Ilustração de José Geraldo de Barros Martins
A Palavra
Paulo Álvares Parolli estava em crise... Poeta intuitivo, alcançara a celebridade com dezessete anos ao publicar seu livro “O Martelar Sintáxico”... Na verdade tudo fora sem querer, em um estilo composto de frases desconexas porém rimadas (escritas a esmo), salpicadas por algumas palavras “difíceis” (como “semiótica”, “significante”, “léxico”, etc) ele fez um sucesso estrondoso em sua estréia... Publicou ainda mais três livros: “Morfologia Dormitante”, “Mobilidade Líqüida” e “Emoções Binárias”... porém, toda a vez que tinha que dar entrevistas era aquela insegurança, uma vez que ele não lera muito e temia dar alguma opiniâo equivocada.
Com o passar do tempo o nosso protagonista resolveu se instruir... leu vários poetas, mas ficou impressionado mesmo foi com as duas primeiras frasas do poema “Literato Cantabile” de Torquato Neto”:
“agora não se fala mais toda palavra guarda uma cilada”
Procurando entender o significado desta frase passou a se aprofundar nos estudos literários, e só achou a resposta ao ler “Que É a Literatura?” de Jean-Paul Satre... Neste livro o escritor francês afirma que o poeta não vê a palavra como um signo de um aspecto do mundo, mas como a imagem deste aspecto. Ou seja, a palavra, na poesia, não é um meio de significar uma idéia (como funciona na prosa), mas é o ícone desta mesma idéia. Seu aspecto visual, sua sonoridade sua extensão antes representam do que expressam o significado... daí a serem armadilhas... ciladas...
Aquela revelação transtornou Paulo Álvares Parolli ... se as palavras que ele escrevia em seus poemas não eram o significado de sua expressão artísticas mas a sua imagem, onde estaria o sentido pleno da palavra??? Em que lugar ???
Uma noite o nosso protagonista sonhou com o bondinho de Santa Teresa... naquele letreiro que tem em cima da cabine do motorneiro, que diz o destino do bonde, estava escrito o seguinte topônimo: PALAVRA
No dia seguinte ele foi para a Cidade Maravilhosa e se hospedou no bairro de Santa Teresa, porém passada uma semana vasculhando o bairro, não encontrou nenhum indício do significado pleno da palavra... já estava desanimado achando que aquele sonho fora uma besteira e para não perder a viagem resolveu comer uma feijoada no famoso “Bar do Mineiro”... entrou lá, porém o local estava cheio, mas conseguiu a única mesa que restava... pediu uma feijoada e uma cerveja e enquanto esperava o garçom trazer a bebida notou que um monge entrara no bar... o religioso, já bastante idoso, procurava um lugar em vão... Paulo Álvares Parolli então resolveu fazer uma boa ação e perguntou ao monge se ele não queria se sentar em sua mesa...
O monge apesar da idade, era bom de copo e acompanhou o nosso protagonista na cerveja... quando questionado sobre o fato, o religioso respondeu:
- “Pecado é tomar bebida light, pois a LUZ verdadeira não está dentro de uma garrafa de refrigerante.”
- “E a PALAVRA verdadeira onde está???” perguntou o nosso protagonista.
- “A PALAVRA verdadeira está no centro geométrico do coração de cada indivíduo”.
- “Ora, esta resposta é muito vaga... e o sentido pleno da palavra??? Onde ele está??? Onde eu posso encontrá-lo???” O monge tomou um longo gole, sorriu de satisfação e disse calmamente:
- “Veja bem... uma coisa é uma coisa... outra coisa é outra coisa... a PALAVRA é uma coisa, enquanto que seu sentido pleno é outra coisa... há muito tempo um dos monges da minha ordem, um franciscano, deixou cravada em um dos muros de uma fortaleza, uma inscrição em latim... diz a tradição que aquele que conseguir ler a inscrição saberá definitivamente o sentido da palavra e poderá então compreender qualquer coisa escrita na sua totalidade... Este forte está situado no litoral uruguaio e fora visitado pelo tal monge a convite de José Gervasio Artigas, um político e militar uruguaio, antes que Manuel Marques de Sousa retomasse o forte para os portugueses em 1816 na campanha que Dom João XVI empreendera para construir a província Cisplatina...
- “Qual o nome desta fortaleza???”
- “O mesmo deste bairro: Santa Teresa!!!”.
Paulo Álvares Parolli percebeu que o sonho era profético... levantou-se imediatamente, acertou a conta (deixando mais duas cervejas pagas para o monge) e saiu apressado. No albergue apanhou sua mochila, passou em um sebo onde comprou uma gramática de latim... e pé na estrada...
Dizem que agora ele já cruzou a fronteira e já está na Carretera 9, a poucos quilômetros do Forte de Santa Teresa... talvez não encontre a inscrição... mas já pensou em deixar a poesia de lado por um tempo e escrever um romance autobiográfico que se chamará “De Santa Teresa à Santa Teresa”.
Paulo Álvares Parolli estava em crise... Poeta intuitivo, alcançara a celebridade com dezessete anos ao publicar seu livro “O Martelar Sintáxico”... Na verdade tudo fora sem querer, em um estilo composto de frases desconexas porém rimadas (escritas a esmo), salpicadas por algumas palavras “difíceis” (como “semiótica”, “significante”, “léxico”, etc) ele fez um sucesso estrondoso em sua estréia... Publicou ainda mais três livros: “Morfologia Dormitante”, “Mobilidade Líqüida” e “Emoções Binárias”... porém, toda a vez que tinha que dar entrevistas era aquela insegurança, uma vez que ele não lera muito e temia dar alguma opiniâo equivocada.
Com o passar do tempo o nosso protagonista resolveu se instruir... leu vários poetas, mas ficou impressionado mesmo foi com as duas primeiras frasas do poema “Literato Cantabile” de Torquato Neto”:
“agora não se fala mais toda palavra guarda uma cilada”
Procurando entender o significado desta frase passou a se aprofundar nos estudos literários, e só achou a resposta ao ler “Que É a Literatura?” de Jean-Paul Satre... Neste livro o escritor francês afirma que o poeta não vê a palavra como um signo de um aspecto do mundo, mas como a imagem deste aspecto. Ou seja, a palavra, na poesia, não é um meio de significar uma idéia (como funciona na prosa), mas é o ícone desta mesma idéia. Seu aspecto visual, sua sonoridade sua extensão antes representam do que expressam o significado... daí a serem armadilhas... ciladas...
Aquela revelação transtornou Paulo Álvares Parolli ... se as palavras que ele escrevia em seus poemas não eram o significado de sua expressão artísticas mas a sua imagem, onde estaria o sentido pleno da palavra??? Em que lugar ???
Uma noite o nosso protagonista sonhou com o bondinho de Santa Teresa... naquele letreiro que tem em cima da cabine do motorneiro, que diz o destino do bonde, estava escrito o seguinte topônimo: PALAVRA
No dia seguinte ele foi para a Cidade Maravilhosa e se hospedou no bairro de Santa Teresa, porém passada uma semana vasculhando o bairro, não encontrou nenhum indício do significado pleno da palavra... já estava desanimado achando que aquele sonho fora uma besteira e para não perder a viagem resolveu comer uma feijoada no famoso “Bar do Mineiro”... entrou lá, porém o local estava cheio, mas conseguiu a única mesa que restava... pediu uma feijoada e uma cerveja e enquanto esperava o garçom trazer a bebida notou que um monge entrara no bar... o religioso, já bastante idoso, procurava um lugar em vão... Paulo Álvares Parolli então resolveu fazer uma boa ação e perguntou ao monge se ele não queria se sentar em sua mesa...
O monge apesar da idade, era bom de copo e acompanhou o nosso protagonista na cerveja... quando questionado sobre o fato, o religioso respondeu:
- “Pecado é tomar bebida light, pois a LUZ verdadeira não está dentro de uma garrafa de refrigerante.”
- “E a PALAVRA verdadeira onde está???” perguntou o nosso protagonista.
- “A PALAVRA verdadeira está no centro geométrico do coração de cada indivíduo”.
- “Ora, esta resposta é muito vaga... e o sentido pleno da palavra??? Onde ele está??? Onde eu posso encontrá-lo???” O monge tomou um longo gole, sorriu de satisfação e disse calmamente:
- “Veja bem... uma coisa é uma coisa... outra coisa é outra coisa... a PALAVRA é uma coisa, enquanto que seu sentido pleno é outra coisa... há muito tempo um dos monges da minha ordem, um franciscano, deixou cravada em um dos muros de uma fortaleza, uma inscrição em latim... diz a tradição que aquele que conseguir ler a inscrição saberá definitivamente o sentido da palavra e poderá então compreender qualquer coisa escrita na sua totalidade... Este forte está situado no litoral uruguaio e fora visitado pelo tal monge a convite de José Gervasio Artigas, um político e militar uruguaio, antes que Manuel Marques de Sousa retomasse o forte para os portugueses em 1816 na campanha que Dom João XVI empreendera para construir a província Cisplatina...
- “Qual o nome desta fortaleza???”
- “O mesmo deste bairro: Santa Teresa!!!”.
Paulo Álvares Parolli percebeu que o sonho era profético... levantou-se imediatamente, acertou a conta (deixando mais duas cervejas pagas para o monge) e saiu apressado. No albergue apanhou sua mochila, passou em um sebo onde comprou uma gramática de latim... e pé na estrada...
Dizem que agora ele já cruzou a fronteira e já está na Carretera 9, a poucos quilômetros do Forte de Santa Teresa... talvez não encontre a inscrição... mas já pensou em deixar a poesia de lado por um tempo e escrever um romance autobiográfico que se chamará “De Santa Teresa à Santa Teresa”.
José Geraldo De Barros Martins é de São Paulo. Músico, pintor e escritor, desde 2001 publica seus desenhos e escritos no blog http://zegeraldo.free.fr.
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