Ilustração de José Geraldo de Barros Martins
Comemorações Submersas
Nosso protagonista estava muito tempo sem conversar com seus colegas de faculdade, um grupo que tinha pretensões artísticas nos anos 80 e que depois se desfez, pois seus membros se enveredaram pelos mais diversos ramos profissionais... mas resolveu fazer um encontro artístico em que em meio a cervejas e acepipes, elas discutissem assuntos referentes a arte. Na noite combinada seus amigos foram chegando... Hildon Marlos Risério, Sancho Ruiz Maldini, Fúlvio Dicaravaggio e Sávio Cacciaccinni... cerveja puro malte, pão, um bom azeite e jamón serrano, conversas e mais conversas... quando perguntado sobre o que achara da Bienal de São Paulo 2010, o nosso protagonista dizia que não tinha nenhuma opinião sobre o episódio dos urubus, nem opinião sobre as obras expostas, a única coisa que importara para ele, era que mais uma vez não tinha sido convidado a mostrar suas pinturas... “mais uma Bienal em que eu não participo”... resmungava secamente, querendo disfarçar uma certa lamúria em sua voz...
Porém antes que qualquer de seus amigos se pronunciasse o nosso protagonista lançou um olhar desafiador para os presentes e emendou:
- Vou participar da próxima Bienal, mas com outro nome... irei inventar um personagem fictício e um motivo bem boçal, algo bem estúpido... aí é só fazer um bom trabalho de marketing que a coisa pega...
- Então já defina o personagem fictício e também o motivo boçal. Disse Sancho Ruiz Maldini.
Após alguns instantes o nosso protagonista respondeu:
- Vou me apresentar como Osmar Mungano.
- E o tema? Qual será o tema? Perguntou desta vez Hildon Marlos Risério.
O nosso protagonista não sabia o que dizer, porém no fim de semana anterior seu time havia ganho na prorrogação um jogo disputadíssimo sobre um time cujos jogadores eram conhecidos por suas peculiares dançinhas nos momentos de comemoração de gols... pensou nas dançinhas... em como aquilo o irritava profundamente... os passinhos... a alegria boçal... os trejeitos rebolativos... “Ah queria ver eles comemorando em baixo d´água... “ pensou novamente, mas então seu olhar foi iluminado por uma luz interna pois ele percebeu que tinha resolvido a questão: iria pintar imagens de jogadores comemorando gol em um ambiente de fundo do mar. Ele então sorriu baixinho e disse:
- Só vou dizer o nome, vai se chamar COMEMORAÇÕES SUBMERSAS, depois vocês verão o resto... quem quer outra cerveja?
Anos depois nosso protagonista, ou melhor Osmar Mungano, estreou na Bienal: era uma série de quadros no estilo pop-art com imagens de comemorações de gols famosos (Pelé, Serginho Chulapa, etc) em ambiente submerso envolto em peixes e plantas marinhas... mas o que impressionou os críticos foi que ao lado das telas havia um mural com a TEORIA DA SEMI-OBRA DE ARTE: Um emaranhado crítico, uma mistura da teoria do não-lugar de Baudrillard com conceitos desconstrutivistas de Derrida, na qual se explicava que em meio a uma realidade estrutural em processo de mudanças contínuas, um ser-e-não-ser da vida cotidiana, a aparição de imagens representando as comemorações de gols submersas criaria o semi-lugar: um lugar ao mesmo tempo SEMIótico e inserido na significação semântica de um mundo em que semi-jóias e carros semi-novos eram vistos como coisas normais...
Um sucesso ... a partir daí o nosso protagonista se esqueceu de si mesmo e passou a acreditar que era Osmar Mungano, e passou a evitar os antigos amigos usando como pretexto o fato de um deles ter dito que aquele pop-art futebolístico era uma imitação dos quadros que Maurício Nogueira Lima havia feito no final dos anos sessenta... passou também a se vestir diferente, comprou um par de óculos com aro grosso e passou a só frequentar bares e restaurantes da moda... porém com o passar do tempo começou a se cansar do personagem... retirou todos os espelhos de sua casa.. mas não adiantou... sempre que saía de casa via sua imagem refletida em algum lugar... não podia mais suportar a visão daquele espectro, não suportava mais ver-se vestido de adolescente intelectualizado.
Um dia o nosso protagonista foi a antiga ótica e encomendou um par de óculos da aro fino, três dias depois, quando os novos óculos ficaram prontos, ele saiu da ótica e após alguns passos jogou os óculos de aro grosso no chão e pisoteou-os esmagando-os completamente... e pensou: - Chega desta visão de mundo babaca, chega, chega de palhaçada!!! ... então colocou os novos óculos e saiu assobiando.... a partir daí Osmar Mungano desapareceu completamente, como um cometa que aparece e some, ele deixou o ambiente artístico de repente... ninguém mais teve notícias dele... O nosso protagonista, por outro lado, voltou a antiga vida, se reconciliou com os amigos e hoje gargalha com esta estória, e toda vez que se encontra com algum de seus antigos amigos diz:
- Fique tranquilo: não vou convidar o Osmar Mungano...
Nosso protagonista estava muito tempo sem conversar com seus colegas de faculdade, um grupo que tinha pretensões artísticas nos anos 80 e que depois se desfez, pois seus membros se enveredaram pelos mais diversos ramos profissionais... mas resolveu fazer um encontro artístico em que em meio a cervejas e acepipes, elas discutissem assuntos referentes a arte. Na noite combinada seus amigos foram chegando... Hildon Marlos Risério, Sancho Ruiz Maldini, Fúlvio Dicaravaggio e Sávio Cacciaccinni... cerveja puro malte, pão, um bom azeite e jamón serrano, conversas e mais conversas... quando perguntado sobre o que achara da Bienal de São Paulo 2010, o nosso protagonista dizia que não tinha nenhuma opinião sobre o episódio dos urubus, nem opinião sobre as obras expostas, a única coisa que importara para ele, era que mais uma vez não tinha sido convidado a mostrar suas pinturas... “mais uma Bienal em que eu não participo”... resmungava secamente, querendo disfarçar uma certa lamúria em sua voz...
Porém antes que qualquer de seus amigos se pronunciasse o nosso protagonista lançou um olhar desafiador para os presentes e emendou:
- Vou participar da próxima Bienal, mas com outro nome... irei inventar um personagem fictício e um motivo bem boçal, algo bem estúpido... aí é só fazer um bom trabalho de marketing que a coisa pega...
- Então já defina o personagem fictício e também o motivo boçal. Disse Sancho Ruiz Maldini.
Após alguns instantes o nosso protagonista respondeu:
- Vou me apresentar como Osmar Mungano.
- E o tema? Qual será o tema? Perguntou desta vez Hildon Marlos Risério.
O nosso protagonista não sabia o que dizer, porém no fim de semana anterior seu time havia ganho na prorrogação um jogo disputadíssimo sobre um time cujos jogadores eram conhecidos por suas peculiares dançinhas nos momentos de comemoração de gols... pensou nas dançinhas... em como aquilo o irritava profundamente... os passinhos... a alegria boçal... os trejeitos rebolativos... “Ah queria ver eles comemorando em baixo d´água... “ pensou novamente, mas então seu olhar foi iluminado por uma luz interna pois ele percebeu que tinha resolvido a questão: iria pintar imagens de jogadores comemorando gol em um ambiente de fundo do mar. Ele então sorriu baixinho e disse:
- Só vou dizer o nome, vai se chamar COMEMORAÇÕES SUBMERSAS, depois vocês verão o resto... quem quer outra cerveja?
Anos depois nosso protagonista, ou melhor Osmar Mungano, estreou na Bienal: era uma série de quadros no estilo pop-art com imagens de comemorações de gols famosos (Pelé, Serginho Chulapa, etc) em ambiente submerso envolto em peixes e plantas marinhas... mas o que impressionou os críticos foi que ao lado das telas havia um mural com a TEORIA DA SEMI-OBRA DE ARTE: Um emaranhado crítico, uma mistura da teoria do não-lugar de Baudrillard com conceitos desconstrutivistas de Derrida, na qual se explicava que em meio a uma realidade estrutural em processo de mudanças contínuas, um ser-e-não-ser da vida cotidiana, a aparição de imagens representando as comemorações de gols submersas criaria o semi-lugar: um lugar ao mesmo tempo SEMIótico e inserido na significação semântica de um mundo em que semi-jóias e carros semi-novos eram vistos como coisas normais...
Um sucesso ... a partir daí o nosso protagonista se esqueceu de si mesmo e passou a acreditar que era Osmar Mungano, e passou a evitar os antigos amigos usando como pretexto o fato de um deles ter dito que aquele pop-art futebolístico era uma imitação dos quadros que Maurício Nogueira Lima havia feito no final dos anos sessenta... passou também a se vestir diferente, comprou um par de óculos com aro grosso e passou a só frequentar bares e restaurantes da moda... porém com o passar do tempo começou a se cansar do personagem... retirou todos os espelhos de sua casa.. mas não adiantou... sempre que saía de casa via sua imagem refletida em algum lugar... não podia mais suportar a visão daquele espectro, não suportava mais ver-se vestido de adolescente intelectualizado.
Um dia o nosso protagonista foi a antiga ótica e encomendou um par de óculos da aro fino, três dias depois, quando os novos óculos ficaram prontos, ele saiu da ótica e após alguns passos jogou os óculos de aro grosso no chão e pisoteou-os esmagando-os completamente... e pensou: - Chega desta visão de mundo babaca, chega, chega de palhaçada!!! ... então colocou os novos óculos e saiu assobiando.... a partir daí Osmar Mungano desapareceu completamente, como um cometa que aparece e some, ele deixou o ambiente artístico de repente... ninguém mais teve notícias dele... O nosso protagonista, por outro lado, voltou a antiga vida, se reconciliou com os amigos e hoje gargalha com esta estória, e toda vez que se encontra com algum de seus antigos amigos diz:
- Fique tranquilo: não vou convidar o Osmar Mungano...
José Geraldo De Barros Martins é de São Paulo. Músico, pintor e escritor, desde 2001 publica seus desenhos e escritos no blog http://zegeraldo.free.fr.
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