Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

Conto - José Geraldo de Barros Martins


Ilustração de José Geraldo de Barros Martins
A Palavra

Paulo Álvares Parolli estava em crise... Poeta intuitivo, alcançara a celebridade com dezessete anos ao publicar seu livro “O Martelar Sintáxico”... Na verdade tudo fora sem querer, em um estilo composto de frases desconexas porém rimadas (escritas a esmo), salpicadas por algumas palavras “difíceis” (como “semiótica”, “significante”, “léxico”, etc) ele fez um sucesso estrondoso em sua estréia... Publicou ainda mais três livros: “Morfologia Dormitante”, “Mobilidade Líqüida” e “Emoções Binárias”... porém, toda a vez que tinha que dar entrevistas era aquela insegurança, uma vez que ele não lera muito e temia dar alguma opiniâo equivocada.

Com o passar do tempo o nosso protagonista resolveu se instruir... leu vários poetas, mas ficou impressionado mesmo foi com as duas primeiras frasas do poema “Literato Cantabile” de Torquato Neto”:

“agora não se fala mais toda palavra guarda uma cilada”

Procurando entender o significado desta frase passou a se aprofundar nos estudos literários, e só achou a resposta ao ler “Que É a Literatura?” de Jean-Paul Satre... Neste livro o escritor francês afirma que o poeta não vê a palavra como um signo de um aspecto do mundo, mas como a imagem deste aspecto. Ou seja, a palavra, na poesia, não é um meio de significar uma idéia (como funciona na prosa), mas é o ícone desta mesma idéia. Seu aspecto visual, sua sonoridade sua extensão antes representam do que expressam o significado... daí a serem armadilhas... ciladas...

Aquela revelação transtornou Paulo Álvares Parolli ... se as palavras que ele escrevia em seus poemas não eram o significado de sua expressão artísticas mas a sua imagem, onde estaria o sentido pleno da palavra??? Em que lugar ???

Uma noite o nosso protagonista sonhou com o bondinho de Santa Teresa... naquele letreiro que tem em cima da cabine do motorneiro, que diz o destino do bonde, estava escrito o seguinte topônimo: PALAVRA

No dia seguinte ele foi para a Cidade Maravilhosa e se hospedou no bairro de Santa Teresa, porém passada uma semana vasculhando o bairro, não encontrou nenhum indício do significado pleno da palavra... já estava desanimado achando que aquele sonho fora uma besteira e para não perder a viagem resolveu comer uma feijoada no famoso “Bar do Mineiro”... entrou lá, porém o local estava cheio, mas conseguiu a única mesa que restava... pediu uma feijoada e uma cerveja e enquanto esperava o garçom trazer a bebida notou que um monge entrara no bar... o religioso, já bastante idoso, procurava um lugar em vão... Paulo Álvares Parolli então resolveu fazer uma boa ação e perguntou ao monge se ele não queria se sentar em sua mesa...

O monge apesar da idade, era bom de copo e acompanhou o nosso protagonista na cerveja... quando questionado sobre o fato, o religioso respondeu:

- “Pecado é tomar bebida light, pois a LUZ verdadeira não está dentro de uma garrafa de refrigerante.”

- “E a PALAVRA verdadeira onde está???” perguntou o nosso protagonista.

- “A PALAVRA verdadeira está no centro geométrico do coração de cada indivíduo”.

- “Ora, esta resposta é muito vaga... e o sentido pleno da palavra??? Onde ele está??? Onde eu posso encontrá-lo???” O monge tomou um longo gole, sorriu de satisfação e disse calmamente:

- “Veja bem... uma coisa é uma coisa... outra coisa é outra coisa... a PALAVRA é uma coisa, enquanto que seu sentido pleno é outra coisa... há muito tempo um dos monges da minha ordem, um franciscano, deixou cravada em um dos muros de uma fortaleza, uma inscrição em latim... diz a tradição que aquele que conseguir ler a inscrição saberá definitivamente o sentido da palavra e poderá então compreender qualquer coisa escrita na sua totalidade... Este forte está situado no litoral uruguaio e fora visitado pelo tal monge a convite de José Gervasio Artigas, um político e militar uruguaio, antes que Manuel Marques de Sousa retomasse o forte para os portugueses em 1816 na campanha que Dom João XVI empreendera para construir a província Cisplatina...

- “Qual o nome desta fortaleza???”

- “O mesmo deste bairro: Santa Teresa!!!”.

Paulo Álvares Parolli percebeu que o sonho era profético... levantou-se imediatamente, acertou a conta (deixando mais duas cervejas pagas para o monge) e saiu apressado. No albergue apanhou sua mochila, passou em um sebo onde comprou uma gramática de latim... e pé na estrada...

Dizem que agora ele já cruzou a fronteira e já está na Carretera 9, a poucos quilômetros do Forte de Santa Teresa... talvez não encontre a inscrição... mas já pensou em deixar a poesia de lado por um tempo e escrever um romance autobiográfico que se chamará “De Santa Teresa à Santa Teresa”.


José Geraldo De Barros Martins é de São Paulo. Músico, pintor e escritor, desde 2001 publica seus desenhos e escritos no blog http://zegeraldo.free.fr.

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adriana Pessolato Adília Lopes Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda Antonio Romane António Nobre Ari Candido Fernandes Ari Cândido Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Cândido Rolim Dantas Mota David Butler Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Décio Pignatari Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats Josep Daústin José Carlos de Souza José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago José de Almada-Negreiros João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Léon Laleau Lêdo Ivo Magnhild Opdol Manoel de Barros Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mario Quintana Mariângela de Almeida Marly Agostini Franzin Marta Penter Marçal Aquino Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Márcio-André Mário Chamie Mário Faustino Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Nadir Afonso Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Nâzım Hikmet Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Pádraig Mac Piarais Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Renato Borgomoni Renato Rezende Renato de Almeida Martins Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Régis Bonvicino Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastian Guerrini Sebastià Alzamora Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Silvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano Sílvio Ferreira Leite Sílvio Fiorani The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix Álvaro de Campos Éle Semog