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Encontro de Amigos - Parte 21
Toninho depois de ter servido o exército através do Tiro de Guerra 277, em Senhor do Bonfim, foi trabalhar nas minas de Campo Formoso, antes de viajar para São Paulo. Trabalhou nas minas pouco tempo, apenas para adquirir um pouco de conhecimento de contabilidade. Fernandes prometera esperá-lo em São Paulo.
Quando Toninho desembarcou em São Paulo, em março de 1957, Fernandes não o esperava no aeroporto como prometera. Isso o deixou magoado e preocupado. Não sabia a quem procurar. Valeu-se de uma carta que trazia na mala. Toninho foi trabalhar numa loja na Rua Xavier de Toledo, permanecendo lá por dois anos, indo depois para uma indústria automobilística. Daí seguiu uma trajetória de sucesso, até os dias atuais de sua aposentadoria.
Morando um em São Paulo e o outro em São Caetano só se encontravam nos finais de semana para conversar, trocar ideias, tomar um aperitivo, ir ao cinema e matar as saudades da terra natal.
Dez anos depois Toninho casou-se. Fui ao seu casamento. O Juiz de Paz que realizou o enlace morreu atropelado por um motorista bêbado e imprudente. Era um velhinho bondoso e bem querido na comunidade. A festa de casamento estava bastante animada. Lá estavam todos os amigos do noivo, a baianada toda e grande número de colegas da firma. Até João Pinto, um amigo arredio, mas que todos nós o admirava, fez-se presente.
João Pinto era um amigo extraordinário. Gostava de contar piadas, fazer versos e de vez em quando, escrever alguns conceitos da vida que vivia. Eram contos tristes ou alegres, dependendo da quantidade etílica que ele havia ingerido. A vida, como costumava dizer nas coisas que escrevia me deu esse dom. Dizia que tudo o que ele colocava no papel vinha de dentro da alma. Era seu coração que chorava a dor do sentimento, da amargura ou a dor de corno. Dor de corno no sertão baiano é paixão recolhida de um amor perdido, trocado por outro alguém.
Morava na pensão de Dona Marta, na Rua Ceará. Na festa tomou todas, contou piada, declamou poesias e fez o discurso de saudação aos noivos. Era realmente um poeta popular. Autodidata por excelência. Jamais cursou uma faculdade, apenas havia concluído o curso secundário. Era de sua autoria o seguinte conto, publicado no jornal da comunidade local.
“O silêncio nos traz a sensação do encontro com a dor, com a alma, com Deus, com a tristeza, com a alegria e com o sentimento. O silêncio nos leva ao tudo ou ao nada. É a sensação de nos encontrar em algum lugar. A música, dependendo do momento e do local aonde é ouvida, nos leva a lugares imagináveis, distantes que só a nossa consciência e o nosso pensamento poderão distingui-los e estabelecê-los. Imagino-me numa ilha distante, cercada de coqueiros, águas limpas e cristalinas. Ao redor só a natureza deserta e solitária. Dá-nos uma sensação de sentimento jogado fora, sem mágoa e sem rancor, que apenas foi, esvaiu-se. Numa estrada longa e florida, caminhávamos, você e eu, de mãos dadas, num silêncio profundo de uma manhã fria e úmida. O orvalho da manhã ainda banhava as árvores e as gramíneas da estrada. Só nós dois. O frio penetrava em nosso corpo. No entanto, por estarmos juntos, não o sentíamos. A sensação de estar ao teu lado, me faz sentir que estou ao lado de Deus, pois só ele nos dá essa alegria e nos faz lembrar o passado, a infância, a juventude, as noites estreladas e o céu iluminado pelo luar incandescente. Sou um apaixonado e amante da natureza. Deixem-me curtir isso. Não me queiram tolher a liberdade dos meus sentimentos, pois eles são somente meus. O Amor se conquista com o sentimento, enquanto o prazer se adquire com o pagamento. Por isso o amor é eterno e o prazer apenas passageiro. Se compreendêssemos a beleza e a força do sentimento, saberíamos por que o nosso coração sofre mais que a razão. Nós o chamávamos pela alcunha de João da Onça. Ele não gostava. Esse apelido foi-lhe outorgado, quando certa vez ele esteve em Salvador e namorou uma moça que anos mais tarde veio a se tornar sua esposa. Ela tinha uma cicatriz no rosto, e isso era o bastante para que ele a achasse feia e sem graça, como dizia para os amigos. Depois, sem que nenhum de nós dissesse algo ou tivesse culpa alguma, ele a repudiava e falava mal dela. As brincadeiras que lhe fazíamos, eram inconsequentes, às vezes humilhantes, mas, ele mesmo as provocava. E ele, para livrar-se das ridículas insinuações, dizia que ela era uma onça, que não queria nada com ela. Tempos depois, quando deixou São Paulo de vez, soubemos que se casaram, tiveram filhos e viveram felizes, longe da gozação dos amigos.
Assim foi João Pinto, o poeta popular, o cancioneiro da alegria, o amigo de todos os momentos. A felicidade estava ao seu lado, ao alcance de suas mãos, porém, as insinuações das pessoas que se diziam amigas retardaram essa alegria, mas ele, insistente e apaixonado, deixou de lado as ironias dos amigos e foi em busca do amor, à procura do sonho, da sua paixão. Afastou-se de tudo e de todos e foi viver ao lado de quem sempre amou e por quem sempre foi amado. Isso era tudo o que lhe interessava. Nada mais o preocupava e nem ele queria saber. Dane-se! Dizia a todos aqueles que o instigavam.
Toninho depois de ter servido o exército através do Tiro de Guerra 277, em Senhor do Bonfim, foi trabalhar nas minas de Campo Formoso, antes de viajar para São Paulo. Trabalhou nas minas pouco tempo, apenas para adquirir um pouco de conhecimento de contabilidade. Fernandes prometera esperá-lo em São Paulo.
Quando Toninho desembarcou em São Paulo, em março de 1957, Fernandes não o esperava no aeroporto como prometera. Isso o deixou magoado e preocupado. Não sabia a quem procurar. Valeu-se de uma carta que trazia na mala. Toninho foi trabalhar numa loja na Rua Xavier de Toledo, permanecendo lá por dois anos, indo depois para uma indústria automobilística. Daí seguiu uma trajetória de sucesso, até os dias atuais de sua aposentadoria.
Morando um em São Paulo e o outro em São Caetano só se encontravam nos finais de semana para conversar, trocar ideias, tomar um aperitivo, ir ao cinema e matar as saudades da terra natal.
Dez anos depois Toninho casou-se. Fui ao seu casamento. O Juiz de Paz que realizou o enlace morreu atropelado por um motorista bêbado e imprudente. Era um velhinho bondoso e bem querido na comunidade. A festa de casamento estava bastante animada. Lá estavam todos os amigos do noivo, a baianada toda e grande número de colegas da firma. Até João Pinto, um amigo arredio, mas que todos nós o admirava, fez-se presente.
João Pinto era um amigo extraordinário. Gostava de contar piadas, fazer versos e de vez em quando, escrever alguns conceitos da vida que vivia. Eram contos tristes ou alegres, dependendo da quantidade etílica que ele havia ingerido. A vida, como costumava dizer nas coisas que escrevia me deu esse dom. Dizia que tudo o que ele colocava no papel vinha de dentro da alma. Era seu coração que chorava a dor do sentimento, da amargura ou a dor de corno. Dor de corno no sertão baiano é paixão recolhida de um amor perdido, trocado por outro alguém.
Morava na pensão de Dona Marta, na Rua Ceará. Na festa tomou todas, contou piada, declamou poesias e fez o discurso de saudação aos noivos. Era realmente um poeta popular. Autodidata por excelência. Jamais cursou uma faculdade, apenas havia concluído o curso secundário. Era de sua autoria o seguinte conto, publicado no jornal da comunidade local.
“O silêncio nos traz a sensação do encontro com a dor, com a alma, com Deus, com a tristeza, com a alegria e com o sentimento. O silêncio nos leva ao tudo ou ao nada. É a sensação de nos encontrar em algum lugar. A música, dependendo do momento e do local aonde é ouvida, nos leva a lugares imagináveis, distantes que só a nossa consciência e o nosso pensamento poderão distingui-los e estabelecê-los. Imagino-me numa ilha distante, cercada de coqueiros, águas limpas e cristalinas. Ao redor só a natureza deserta e solitária. Dá-nos uma sensação de sentimento jogado fora, sem mágoa e sem rancor, que apenas foi, esvaiu-se. Numa estrada longa e florida, caminhávamos, você e eu, de mãos dadas, num silêncio profundo de uma manhã fria e úmida. O orvalho da manhã ainda banhava as árvores e as gramíneas da estrada. Só nós dois. O frio penetrava em nosso corpo. No entanto, por estarmos juntos, não o sentíamos. A sensação de estar ao teu lado, me faz sentir que estou ao lado de Deus, pois só ele nos dá essa alegria e nos faz lembrar o passado, a infância, a juventude, as noites estreladas e o céu iluminado pelo luar incandescente. Sou um apaixonado e amante da natureza. Deixem-me curtir isso. Não me queiram tolher a liberdade dos meus sentimentos, pois eles são somente meus. O Amor se conquista com o sentimento, enquanto o prazer se adquire com o pagamento. Por isso o amor é eterno e o prazer apenas passageiro. Se compreendêssemos a beleza e a força do sentimento, saberíamos por que o nosso coração sofre mais que a razão. Nós o chamávamos pela alcunha de João da Onça. Ele não gostava. Esse apelido foi-lhe outorgado, quando certa vez ele esteve em Salvador e namorou uma moça que anos mais tarde veio a se tornar sua esposa. Ela tinha uma cicatriz no rosto, e isso era o bastante para que ele a achasse feia e sem graça, como dizia para os amigos. Depois, sem que nenhum de nós dissesse algo ou tivesse culpa alguma, ele a repudiava e falava mal dela. As brincadeiras que lhe fazíamos, eram inconsequentes, às vezes humilhantes, mas, ele mesmo as provocava. E ele, para livrar-se das ridículas insinuações, dizia que ela era uma onça, que não queria nada com ela. Tempos depois, quando deixou São Paulo de vez, soubemos que se casaram, tiveram filhos e viveram felizes, longe da gozação dos amigos.
Assim foi João Pinto, o poeta popular, o cancioneiro da alegria, o amigo de todos os momentos. A felicidade estava ao seu lado, ao alcance de suas mãos, porém, as insinuações das pessoas que se diziam amigas retardaram essa alegria, mas ele, insistente e apaixonado, deixou de lado as ironias dos amigos e foi em busca do amor, à procura do sonho, da sua paixão. Afastou-se de tudo e de todos e foi viver ao lado de quem sempre amou e por quem sempre foi amado. Isso era tudo o que lhe interessava. Nada mais o preocupava e nem ele queria saber. Dane-se! Dizia a todos aqueles que o instigavam.
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