Low lodging house, St Giles's |
"A cidade está só. Fria e deserta.
O silêncio povoa a mocidade.
O frio que sai das fábricas
dói no peito
como facada."
~ Aristides Klafke
O silêncio povoa a mocidade.
O frio que sai das fábricas
dói no peito
como facada."
~ Aristides Klafke
Pois digo: aqui dá saudade. Tudo no vigiar deste alojamento medonho de grande que parece um hospital vazio. Nessas horas da manhã todo mundo já descambou no rumo do Paraíso, Ipiranga, Mooca, Praça da Sé, aí por São Paulo afora, num serviço, lembro do trabalho de antes, que já me levou, me cansou metade das forças. E dá saudade, quando vejo os quartos de seis, doze homens, camas de cada lado ou mais vejo esse casarão de madeira, camas pra tudo que é canto, vazias. E olho a porta, alguém que limpa a sujeira da noite anterior, um ente perdido empurrando com a vassoura o sujo do tablado. Tudo lá fora: montes de terra, areia, depósitos de tábuas, tijolos que ficam muito tempo parados esperando a vez de irem para as construções, ferramentas, de lado no terreno baldio.
Vigio tudo. Trabalho de noite. Num sendo de chuva, noite de aguaceiro, não é ruim. A gente acostuma. Só é danado quando uma gripe pega e se tosse a noite inteira. Aí, a tosse vai varando o escuro do alojamento e a rua brilhando de luzes vazia cá fora. Quebrando o silêncio, ali, na madrugada algum carro de polícia passa devagar quase parando na frente do cemitério da Vila Mariana, bem na frente, perto, tem noites que me animam as vistas já dobradas de sono: carros parados, gente entrando no velório ao lado do cemitério, entrando saindo com os olhos chorosos.
Vigio essas ruas, essas casas em frente de gente de posse, que até frentes ajardinadas têm, pois estes olhos que tomam conta deste alojamento no virar da noite pro dia, ganham pra isso, só não dá pra vigiar a vida que passa correndo dia após dia.
O caminhão, todo dia, leva-e-traz. De manhã, no despontar dela, escuro ainda, os homens vão levantando de um a um, rostos sonados, nessas horas eles não fazem a zoada que na tarde, volta deles, eles procuram como se espantasse o medo daqui, como se afugentasse as histórias que cada um trouxe de Minas, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba, de Minas mais, como Silvestre que em tudo trabalha, já matou três na terra dele, isso da boca dele sai, mas a gente vê que é muita lambança, assim, acredita descrendo.
E de manhãzinha o frege é pouco, se mal comparando com a tarde, na base de umas quatro horas. Nas quatro da tarde em ponto, algum caminhão desponta na rua, os homens calados em cima, chega aqui, abro o portão, o caminhão entra macio, os homens vão descendo, guardando as ferramentas, outros pulando correndo na direção dos seus quartos, isso aqui vira feira, ali se escuta conversa de um, radiola ligada de outro, música de rádio pra tudo que é canto, aí, alegra mais. Negreja de gente. Assim, gosto.
No outro dia, no cair das horas vai ficando o silêncio de novo. Quando dá assim pelas oito da manhã neste alojamento nem mosca zune nas paredes dos quartos. E lá longe nos bairros, sei, os homens cavando buracos, vazando água de bueiros, cortando travessias. Homens trabalhando de perderem o chocalho, modo de dizer, homens lavando a camisa de suor, o suor descendo pelas costas chegando nas calças, molhando a roupa no calor das ruas de carros apressados e de buzinas reclamando das ruas apertadas e poeirentas.
No último caminhão que sai, já dia tamanho, o alojamento desaquece do calor dos homens, cem se for contar, então procuro meu canto e tiro o sono do corpo com o sol alumiando lá fora na rua. Nessas horas nem a zoada de alguma escavadeira me regra o sono, o sono pesado suado do calor das tardes, sono parecendo tresvario, parecendo coisa de morto. Época de frio, julho de inverno desregrado, é bom. Sono caipora de tardes frias, o vento entrando nas frestas do barracão, pois a divisão, aqui, é feita de madeira fina que separa os quartos, e já vi homem se encostar em corpo de outro, em meados de junho, unir as camas, sem mau sentido, querendo pegar a quentura da gente, no frio muito.
De noite, eu vigiando, o frio entrando no corpo, doendo por dentro da farda e no alojamento o roncar de cem bocas só esperando o chamado das quatro horas. Os caminhões encostados roncando, se aquecendo, o motorista lá dentro, de vidros fechados só esperando os homens subirem na carroceria pra começar a viagem, uns pra mais perto, outros pra mais longe, pra todos o mesmo serviço. A cidade se despertando e já encontrando os homens seguros em cavadores, enxadas, pás, quebrando o asfalto, arrancando a terra das ruas, limpando bueiros.
No começo do alojamento, dois anos se foram, quando se podia ainda contar os homens que viviam aqui, quando não havia esse barulho que espanta a tristeza de agora, de manhã, toda manhã, tinha Doralina. Nem ela passa, agora, em frente ao alojamento. Dá voltas em outras ruas como fugindo daqui. Aqui era bom no começo, pois Doralina empregada num prédio da rua passava safada carregando pão e leite em frente me tentando, eu engomado vestido de farda de brim azul da firma, nem ligo, mas ligando naquela precisão de mulher.
Hostel
Well I'll come out with it: I'm worksick here. All from keeping an eye on this ghastly hostel that's so big it seems like an empty hospital. At these morning hours when everyone's already sloped off in the direction of Paraíso, Ipiranga, Mooca, Praça da Sé or else right out of São Paulo to their work places, I can recall my previous job which has ground me down and worn out half my energy. And worksick I am when I see the dormitories for six or twelve men, beds down each side, or all the more so when I see that rambling wooden pile with it's beds empty at every corner. And so I gaze at the door, at somebody clearing up last night's mess, a lost body pushing the floorboard's fifth along with a broom. Everything outside: mounds of earth, sand, stacks of planks, bricks which have lain idle so long as they wait their tum to go into buildings, and tools alongside on the waste plot.
Everywhere keeping an eye, I work at night. In a downpour, a showery night, it's not too bad. You get used to it. It's only a bit of a pain when there's the flu about and they're coughing the night long. And then the coughing keeps trashing the gloom of the hostel and the gleaming lamplit street outside. As it breaks the silence, out there amid the small hours a police vehicle drives slowly past almost stopping in front of Vila Mariana cemetery, right in front of it, you have nights when there are sleep-winced faces to excite me: parked cars, folk joining vigil beside the cemetery, going in and out with tear-filled eyes.
I keep an eye on those streets and too those houses of better-off folk, they've even got gardens in front, for these eyes I have that mind the hostel with the turn from night into day reach that far just that it doesn't do to keep an eye on life that runs past day after day.
Every day, the lorry bring them back and forth. In the morning, just as it breaks, still dark though, the men get up one by one, sleepy faces, they don't have the hum of the evening on their return they seek seemingly to scare fear away from here and to banish the tales that each has brought from Minas, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba, again Minas, like Silvestre who's done every job and has to date killed three back home, that's his story, but you can see it's a load of bluster so it's accepted in disbelief.
And in the early hours there's little to do, compared out least with the evening, around four o'clock. On the stroke of four, some lorry appears in the street, with silent men in the back, it draws up, I open the gate, the lorry creeps gently in, the men get down holding their tools, others leap off running for their rooms, this place becomes a fairground, you can hear someone's chat, someone else's cassette player on, radio music from every angle, it livens up in there. It darkens with folk. That's how I like it.
The next day as the hours slip on, silence is back again. When it gets like that at eight in the morning not a fly buzzes against the walls of the hostel rooms. And way out in the outskirts, I know the men are digging holes, pumping water from gulleys, cutting out side streets. Men working till they lose their yap, as they say, men bathing their shirts in sweat, sweat streaming down their backs to meet their trousers, soaking their clothes in the heat of the streets of hurrying cars and horns whining at the crammed and dusty streets.
With the last lorry to leave, in the now broad daylight, the hostel cools from the warmth of the men, a hundred of them were you to count them, and then I find my corner and snatch sleep from my body as the sun lights up outside in the street. During such hours not a clatter of a single digger harnpers sleep, that heavy sweaty sleep of the afternoon heat, a sleep seeming delirious, seeming something akin to death. The cold season, Julys of wayward winters, is good. Hapless sleep of cold afternoons, the wind seeping trough the chinks of the shack for the screen just here is made out of the thin wood that partitions off the dormitories and I've even seen men huddling against the bodies of others, in mid-June, putting their beds together quite without evil intent, wanting to catch each other's warmth in that bitter cold.
In the night, as I'm keeping an eye, with the cold running into my body aching within its uniform as in the hostel the snores of a hundred mouths just awaiting the four o'clock call. The lorries leaning to the wall, snoring warming up, the driver inside with windows shut just waiting for the men to mount the bodywork to start the ride, some traveling locally, others farther afield, for them all the same job. The city awakening to find men already in the grip of earth-movers, hoes spades, breaking asphalt, dragging earth out of the streets and clearing gulleys.
When the hostel started, two years back now, when you could still count up the men who lived here, when there wasn't the noise that scares today's sadness, in the morning, there was Dora1ina. Now she never passes the front of the hostel. She does the rounds of other streets as if avoiding here. It was good here at the start because Doralina, a cleaner at a block in the street would come past brazenly bringing bread and milk opposite enticing me, me in the rubberized uniform and the company's blue sailcloth. I'm not bothered, but I am mad about the need for a woman.
Vigio tudo. Trabalho de noite. Num sendo de chuva, noite de aguaceiro, não é ruim. A gente acostuma. Só é danado quando uma gripe pega e se tosse a noite inteira. Aí, a tosse vai varando o escuro do alojamento e a rua brilhando de luzes vazia cá fora. Quebrando o silêncio, ali, na madrugada algum carro de polícia passa devagar quase parando na frente do cemitério da Vila Mariana, bem na frente, perto, tem noites que me animam as vistas já dobradas de sono: carros parados, gente entrando no velório ao lado do cemitério, entrando saindo com os olhos chorosos.
Vigio essas ruas, essas casas em frente de gente de posse, que até frentes ajardinadas têm, pois estes olhos que tomam conta deste alojamento no virar da noite pro dia, ganham pra isso, só não dá pra vigiar a vida que passa correndo dia após dia.
O caminhão, todo dia, leva-e-traz. De manhã, no despontar dela, escuro ainda, os homens vão levantando de um a um, rostos sonados, nessas horas eles não fazem a zoada que na tarde, volta deles, eles procuram como se espantasse o medo daqui, como se afugentasse as histórias que cada um trouxe de Minas, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba, de Minas mais, como Silvestre que em tudo trabalha, já matou três na terra dele, isso da boca dele sai, mas a gente vê que é muita lambança, assim, acredita descrendo.
E de manhãzinha o frege é pouco, se mal comparando com a tarde, na base de umas quatro horas. Nas quatro da tarde em ponto, algum caminhão desponta na rua, os homens calados em cima, chega aqui, abro o portão, o caminhão entra macio, os homens vão descendo, guardando as ferramentas, outros pulando correndo na direção dos seus quartos, isso aqui vira feira, ali se escuta conversa de um, radiola ligada de outro, música de rádio pra tudo que é canto, aí, alegra mais. Negreja de gente. Assim, gosto.
No outro dia, no cair das horas vai ficando o silêncio de novo. Quando dá assim pelas oito da manhã neste alojamento nem mosca zune nas paredes dos quartos. E lá longe nos bairros, sei, os homens cavando buracos, vazando água de bueiros, cortando travessias. Homens trabalhando de perderem o chocalho, modo de dizer, homens lavando a camisa de suor, o suor descendo pelas costas chegando nas calças, molhando a roupa no calor das ruas de carros apressados e de buzinas reclamando das ruas apertadas e poeirentas.
No último caminhão que sai, já dia tamanho, o alojamento desaquece do calor dos homens, cem se for contar, então procuro meu canto e tiro o sono do corpo com o sol alumiando lá fora na rua. Nessas horas nem a zoada de alguma escavadeira me regra o sono, o sono pesado suado do calor das tardes, sono parecendo tresvario, parecendo coisa de morto. Época de frio, julho de inverno desregrado, é bom. Sono caipora de tardes frias, o vento entrando nas frestas do barracão, pois a divisão, aqui, é feita de madeira fina que separa os quartos, e já vi homem se encostar em corpo de outro, em meados de junho, unir as camas, sem mau sentido, querendo pegar a quentura da gente, no frio muito.
De noite, eu vigiando, o frio entrando no corpo, doendo por dentro da farda e no alojamento o roncar de cem bocas só esperando o chamado das quatro horas. Os caminhões encostados roncando, se aquecendo, o motorista lá dentro, de vidros fechados só esperando os homens subirem na carroceria pra começar a viagem, uns pra mais perto, outros pra mais longe, pra todos o mesmo serviço. A cidade se despertando e já encontrando os homens seguros em cavadores, enxadas, pás, quebrando o asfalto, arrancando a terra das ruas, limpando bueiros.
No começo do alojamento, dois anos se foram, quando se podia ainda contar os homens que viviam aqui, quando não havia esse barulho que espanta a tristeza de agora, de manhã, toda manhã, tinha Doralina. Nem ela passa, agora, em frente ao alojamento. Dá voltas em outras ruas como fugindo daqui. Aqui era bom no começo, pois Doralina empregada num prédio da rua passava safada carregando pão e leite em frente me tentando, eu engomado vestido de farda de brim azul da firma, nem ligo, mas ligando naquela precisão de mulher.
Hostel
Well I'll come out with it: I'm worksick here. All from keeping an eye on this ghastly hostel that's so big it seems like an empty hospital. At these morning hours when everyone's already sloped off in the direction of Paraíso, Ipiranga, Mooca, Praça da Sé or else right out of São Paulo to their work places, I can recall my previous job which has ground me down and worn out half my energy. And worksick I am when I see the dormitories for six or twelve men, beds down each side, or all the more so when I see that rambling wooden pile with it's beds empty at every corner. And so I gaze at the door, at somebody clearing up last night's mess, a lost body pushing the floorboard's fifth along with a broom. Everything outside: mounds of earth, sand, stacks of planks, bricks which have lain idle so long as they wait their tum to go into buildings, and tools alongside on the waste plot.
Everywhere keeping an eye, I work at night. In a downpour, a showery night, it's not too bad. You get used to it. It's only a bit of a pain when there's the flu about and they're coughing the night long. And then the coughing keeps trashing the gloom of the hostel and the gleaming lamplit street outside. As it breaks the silence, out there amid the small hours a police vehicle drives slowly past almost stopping in front of Vila Mariana cemetery, right in front of it, you have nights when there are sleep-winced faces to excite me: parked cars, folk joining vigil beside the cemetery, going in and out with tear-filled eyes.
I keep an eye on those streets and too those houses of better-off folk, they've even got gardens in front, for these eyes I have that mind the hostel with the turn from night into day reach that far just that it doesn't do to keep an eye on life that runs past day after day.
Every day, the lorry bring them back and forth. In the morning, just as it breaks, still dark though, the men get up one by one, sleepy faces, they don't have the hum of the evening on their return they seek seemingly to scare fear away from here and to banish the tales that each has brought from Minas, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba, again Minas, like Silvestre who's done every job and has to date killed three back home, that's his story, but you can see it's a load of bluster so it's accepted in disbelief.
And in the early hours there's little to do, compared out least with the evening, around four o'clock. On the stroke of four, some lorry appears in the street, with silent men in the back, it draws up, I open the gate, the lorry creeps gently in, the men get down holding their tools, others leap off running for their rooms, this place becomes a fairground, you can hear someone's chat, someone else's cassette player on, radio music from every angle, it livens up in there. It darkens with folk. That's how I like it.
The next day as the hours slip on, silence is back again. When it gets like that at eight in the morning not a fly buzzes against the walls of the hostel rooms. And way out in the outskirts, I know the men are digging holes, pumping water from gulleys, cutting out side streets. Men working till they lose their yap, as they say, men bathing their shirts in sweat, sweat streaming down their backs to meet their trousers, soaking their clothes in the heat of the streets of hurrying cars and horns whining at the crammed and dusty streets.
With the last lorry to leave, in the now broad daylight, the hostel cools from the warmth of the men, a hundred of them were you to count them, and then I find my corner and snatch sleep from my body as the sun lights up outside in the street. During such hours not a clatter of a single digger harnpers sleep, that heavy sweaty sleep of the afternoon heat, a sleep seeming delirious, seeming something akin to death. The cold season, Julys of wayward winters, is good. Hapless sleep of cold afternoons, the wind seeping trough the chinks of the shack for the screen just here is made out of the thin wood that partitions off the dormitories and I've even seen men huddling against the bodies of others, in mid-June, putting their beds together quite without evil intent, wanting to catch each other's warmth in that bitter cold.
In the night, as I'm keeping an eye, with the cold running into my body aching within its uniform as in the hostel the snores of a hundred mouths just awaiting the four o'clock call. The lorries leaning to the wall, snoring warming up, the driver inside with windows shut just waiting for the men to mount the bodywork to start the ride, some traveling locally, others farther afield, for them all the same job. The city awakening to find men already in the grip of earth-movers, hoes spades, breaking asphalt, dragging earth out of the streets and clearing gulleys.
When the hostel started, two years back now, when you could still count up the men who lived here, when there wasn't the noise that scares today's sadness, in the morning, there was Dora1ina. Now she never passes the front of the hostel. She does the rounds of other streets as if avoiding here. It was good here at the start because Doralina, a cleaner at a block in the street would come past brazenly bringing bread and milk opposite enticing me, me in the rubberized uniform and the company's blue sailcloth. I'm not bothered, but I am mad about the need for a woman.
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