Família Platiplanto, by Nico Giuliano |
Tarde em Ribeirão
Ribeirão Preto vai sediar, entre os dias 12 e 15 de novembro de 2011, o Congresso Nacional de Escritores, organizado pela UBE. Já estive lá em evento parecido.
Lembro. Caminho por uma rua comercial com o falecido escritor José J. Veiga, os amigos Noel, Ademar e Cachaça. Fazíamos uma pequena pausa nos debates e seminários.
Era um dia quente e abafado. Por isso, não via a hora de me sentar na Pinguim e, de um gole só, saborear um espumoso chope escuro. Ágil como meu avô paterno, Veiga andava ao nosso lado na calçada larga, a passos compridos, e narrava histórias de mascates e matadores de aluguel.
De súbito, ele pega em meu braço e literalmente me arrasta para a calçada em frente.
- Vamos até ali - me diz. - Quero mostrar uma coisa.
- Tenho sede, mestre.
- Vamos, é coisa ligeira.
Seguimos atrás. Imagino uma livraria com raros exemplares expostos na vitrine. Ao me aproximar, porém, reconheço outro ramo do comércio que não via há muito tempo, apenas na infância durante uma viagem a Governador Valadares, em Minas Gerais.
Era uma selaria. No interior, em mostruários bonitos, tudo para quem gosta de montar no mais fino couro - selas, cabrestos, pelegos e bridas.
Esqueço a sede e o chope. Ligado também nas coisas do campo, fico ali admirando os arreios. Duas selas, do mais rico acabamento, estavam dependuradas num canto, como se estivessem preparadas para equipar os mais belos animais. Não indago o que se passa na cabeça do velho escritor, mas logo lembro de meu pai, descendente de ára¬bes e excelente cavaleiro, que um dia me ensinou a arte de cavalgar.
-- 0 senhor é que é o escritor José J. Veiga, autor de Cavalinhos de Platiplanto? aproximou se o dono da loja. -- Vi sua entrevista ontem no noticiário da TV.
Humilde, como era de seu feitio, Veiga concordou com um leve aceno de cabeça.
- Gostaria de presenteá lo com uma suma sela de nossa fabricação.
Veiga sorriu.
- Muito obrigado - disse. - Em outros tempos, aceitaria sem pestanejar.
Saímos. A duas quadras da loja, não resisto à curiosidade.
- Por que não aceitou? - indago.
O escritor para e me encara com olhos cheios de sabedoria.
-- Meu jovem, moro no Rio de Janeiro num pequeno apartamento soterrado de livros. Uma sela vai ocupar muito espaço. Se aceitasse, poderia chegar uma doida vontade de comprar um animal de montaria. Mas, para tê-lo, talvez devesse adquirir um sítio e ter um caseiro para alimentá-lo todos os dias. Agora, o que quero mesmo é mesmo inventar coisas.
Fomos alegres no rumo da Pinguim. No dia seguinte, cada um viajou para seu canto. Depois disso, nunca mais reencontrei o escritor J. J. Veiga. Ele virou estrela, aos 84 anos, em 19 de setembro de 1999.
Ribeirão Preto vai sediar, entre os dias 12 e 15 de novembro de 2011, o Congresso Nacional de Escritores, organizado pela UBE. Já estive lá em evento parecido.
Lembro. Caminho por uma rua comercial com o falecido escritor José J. Veiga, os amigos Noel, Ademar e Cachaça. Fazíamos uma pequena pausa nos debates e seminários.
Era um dia quente e abafado. Por isso, não via a hora de me sentar na Pinguim e, de um gole só, saborear um espumoso chope escuro. Ágil como meu avô paterno, Veiga andava ao nosso lado na calçada larga, a passos compridos, e narrava histórias de mascates e matadores de aluguel.
De súbito, ele pega em meu braço e literalmente me arrasta para a calçada em frente.
- Vamos até ali - me diz. - Quero mostrar uma coisa.
- Tenho sede, mestre.
- Vamos, é coisa ligeira.
Seguimos atrás. Imagino uma livraria com raros exemplares expostos na vitrine. Ao me aproximar, porém, reconheço outro ramo do comércio que não via há muito tempo, apenas na infância durante uma viagem a Governador Valadares, em Minas Gerais.
Era uma selaria. No interior, em mostruários bonitos, tudo para quem gosta de montar no mais fino couro - selas, cabrestos, pelegos e bridas.
Esqueço a sede e o chope. Ligado também nas coisas do campo, fico ali admirando os arreios. Duas selas, do mais rico acabamento, estavam dependuradas num canto, como se estivessem preparadas para equipar os mais belos animais. Não indago o que se passa na cabeça do velho escritor, mas logo lembro de meu pai, descendente de ára¬bes e excelente cavaleiro, que um dia me ensinou a arte de cavalgar.
-- 0 senhor é que é o escritor José J. Veiga, autor de Cavalinhos de Platiplanto? aproximou se o dono da loja. -- Vi sua entrevista ontem no noticiário da TV.
Humilde, como era de seu feitio, Veiga concordou com um leve aceno de cabeça.
- Gostaria de presenteá lo com uma suma sela de nossa fabricação.
Veiga sorriu.
- Muito obrigado - disse. - Em outros tempos, aceitaria sem pestanejar.
Saímos. A duas quadras da loja, não resisto à curiosidade.
- Por que não aceitou? - indago.
O escritor para e me encara com olhos cheios de sabedoria.
-- Meu jovem, moro no Rio de Janeiro num pequeno apartamento soterrado de livros. Uma sela vai ocupar muito espaço. Se aceitasse, poderia chegar uma doida vontade de comprar um animal de montaria. Mas, para tê-lo, talvez devesse adquirir um sítio e ter um caseiro para alimentá-lo todos os dias. Agora, o que quero mesmo é mesmo inventar coisas.
Fomos alegres no rumo da Pinguim. No dia seguinte, cada um viajou para seu canto. Depois disso, nunca mais reencontrei o escritor J. J. Veiga. Ele virou estrela, aos 84 anos, em 19 de setembro de 1999.
3 comments:
Sensacional!
Abço
Cesar Cruz
Que rememoração porreta!
Abraço,
Plínio
Ai sim, vi vantagem. Isso sim é galopar sem cavalo.
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