O Retrato do Sertão – 11
Quando a noite chegou em Poços dos Anjos enluarando a pastagem seca e desértica, seu Quincas resolveu fazer uma investida ao entorno de sua fazenda receoso da presença de Lampião, que segundo lhe disseram, estava na redondeza. Ordenou seus empregados e capangas que se armassem com o que tinham de melhor: espingardas, fuzis de repetição, facões, revolvers calibre 38, parabelos, etc. Reuniram-se no páteo da fazenda para traçarem as estratégias de combate, caso fosse necessário, sem quaisquer outras alternativas para ousar: ataque, pedido de socorro, retirada dos mortos e feridos....enfim, tudo de imprevisível que pudesse acontecer.
− Só não desejo mortes entre nós, repetia seu Quincas apreensivo ao grupo, cujo comando já se lhe afigurava fora de domínio. Se houver baixas entre nós, cubro as despesas do funeral e ajudo a família financeiramente pelo resto da vida”.
Adentraram a mata que circundava a fazenda de mais de dez mil alqueires, divisa com as terras de Sá Lorena e coronel Saturnino. Seguiram as trilhas sêcas de rios e riachos à procura de pistas que indicassem a presença de Lampião. Guiados por Rex e Minuano, dois dos melhores cães rastreadores da fazenda, embrenharam-se mata à dentro. Seu Quincas só não queria ser surpreendido por Lampião, com quem jamais nutriu qualquer amizade, independente dos favores que lhe prestou a pedido de padre Fausto. Entretanto, acautelar-se era a ordem mais viável que podia trasmitir ao grupo. Obteve através de vizinhos que tiveram suas fazendas invadidas, algumas informações preciosas sobre seu modo de combate. Sabia em detalhes sua estratégia de luta.
− Facínoras, malfeitores da pior categoria, crueis e usurpadores, não tem vez e nem perdão comigo. Dizia seu Quincas aos seus comandados. Haveremos de resistir, se preciso for. Por mais que ele faça o bem aos pobres sertanejos, por quem é estimado e idolatrado, por mais que distribua aos pobres o que consegue roubar dos ricos e dos fazendeiros da região, Lampião jamais terá minha condescendência, não obstante, as manifestações de carinho e amizade que padre Fausto lhe devota. Nunca gostei dele. Nunca acreditei em sua palavra. Quando ainda não o conhecia ele esteve em minha fazenda pedindo abrigo, fugindo da polícia. Ao se retirar com seu grupo de assassinos, além de não agradecer pela acolhida que lhe dei, levou meu estoque de mantimentos que sempre reservava para o futuro, e mais algumas cabeças de gado, prometendo-me que jamais me atacaria.
Seu Quincas jamais esqueceu desse episódio. Fôra ameaçado de morte se não lhe desse abrigo. Não desejava passar novamente pelo constrangimento que tivera diante da família.
Como sempre fôra um homem benevolente, católico praticante e fiel colaborador de ações sociais da municipalidade, seu Quincas distribuia alimentos aos flagelados da sêca, através da paróquia de padre Fausto e da Secretaria Municipal de Açâo Social, comandada pela primeira dama, tanto quanto fazia à porta de sua fazenda durante o período de secas que duravam meses e até anos. Fornecia, feijão, milho, arroz, farinha de mandioca, e até medicamentos que recebia dos laborátorios do Estado. Fazia isso de coração, não para ostentar-se como defensor do sertanejo. Apenas, através desse gesto sublime, agradecia a Deus pelo muito que Dele recebeu.
Temia mesmo era Lampião, cabra feroz e sanguinário, compadre e amigo do seu maior desafeto, coronel Saturnino.
Cavalgaram a noite inteira através de rios e riachos secos, até o dia amanhecer e não encontraram nenhum vestigio da presença de Lampião. Verificaram todas as divisas, entradas e saídas da propriedade. Trilharam todos os caminhos e atalhos. Nada encontraram. Cientes de que não havia perigo de serem atacados regressaram à fazenda. Contudo, seu Quincas ordenou que o grupo permanecesse de prontidão para não serem pegos de surpresa., numa possível investida de Lampião.
À tardezinha do dia seguinte, seu Quincas soube, através do mateiro Serafim, que no dia anterior capitão Virgulino passara pela fazenda de Saturnino e que fôra operado do olho em Laranjeiras, na clinica do doutor Brandão. Estava se convalescendo na fazenda de coronel José Pereira, e que a volante já estava em seu encalço. A polícia já tinha conhecimento do local em que se escondia e quem lhe dava acoitamento.
Seu Quincas, então dissolveu o grupo, mas ordenou para que todos ficassem atentos, vigiando a entrada da fazenda.
O Comandante da volante de Sergipe preparou uma grande emboscada para atacar Lampião de surpresa: Matar e Matar. Era a ordem. Reuniu seus soldados, escolhidos entre os mais eficientes e conhecedores do sertão, fortemente armados e partiu à procura do bandido odiado por uns e admirado por outros, no sertão brasileiro. O tenente João Bezerra e o sargento Aniceto Rodrigues da Silva, já tinham os detalhes do esconderijo do bando. A ordem era abatê-lo a qualquer custo, e depois esquartejar seu corpo e pendurar seus membros em troncos secos de arvoredos, que seriam expostos em praça pública para servir de exemplo àqueles que lhe davam cobertura e o tinham como líder. Poderia ser promovido a capitão, ou até receber uma condecoração por heroísmo. Pensava o tenente sem planos definidos para o combate. Tinha certeza apenas de uma coisa: Nada poderia falhar. Matar e nunca morrer! Afirmava aos seus comandados.
− Sargento, reúna cinquenta homens em colunas de dez, pelos lados direito e esquerdo da fazenda de coronel José Pereira Lima, enquanto eu e mais cinquenta daremos combate pelos fundos e pela frente da casa. Nada pode falhar nesta operação. Sabemos que o homem está acoitado lá. Teremos que matá-lo de qualquer jeito. Além de lutarmos contra seus capangas, temos que também combater a tropa de Zé Pereira, que calculo em torno de cem homens. Ordenou o tenente João Bezerra, antes de partirem.
− Cabo Anselmo cheque as provisões: Água, farinha, café, arroz, feijão, sal, rapadura, mandioca, carne seca, macaxeira... Não quero que falte qualquer mantimento, afinal não sabemos quanto tempo permaneceremos no mato até a captura desse facínora. Montados nos melhores animais e orientados pelos mateiros que tinham o melhor conhecimento da região, partiram na madrugada do dia seguinte em direção à fazenda de propriedade do coronel José Pereira Lima. Almejavam surpreender Lampião e seus cabras ainda de madrugada enquanto dormiam. Sabiam que a vigilância dele durante a noite era bastante precária, devido a embriaguez dos cabras após as festas que promoviam.
Apenas três capangas, ao redor de uma fogueira já em fase terminal, faziam a vigilância do bando naquela madrugada fatidíca. A tropa do tenente João Bezerra, mesmo despreparada para investidas dessa natureza, cumpriu todas as determinações do seu Comandante. Virgulino foi cercado e morto. Sem tempo de levantar-se da rede, não ofereceu qualquer reação. Um intenso tiroteio se fez ouvir pela redondeza, com mortes de ambos os lados. Tombou o mais cruel facínora do nordeste ao lado de sua mulher, que trocou o marido, um homem sério e trabalhador pelo cangaço, pra viver foragida e perseguida pela justiça. Acabara a triste e cruel saga de Lampião. Herói para uns e bandido para outros, enquanto o sertão se dividia.
Quando a noite chegou em Poços dos Anjos enluarando a pastagem seca e desértica, seu Quincas resolveu fazer uma investida ao entorno de sua fazenda receoso da presença de Lampião, que segundo lhe disseram, estava na redondeza. Ordenou seus empregados e capangas que se armassem com o que tinham de melhor: espingardas, fuzis de repetição, facões, revolvers calibre 38, parabelos, etc. Reuniram-se no páteo da fazenda para traçarem as estratégias de combate, caso fosse necessário, sem quaisquer outras alternativas para ousar: ataque, pedido de socorro, retirada dos mortos e feridos....enfim, tudo de imprevisível que pudesse acontecer.
− Só não desejo mortes entre nós, repetia seu Quincas apreensivo ao grupo, cujo comando já se lhe afigurava fora de domínio. Se houver baixas entre nós, cubro as despesas do funeral e ajudo a família financeiramente pelo resto da vida”.
Adentraram a mata que circundava a fazenda de mais de dez mil alqueires, divisa com as terras de Sá Lorena e coronel Saturnino. Seguiram as trilhas sêcas de rios e riachos à procura de pistas que indicassem a presença de Lampião. Guiados por Rex e Minuano, dois dos melhores cães rastreadores da fazenda, embrenharam-se mata à dentro. Seu Quincas só não queria ser surpreendido por Lampião, com quem jamais nutriu qualquer amizade, independente dos favores que lhe prestou a pedido de padre Fausto. Entretanto, acautelar-se era a ordem mais viável que podia trasmitir ao grupo. Obteve através de vizinhos que tiveram suas fazendas invadidas, algumas informações preciosas sobre seu modo de combate. Sabia em detalhes sua estratégia de luta.
− Facínoras, malfeitores da pior categoria, crueis e usurpadores, não tem vez e nem perdão comigo. Dizia seu Quincas aos seus comandados. Haveremos de resistir, se preciso for. Por mais que ele faça o bem aos pobres sertanejos, por quem é estimado e idolatrado, por mais que distribua aos pobres o que consegue roubar dos ricos e dos fazendeiros da região, Lampião jamais terá minha condescendência, não obstante, as manifestações de carinho e amizade que padre Fausto lhe devota. Nunca gostei dele. Nunca acreditei em sua palavra. Quando ainda não o conhecia ele esteve em minha fazenda pedindo abrigo, fugindo da polícia. Ao se retirar com seu grupo de assassinos, além de não agradecer pela acolhida que lhe dei, levou meu estoque de mantimentos que sempre reservava para o futuro, e mais algumas cabeças de gado, prometendo-me que jamais me atacaria.
Seu Quincas jamais esqueceu desse episódio. Fôra ameaçado de morte se não lhe desse abrigo. Não desejava passar novamente pelo constrangimento que tivera diante da família.
Como sempre fôra um homem benevolente, católico praticante e fiel colaborador de ações sociais da municipalidade, seu Quincas distribuia alimentos aos flagelados da sêca, através da paróquia de padre Fausto e da Secretaria Municipal de Açâo Social, comandada pela primeira dama, tanto quanto fazia à porta de sua fazenda durante o período de secas que duravam meses e até anos. Fornecia, feijão, milho, arroz, farinha de mandioca, e até medicamentos que recebia dos laborátorios do Estado. Fazia isso de coração, não para ostentar-se como defensor do sertanejo. Apenas, através desse gesto sublime, agradecia a Deus pelo muito que Dele recebeu.
Temia mesmo era Lampião, cabra feroz e sanguinário, compadre e amigo do seu maior desafeto, coronel Saturnino.
Cavalgaram a noite inteira através de rios e riachos secos, até o dia amanhecer e não encontraram nenhum vestigio da presença de Lampião. Verificaram todas as divisas, entradas e saídas da propriedade. Trilharam todos os caminhos e atalhos. Nada encontraram. Cientes de que não havia perigo de serem atacados regressaram à fazenda. Contudo, seu Quincas ordenou que o grupo permanecesse de prontidão para não serem pegos de surpresa., numa possível investida de Lampião.
À tardezinha do dia seguinte, seu Quincas soube, através do mateiro Serafim, que no dia anterior capitão Virgulino passara pela fazenda de Saturnino e que fôra operado do olho em Laranjeiras, na clinica do doutor Brandão. Estava se convalescendo na fazenda de coronel José Pereira, e que a volante já estava em seu encalço. A polícia já tinha conhecimento do local em que se escondia e quem lhe dava acoitamento.
Seu Quincas, então dissolveu o grupo, mas ordenou para que todos ficassem atentos, vigiando a entrada da fazenda.
O Comandante da volante de Sergipe preparou uma grande emboscada para atacar Lampião de surpresa: Matar e Matar. Era a ordem. Reuniu seus soldados, escolhidos entre os mais eficientes e conhecedores do sertão, fortemente armados e partiu à procura do bandido odiado por uns e admirado por outros, no sertão brasileiro. O tenente João Bezerra e o sargento Aniceto Rodrigues da Silva, já tinham os detalhes do esconderijo do bando. A ordem era abatê-lo a qualquer custo, e depois esquartejar seu corpo e pendurar seus membros em troncos secos de arvoredos, que seriam expostos em praça pública para servir de exemplo àqueles que lhe davam cobertura e o tinham como líder. Poderia ser promovido a capitão, ou até receber uma condecoração por heroísmo. Pensava o tenente sem planos definidos para o combate. Tinha certeza apenas de uma coisa: Nada poderia falhar. Matar e nunca morrer! Afirmava aos seus comandados.
− Sargento, reúna cinquenta homens em colunas de dez, pelos lados direito e esquerdo da fazenda de coronel José Pereira Lima, enquanto eu e mais cinquenta daremos combate pelos fundos e pela frente da casa. Nada pode falhar nesta operação. Sabemos que o homem está acoitado lá. Teremos que matá-lo de qualquer jeito. Além de lutarmos contra seus capangas, temos que também combater a tropa de Zé Pereira, que calculo em torno de cem homens. Ordenou o tenente João Bezerra, antes de partirem.
− Cabo Anselmo cheque as provisões: Água, farinha, café, arroz, feijão, sal, rapadura, mandioca, carne seca, macaxeira... Não quero que falte qualquer mantimento, afinal não sabemos quanto tempo permaneceremos no mato até a captura desse facínora. Montados nos melhores animais e orientados pelos mateiros que tinham o melhor conhecimento da região, partiram na madrugada do dia seguinte em direção à fazenda de propriedade do coronel José Pereira Lima. Almejavam surpreender Lampião e seus cabras ainda de madrugada enquanto dormiam. Sabiam que a vigilância dele durante a noite era bastante precária, devido a embriaguez dos cabras após as festas que promoviam.
Apenas três capangas, ao redor de uma fogueira já em fase terminal, faziam a vigilância do bando naquela madrugada fatidíca. A tropa do tenente João Bezerra, mesmo despreparada para investidas dessa natureza, cumpriu todas as determinações do seu Comandante. Virgulino foi cercado e morto. Sem tempo de levantar-se da rede, não ofereceu qualquer reação. Um intenso tiroteio se fez ouvir pela redondeza, com mortes de ambos os lados. Tombou o mais cruel facínora do nordeste ao lado de sua mulher, que trocou o marido, um homem sério e trabalhador pelo cangaço, pra viver foragida e perseguida pela justiça. Acabara a triste e cruel saga de Lampião. Herói para uns e bandido para outros, enquanto o sertão se dividia.
José Miranda Filho, ex-Presidente e fundador do PMDB em São Caetano do Sul, Venerável Mestre da Loja Maçônica G. Mazzini (grau 33), é advogado e contador, colabora com o jornal ABC Reporter e atua como Diretor Financeiro do Conselho Gestor do Hospital Benificente São Caetano. Posta no Blog do Miranda.
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