FD Unleashed - The Reaper VI ~ Mathieu Degrotte |
António Pereira Nobre (Porto, 16 de Agosto de 1867 ~ Foz do Douro, 18 de Março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português. A sua principal obra, Só (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia. Sua produção poética insere-se nos cânones do simbolismo francês. Faleceu aos 32 anos de idade, após uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar.
Quando Chegar a Hora Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
Olhe: eu mesmo lh'a meço...
O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas...
O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
Que m'a venha elle abrir.
E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
A minha alma é dia!
Será meu confessor o vento, e a luz do raio
A minha Extrema-Uncção!
E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!)
De padres farão.
Mas as aguias, um dia, em bando como astros,
Virão devagarinho,
E hão-de exhumar-me o corpo e leval-o-ão de rastros,
Em tiras, para o ninho!
E ha-de ser um deboche, um pagode, o demonio,
N'aquelle dia, ai!
Aguias! sugae o sangue a vosso filho Antonio,
Sugae! sugae! sugae!
Raro têm de comer. A pobreza consome
As aguias, coitadinhas!
Ao menos, n'esse dia, eu matarei a fome
A essas desgraçadinhas...
De que serve, Sr. Abbade! o nosso pacto:
Não me lembrei, não vi
Que tinha feito com as aguias um contrato,
No dia em que nasci.
António Nobre, in 'Só (Paris, 1892)
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