Maasai Herdsman, by Gary Palmer |
Depois
1.
Fotografias.
Estou à frente do Vesúvio,
bem no alto,
mas chegamos no final da tarde
e não nos deixaram subir até a cratera.
E aqui ele em outras imagens:
visto de uma rua de Nápoles,
e do meio da baía, quando navegamos para Capri,
e a guia observa que se trata do vulcão mais perigoso da Europa
e uma turista argentina fica tensa
comentando que não se deveria dizer aquilo quando estamos tão perto,
balançando indefesos nas águas.
Como se não estivéssemos sempre indefesos,
como se o mundo não houvesse sido destruído várias vezes
por seus próprios estertores,
sem necessitar de ajuda de meteoros ou cometas
postos em nosso caminho pela Estrela da Morte,
porque moramos num planeta vivo
e por isso mesmo nele a vida
acontece
e morre.
Bela baía de Nápoles.
Para o bem da turista,
a guia não disse que sob aquelas águas azuis,
às vezes de um verde límpido,
há também grandes forças ígneas concentradas
buscando passagem.
Mas nada aconteceu enquanto navegávamos,
a não ser uma certa inquietação das águas
ao vento e à chuva.
2.
Ali estava o Vesúvio
com nuvens cândidas bem no alto,
sobre sua boca emudecida
há quase dois mil anos
e que alguns estudiosos dizem que pode voltar a falar
a qualquer momento
porque seu ciclo é de cerca de dois mil anos,
do que, aliás, duvidam as pessoas que continuam
junto a Pompéia e Herculano,
como no tempo de Plínio o Velho,
Plínio o Moço
e do Poeta Trágico com seu cão de guarda.
E o monte continua em silêncio
e as nuvens ali estão como a embalá-lo
suavemente
para que repouse ao menos por mais
vinte séculos.
3.
Anacapri também encoberta,
mas ascendemos às nuvens e vemos o que escondem,
o que é como uma
epifania.
Algumas esperanças,
como ocorre acontecer a algumas esperanças,
falham: como a minha de encontrar
o gnomo que apareceu no quarto de Axel Munthe
e com ele conversou longamente.
Sim, eu sabia
que fora noutro quarto e noutro tempo,
mas isso, na verdade, não importava,
porque tais circunstâncias só são importante em nosso cotidiano menor,
opaco,
um gnomo é um ser superior,
embora haja quem não acredite neles, como nos deuses,
como em Tróia e Shakespeare,
mas eu continuo lendo as histórias dos deuses,
o inexistente Shakespeare
e visitando a lendária Tróia,
desde que a ela fui levado inicialmente por Homero,
depois por Schliemann
e vezes incontáveis pelos próprios sonhos,
que me fazem conviver com os guerreiros na praia
e nas muralhas.
Não, não vi com o gnomo,
mas sei que ele estava no quarto do doutor,
como outros de sua espécie estão em outras partes,
e, se creio neles,
eles existem.
E não morrem nunca,
como os deuses,
como Tróia
e Shakespeare.
4.
Caminhar, caminhar.
Subir e descer por velhos degraus muito espaçados
e grandes pedras
que certamente foram movidas por vontade divina
de sua longínqua origem àquelas alturas.
Ver no alto
a Acrópolis
e dela
a Ágora de cinco mil anos de História
e cintilações de arte
e pensamento.
Em Delfos
sonhar visitantes milenares vindo buscar a ajuda
de Atena e Apolo
e outros,
caminhando entre ninfas, musas, centauros,
querendo ver desde o futuro amoroso
ao destino das guerras.
5.
Continuar.
Navegar pelo Meditarrâneo até Veneza,
Onde carregamos e puxamos malas
subindo e descendo escadas e pontes
e nos perdendo em ruas labirínticas
e bebendo vinho e cerveja
e ouvindo música brasileira na Praça São Marcos
antes que tudo afunde de uma vez nas águas.
(A humanidade de depois não acreditará
na cidade das gôndolas,
como não acreditamos nos deuses,
em Tróia,
nos gnomos,
em Shakespeare
e na Atlântida.)
6.
Trens em greve.
Dormir em Milão.
Voar na manhã seguinte sobre
os Alpes Suíços.
7.
Paris.
A Torre Eiffel pondo à prova
os corações terrestres. E aqui estamos,
bem acima dos corvos,
olhando a grande cidade,
séculos de cultura e lutas,
nossa mãe de tantas maneiras.
Faz um frio de doer, mas pedimos
vinho quente.
Sobreviveremos.
8.
Rive Gauche.
Não vejo Sartre e Simone,
nem Fitzgerald, nem Hemingway.
No Les deux Magots não há lugares,
mas bebemos e comemos
no Café de Flore,
comentando o atraso costumeiro, há já muitos anos,
de Henry Miller e Camus.
E em minha saudade passa, murmurando
il faut être toujours ivre,
Baudelaire.
9.
Trago comigo os lugares onde estive.
Não sou como os antigos que falavam
em sacudir das sandálias o pó dos caminhos.
Não, guardo tudo,
sempre guardo tudo,
e especialmente guardarei das últimas caminhadas
o seu espesso pó de iluminar a alma.
10.
Das viagens não regresso
jamais.
Salvador, dezembro de 2010.
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