O Retrato do Sertão – 10
Zé da Vila adoeceu. Encontram-no caído da rede, se contorcendo de dores pelo corpo inteiro. Estava com febre alta, segundo constatou Marilda ao colocar a mão sobre seu rosto. Chamaram Mãe Crisalda. A mezinha que trouxera, não surtiu qualquer efeito. Colocaram panos umedecidos sobre a testa para diminuir a febre. De nada adiantou. Zé da Vila estava fraco demais para levantar-se e falar alguma coisa de que estava sentindo.
Agamenon e Agaciel atrelaram a carroça e às pressas partiram para a cidade de Laranjeiras à procura de doutor Brandão, único médico da cidade.
Os moradores de Laranjeiras estavam apreensivos e temerosos pela notícia da presença de Lampião.
Reunidos na Praça principal, a multidão se entreolhava e indagava uns aos outros se era ou não verdadeira. Ninguém sabia!
Sá Lorena, a bisbilhoteira de sempre estava lá à procura de informações.
Aonde ele está? Quem viu? Como ele chegou aqui?
Uns diziam que ele estava na Prefeitura.. outros que se encontrava na igreja acobertado pelo padre Fausto. Ninguém sabia ao certo aonde Virgulino se encontrava.
Agamenon bateu à porta de uma pequena casa, cuja placa com letras graúdas e de cores azuis afixada à entrada indicava: “ Doutor Hermes Brandão. Clínico geral”. Imediatamente uma bela jovem morena, de estatura mediana, olhos azuis e longos cabelos negros que caíam sobre os ombros, vestida com um avental branco que ele jamais havia visto, veio atendê-lo.
- Pois não!
- Quero falar com doutor Brandão. Preciso de seus serviços, urgente!.
Queira entrar e sentar-se, por favor. Ele está ocupado no momento, operando o olho de um senhor que chegou esta manhã.
Impaciente pela demora do atendimento, Agamenon andava em silêncio de um lado ao outro da pequena sala, sempre acompanhado pelo olhar curioso de Samira, notando sua aflição.
Calma, senhor, dentro de alguns instantes doutor Brandão virá atendê-lo. Já o anunciei!
Após algumas horas de angústia, finalmente Agamenon foi recebido pelo médico que lhe perguntou o motivo de tanta ansiedade.
É que meu pai está passando mal, doutor. Desmaiou esta noite e mal consegue ficar de pé.
Aguarde um instante, por favor, enquanto termino de fazer o curativo do olho do capitão.
Capitão Virgulino? Lampião? Será ele? Você ouviu mano o que o doutor falou? Indagou Agamenon ao irmão perplexo com o corpo esbelto da atendente.
- Hã ..hã...É mano, eu ouvi. Deve ser ele mesmo! Quem diria, hem?
Como ele veio parar aqui? Respondeu Agaciel ao irmão, abobado, sem querer desviar-se do olhar reprovativo de Samira, enquanto olhava seu corpo esbelto.
Mas, mano, ele não está escondido nas redondezas de Angicos, fugindo da volante depois da tentativa de sequestro na fazenda do coronel Antônio Gurgel?
Não sei mano, o que sei, é que ele havia sido perseguido pela volante na semana passada, mas não sei do paradeiro dele neste momento. Não sei e nem me importa saber, mano! O problema é dele, e o nosso é o pai.
Agaciel não conseguia disfarçar a ideia de denunciar Lampião e receber a recompensa de dois contos de réis. Talvez essa fosse a oportunidade de ganhar algum dinheiro entregando-o às autoridades policiais. Receberia o prêmio que o governo oferecia como recompensa e sairia daquele lugar seco com os irmãos, as mulheres e os pais. Para àqueles que quisessem ficar, deixaria 200 réis para cuidarem da roça. Compraria algumas cabeças de bode, única raça caprina que sobrevive à seca, e partiria para São Paulo ou Rio de Janeiro à procura de emprego e de uma vida melhor. Ganharia algum dinheiro, tiraria a família daquela miséria, e teria um futuro melhor para seus pais e irmãos longe do sertão. Afinal, solteiro e sem compromisso tinha tudo a arriscar, menos o que perder.
Agaciel parecia perdido no tempo absorto, enquanto sentado numa cadeira de piaçava, único móvel na pequena recepção da clínica.
Ô mano, acorda..tá dormindo? o que tá acontecendo? o que tem...tá sonhando? Perguntou Agamenon, balançando o irmão estático.
O Doutor já está vindo. Vamos pegar a carroça e voltar pra casa. -Vai na frente e ajeita o banco pro doutor sentar.
Agamenon pegou a maleta do médico enquanto Agaciel, que seguia à frente, manipulava o plano de delatar Lampião e entregá-lo à polícia.
A ideia não lhe fugia à memória.
O chão bruto e seco por falta de chuvas não deixava rastro da carroça nem das patas do cavalo que seguia velozmente em meio à poeira.
O silêncio era total. Ouvia-se apenas o ranger dos ferros da carroça, por falta de manutenção.
Não tinham dinheiro para extravagâncias.
O silencio dos irmãos já incomodava o médico, imaginando ser gravíssimo o estado do paciente.
Digam alguma coisa a respeito do pai. Como foi que ele caiu...o que sentiu...bateu a cabeça no chão...se fer....
Não sei doutor, eu não vi, Quem viu foi Marilda, minha irmã, que ao levantar-se foi até o quarto dele levar-lhe o café e o viu caído da rede. Estava verde que nem folha de imbu. Não falava nada, só tremia e gemia...
Agamenon também estava preocupado com o silêncio do irmão que mudou de comportamento após desconfiar que Lampião se encontrava no consultório do doutor Brandão.
Não disse uma só palavra no caminho inteiro.
Estava estranho!
Ansiosas pela demora dos irmãos, Marilda e Giselda esperavam-nos sentadas à frente da casa quando ouviram o tropel dos cavalos se aproximando. Correram para abrir a porteira, e se emocionaram aos virem chegar: Não esperavam que o médico viesse. Era o único da cidade e muito requisitado.
Doutor Brandão, mais do que depressa saltou da carroça, pegou a maleta das mãos de Agamenon e se dirigiu ao canto da sala, aonde deitado na rede Zé da Vila se contorcia de dores. Examinou-o demoradamente. Verificou a pressão arterial, que no momento estava alterada, apalpou-lhe o corpo nos locais que ele sentia dores, e recomendou-lhe repouso absoluto, afirmando que o estado de saúde do paciente não lhe parecia nada grave, apenas um pouco de desnutrição por falta de uma alimentação adequada. Recomendou que lhe dessem alimentação adequada à sua idade
O problema, dele, é desnutrição e verminose. Precisa se alimentar mais.
Receitou-lhe “o Biotônico Fontoura”, para que fosse tomado três vezes ao dia: pela manhã ao levantar-se, ao meio dia antes do almoço e à noite antes de dormir. Como a família não tinha dinheiro para adquirir o medicamento e o laboratório não lhe fornecia mais amostras grátis, tirou da maleta um vidro de fortificante manipulado com folhas de maracujá e açafrão do norte, produto que sempre trazia, e ofereceu-o graciosamente à família dizendo tratar-se da mesma coisa e fazer o mesmo efeito.
Agamenon ficou em casa cuidando do pai, enquanto Agaciel foi levar o doutor de volta.
Durante a viagem de retorno à clínica, Agaciel não conseguia esquecer a ideia de denunciar capitão Virgulino para as autoridades policiais. Essa seria a oportunidade de que dispunha no momento capaz de acabar com a falta de dinheiro e o sofrimento da família.
Doutor é verdade que o senhor operou o olho de capitão
Virgulino?
Doutor Brandão, homem demasiadamente experiente, protetor de segredos profissionais invioláveis, acostumado às vicissitudes da vida, desconfiou de tanta curiosidade de Agamenon. Já tinha notado alguma coisa de estranho no comportamento dele, desde que saíram do consultório..
Não, meu filho! Quem esteve hoje pela manhã no meu consultório foi o capitão Viturino, ex-comandante da volante que se feriu no arame farpado ao atravessar a cerca para marcar o gado.
Mas... sua secretária disse que era o capitão Virgulino...
Capitão Viturino...já lhe disse. E ela não tem nada que comentar a visita de meus pacientes.
Agaciel, não se convenceu da resposta. Retornou ao sítio pensando pôr em prática a ideia de denunciar Lampião.
Eu mesmo vou investigar, pensou...Não acredito que o doutor tenha dito a verdade!.
Zé da Vila adoeceu. Encontram-no caído da rede, se contorcendo de dores pelo corpo inteiro. Estava com febre alta, segundo constatou Marilda ao colocar a mão sobre seu rosto. Chamaram Mãe Crisalda. A mezinha que trouxera, não surtiu qualquer efeito. Colocaram panos umedecidos sobre a testa para diminuir a febre. De nada adiantou. Zé da Vila estava fraco demais para levantar-se e falar alguma coisa de que estava sentindo.
Agamenon e Agaciel atrelaram a carroça e às pressas partiram para a cidade de Laranjeiras à procura de doutor Brandão, único médico da cidade.
Os moradores de Laranjeiras estavam apreensivos e temerosos pela notícia da presença de Lampião.
Reunidos na Praça principal, a multidão se entreolhava e indagava uns aos outros se era ou não verdadeira. Ninguém sabia!
Sá Lorena, a bisbilhoteira de sempre estava lá à procura de informações.
Aonde ele está? Quem viu? Como ele chegou aqui?
Uns diziam que ele estava na Prefeitura.. outros que se encontrava na igreja acobertado pelo padre Fausto. Ninguém sabia ao certo aonde Virgulino se encontrava.
Agamenon bateu à porta de uma pequena casa, cuja placa com letras graúdas e de cores azuis afixada à entrada indicava: “ Doutor Hermes Brandão. Clínico geral”. Imediatamente uma bela jovem morena, de estatura mediana, olhos azuis e longos cabelos negros que caíam sobre os ombros, vestida com um avental branco que ele jamais havia visto, veio atendê-lo.
- Pois não!
- Quero falar com doutor Brandão. Preciso de seus serviços, urgente!.
Queira entrar e sentar-se, por favor. Ele está ocupado no momento, operando o olho de um senhor que chegou esta manhã.
Impaciente pela demora do atendimento, Agamenon andava em silêncio de um lado ao outro da pequena sala, sempre acompanhado pelo olhar curioso de Samira, notando sua aflição.
Calma, senhor, dentro de alguns instantes doutor Brandão virá atendê-lo. Já o anunciei!
Após algumas horas de angústia, finalmente Agamenon foi recebido pelo médico que lhe perguntou o motivo de tanta ansiedade.
É que meu pai está passando mal, doutor. Desmaiou esta noite e mal consegue ficar de pé.
Aguarde um instante, por favor, enquanto termino de fazer o curativo do olho do capitão.
Capitão Virgulino? Lampião? Será ele? Você ouviu mano o que o doutor falou? Indagou Agamenon ao irmão perplexo com o corpo esbelto da atendente.
- Hã ..hã...É mano, eu ouvi. Deve ser ele mesmo! Quem diria, hem?
Como ele veio parar aqui? Respondeu Agaciel ao irmão, abobado, sem querer desviar-se do olhar reprovativo de Samira, enquanto olhava seu corpo esbelto.
Mas, mano, ele não está escondido nas redondezas de Angicos, fugindo da volante depois da tentativa de sequestro na fazenda do coronel Antônio Gurgel?
Não sei mano, o que sei, é que ele havia sido perseguido pela volante na semana passada, mas não sei do paradeiro dele neste momento. Não sei e nem me importa saber, mano! O problema é dele, e o nosso é o pai.
Agaciel não conseguia disfarçar a ideia de denunciar Lampião e receber a recompensa de dois contos de réis. Talvez essa fosse a oportunidade de ganhar algum dinheiro entregando-o às autoridades policiais. Receberia o prêmio que o governo oferecia como recompensa e sairia daquele lugar seco com os irmãos, as mulheres e os pais. Para àqueles que quisessem ficar, deixaria 200 réis para cuidarem da roça. Compraria algumas cabeças de bode, única raça caprina que sobrevive à seca, e partiria para São Paulo ou Rio de Janeiro à procura de emprego e de uma vida melhor. Ganharia algum dinheiro, tiraria a família daquela miséria, e teria um futuro melhor para seus pais e irmãos longe do sertão. Afinal, solteiro e sem compromisso tinha tudo a arriscar, menos o que perder.
Agaciel parecia perdido no tempo absorto, enquanto sentado numa cadeira de piaçava, único móvel na pequena recepção da clínica.
Ô mano, acorda..tá dormindo? o que tá acontecendo? o que tem...tá sonhando? Perguntou Agamenon, balançando o irmão estático.
O Doutor já está vindo. Vamos pegar a carroça e voltar pra casa. -Vai na frente e ajeita o banco pro doutor sentar.
Agamenon pegou a maleta do médico enquanto Agaciel, que seguia à frente, manipulava o plano de delatar Lampião e entregá-lo à polícia.
A ideia não lhe fugia à memória.
O chão bruto e seco por falta de chuvas não deixava rastro da carroça nem das patas do cavalo que seguia velozmente em meio à poeira.
O silêncio era total. Ouvia-se apenas o ranger dos ferros da carroça, por falta de manutenção.
Não tinham dinheiro para extravagâncias.
O silencio dos irmãos já incomodava o médico, imaginando ser gravíssimo o estado do paciente.
Digam alguma coisa a respeito do pai. Como foi que ele caiu...o que sentiu...bateu a cabeça no chão...se fer....
Não sei doutor, eu não vi, Quem viu foi Marilda, minha irmã, que ao levantar-se foi até o quarto dele levar-lhe o café e o viu caído da rede. Estava verde que nem folha de imbu. Não falava nada, só tremia e gemia...
Agamenon também estava preocupado com o silêncio do irmão que mudou de comportamento após desconfiar que Lampião se encontrava no consultório do doutor Brandão.
Não disse uma só palavra no caminho inteiro.
Estava estranho!
Ansiosas pela demora dos irmãos, Marilda e Giselda esperavam-nos sentadas à frente da casa quando ouviram o tropel dos cavalos se aproximando. Correram para abrir a porteira, e se emocionaram aos virem chegar: Não esperavam que o médico viesse. Era o único da cidade e muito requisitado.
Doutor Brandão, mais do que depressa saltou da carroça, pegou a maleta das mãos de Agamenon e se dirigiu ao canto da sala, aonde deitado na rede Zé da Vila se contorcia de dores. Examinou-o demoradamente. Verificou a pressão arterial, que no momento estava alterada, apalpou-lhe o corpo nos locais que ele sentia dores, e recomendou-lhe repouso absoluto, afirmando que o estado de saúde do paciente não lhe parecia nada grave, apenas um pouco de desnutrição por falta de uma alimentação adequada. Recomendou que lhe dessem alimentação adequada à sua idade
O problema, dele, é desnutrição e verminose. Precisa se alimentar mais.
Receitou-lhe “o Biotônico Fontoura”, para que fosse tomado três vezes ao dia: pela manhã ao levantar-se, ao meio dia antes do almoço e à noite antes de dormir. Como a família não tinha dinheiro para adquirir o medicamento e o laboratório não lhe fornecia mais amostras grátis, tirou da maleta um vidro de fortificante manipulado com folhas de maracujá e açafrão do norte, produto que sempre trazia, e ofereceu-o graciosamente à família dizendo tratar-se da mesma coisa e fazer o mesmo efeito.
Agamenon ficou em casa cuidando do pai, enquanto Agaciel foi levar o doutor de volta.
Durante a viagem de retorno à clínica, Agaciel não conseguia esquecer a ideia de denunciar capitão Virgulino para as autoridades policiais. Essa seria a oportunidade de que dispunha no momento capaz de acabar com a falta de dinheiro e o sofrimento da família.
Doutor é verdade que o senhor operou o olho de capitão
Virgulino?
Doutor Brandão, homem demasiadamente experiente, protetor de segredos profissionais invioláveis, acostumado às vicissitudes da vida, desconfiou de tanta curiosidade de Agamenon. Já tinha notado alguma coisa de estranho no comportamento dele, desde que saíram do consultório..
Não, meu filho! Quem esteve hoje pela manhã no meu consultório foi o capitão Viturino, ex-comandante da volante que se feriu no arame farpado ao atravessar a cerca para marcar o gado.
Mas... sua secretária disse que era o capitão Virgulino...
Capitão Viturino...já lhe disse. E ela não tem nada que comentar a visita de meus pacientes.
Agaciel, não se convenceu da resposta. Retornou ao sítio pensando pôr em prática a ideia de denunciar Lampião.
Eu mesmo vou investigar, pensou...Não acredito que o doutor tenha dito a verdade!.
José Miranda Filho, ex-Presidente e fundador do PMDB em São Caetano do Sul, Venerável Mestre da Loja Maçônica G. Mazzini (grau 33), é advogado e contador, colabora com o jornal ABC Reporter e atua como Diretor Financeiro do Conselho Gestor do Hospital Benificente São Caetano. Posta no Blog do Miranda.
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