouvissem.
- Mataram Sá Lorena, padre!
- Não se desespere homem! A polícia já está à procura do assassino.
- Vim lhe trazer minhas condolências e oferecer-lhe dois contos de reis como havia lhe prometido dias atrás para ajudá-lo cobrir os prejuízos que teve quando o bando de Lampião mandou queimar sua plantação, porém vejo que sua necessidade é ainda maior. Acabei de saber desse infortúnio quando me dirigia para cá. Com esse dinheiro você compra algumas coisas de que precisa, e se faltar eu complemento, conforme combinamos.
Padre Fausto permaneceu no local por cerca de dez minutos, tempo suficiente para benzer o corpo da falecida e consagrar sua alma através de orações repetidas pelos fiéis presentes. Pediu que todos perdoassem a falecida pelos boatos que ela espalhara pela cidade sobre certas pessoas, notadamente sobre seu Quincas, Tonho e Lampião que lhe juraram de morte.
- Até de mim mesmo ela lançou suas injúrias aos fiéis da Igreja! Dizia padre Fausto às pessoas presentes, preocupado!
Maninha, Geraldina e Tonho, não compareceram ao velório. Dona Elvira, apesar dos “arranca-rabos” que tivera com ela no passado veio para dar apoio moral a Juvenal, que outrora era um dos maiores frequentadores do Sarau. Todas as mulheres que ali estavam olhavam-na de rabo virado. Mas ela, mulher linda, vivida e acostumada às vicissitudes da vida ignorava, e fingia não notar que falavam dela. Não ligava! E a todos que cumprimentava soltava um sorriso alegre e descontraído que sempre trazia no rosto jovem, sem rugas, apesar dos cinquentas anos completados.
Constrangido e desconfiado da recepção, padre Fausto retornou à Igreja, em Laranjeiras, onde passou a tarde inteira enclausurado na casa paroquial, cismado de que alguma coisa estava por acontecer.
O Delegado já tinha ido ao local do crime à procura de provas que pudessem fornecer-lhe alguma pista. Ouviu na fase inicial como era de costume, todos àqueles que tiveram desentendimentos com Sá Lorena. Juvenal por ser testemunha ocular do assassinato, sería inquirido por último, mas o Delegado antecipou-se e quis ouví-lo antes de qualquer testemunha. Caso o andamento das investigações não o levasse a descobrir o autor do crime, indiciaria Juvenal como o verdadeiro assassino.
Àqueles tempos era difícil indiciar alguém por assassinato ou outro crime qualquer, principalmente se o autor fosse figura de destaque na sociedade, rico e poderoso. O Delegado já antevia essas preocupações que o caso lhe poderia trazer.
Dúvida de quem matou Sá Lorena, Juvenal nunca a teve.
José Miranda Filho, ex-Presidente e fundador do PMDB em São Caetano do Sul, Venerável Mestre da Loja Maçônica G. Mazzini (grau 33), é advogado e contador, colabora com o jornal ABC Reporter e atua como Diretor Financeiro do Conselho Gestor do Hospital Benificente São Caetano. Posta no Blog do Miranda.
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