Ilustração do autor, baseado em fotograma do filme “O Bandido da Luz Vermelha” de Rogério Sganzerla. |
Agouros Tropicais
Domênico Donaccio prometera várias vezes que iria ensinar Karine Aranjuez a atirar com uma arma de verdade. Na manhã do dia combinado, quando rumaram para uma praia no litoral paulista, ele estava bastante apreensivo, achando que algo iria dar errado, que seria um enorme erro emprestar seu revólver para sua namorada… afinal ela , em virtude de sua descendência espanhola, era bastante ciumenta e temperamental… mas fazer o quê ? promessa é dívida…
Depois de estacionarem, o nosso protagonista sentou-se sobre o chão e observou Karine descarregar o tambor do Smith & Wesson calibre 32… após minutos de silêncio, um velhinho aparece correndo, aos prantos, com um pássaro ferido na mão.
Ao se aproximar os dois viram que ele trazia um papagaio baleado… A ave olhou para o casal e disse em meio aos últimos suspiros: – “Nevermore”… e então fechou os olhos…
- Vocês mataram o meu papagaio!!! vocês não tem idéia do que fizeram!!! Ele era ensinado!!! Sabia declamar “The Raven” do Allan Poe, de cor e em inglês… eu ganhava a vida mostrando ele aos turistas, agora estou perdido… Vão embora seus filhos-da-mãe, nunca mais voltem aqui!!!
Domênico e Karine não abriram a boca, após meia hora ela disse que achava que era melhor que se separassem pois as últimas palavras do papagaio eram um tremendo mau agouro. Ele concordou silencioso …
O nosso protagonista frustrado, largou o emprego e se tornou funcionário público municipal, mais especificamente virou coveiro.
Devido a natureza do dia-a-dia de sua mais nova profissão ele começou a beber demais. Detalhe: não gostava de cachaça seu forte era gin desinfetava o aroma de defunto.
Uma noite, chegou em casa cambaleante, fritou um pedaço de contra-filé e se sentou para comer, mas a bebedeira era tamanha que ele dormiu sobre o bife… sonhou… sonhou que estava naquela mesma praia e que havia um navio que apitava três vezes e então ele jogava a arma no mar, aí uma ave aparecia no céu. Acordou … limpou o rosto e comeu a carne…
No dia deguinte, ligou para o trabalho dizendo que só iria no periodo da tarde. Foi para o litoral. Na praia avistou a embarcação e ouviu os três apitos. Arremessou então o 32 para os reinos de Netuno… À tarde, de volta ao ambiente de trabalho (cemitério), notou um corvo sobre uma lápide… se aproximou, a ave olhou para ele e cantou um samba de Noel Rosa:
“Se existe alma,
Se há outra encarnação
Eu queria que a mulata
Sapateasse em meu caixão” (*)
Domênico descobriu então que o pássaro cantava todo o repertório do ilustre sambista, de “Primeiro Amor” (Noel Rosa / Ernani Silva) a “Último Desejo” (Noel Rosa). Percebeu também que poderia dar a ave de presente para o velhinho caiçara, desfazer todo o mal cometido e a seguir se reconciliar com Karine Aranjuez… Batizou o corvo de “Lacerda” e o levou para o pobre pescador.
Deixou aquele emprego hediondo e parou de beber aquela coisa com gosto de perfume. Hoje está casado com Karine… um dia desses ela disse:
– “Meu bem e se em vez de me ensinar a atirar, você me levasse para pescar ???”
- “Tá louca ??? Nem pensar … E se de repente você pescar um revólver enferrujado ???”
- “Mas uma arma nessas condições não funciona.” Ela retrucou.
- “Será??? E se funcionasse??? Eu não iria achar de novo outro corvo como o ‘Lacerda’ “.
- “Não se preocupe , mesmo que isso acontecesse e acidentalmete a arma disparasse atingindo o ‘Lacerda’, desta vez eu acharia outra ave rara: um albatroz que declamasse Baudelaire ou uma arara que cantasse tudo do Ary Barroso.”
- “Então tá bom .”
Domênico Donaccio prometera várias vezes que iria ensinar Karine Aranjuez a atirar com uma arma de verdade. Na manhã do dia combinado, quando rumaram para uma praia no litoral paulista, ele estava bastante apreensivo, achando que algo iria dar errado, que seria um enorme erro emprestar seu revólver para sua namorada… afinal ela , em virtude de sua descendência espanhola, era bastante ciumenta e temperamental… mas fazer o quê ? promessa é dívida…
Depois de estacionarem, o nosso protagonista sentou-se sobre o chão e observou Karine descarregar o tambor do Smith & Wesson calibre 32… após minutos de silêncio, um velhinho aparece correndo, aos prantos, com um pássaro ferido na mão.
Ao se aproximar os dois viram que ele trazia um papagaio baleado… A ave olhou para o casal e disse em meio aos últimos suspiros: – “Nevermore”… e então fechou os olhos…
- Vocês mataram o meu papagaio!!! vocês não tem idéia do que fizeram!!! Ele era ensinado!!! Sabia declamar “The Raven” do Allan Poe, de cor e em inglês… eu ganhava a vida mostrando ele aos turistas, agora estou perdido… Vão embora seus filhos-da-mãe, nunca mais voltem aqui!!!
Domênico e Karine não abriram a boca, após meia hora ela disse que achava que era melhor que se separassem pois as últimas palavras do papagaio eram um tremendo mau agouro. Ele concordou silencioso …
O nosso protagonista frustrado, largou o emprego e se tornou funcionário público municipal, mais especificamente virou coveiro.
Devido a natureza do dia-a-dia de sua mais nova profissão ele começou a beber demais. Detalhe: não gostava de cachaça seu forte era gin desinfetava o aroma de defunto.
Uma noite, chegou em casa cambaleante, fritou um pedaço de contra-filé e se sentou para comer, mas a bebedeira era tamanha que ele dormiu sobre o bife… sonhou… sonhou que estava naquela mesma praia e que havia um navio que apitava três vezes e então ele jogava a arma no mar, aí uma ave aparecia no céu. Acordou … limpou o rosto e comeu a carne…
No dia deguinte, ligou para o trabalho dizendo que só iria no periodo da tarde. Foi para o litoral. Na praia avistou a embarcação e ouviu os três apitos. Arremessou então o 32 para os reinos de Netuno… À tarde, de volta ao ambiente de trabalho (cemitério), notou um corvo sobre uma lápide… se aproximou, a ave olhou para ele e cantou um samba de Noel Rosa:
“Se existe alma,
Se há outra encarnação
Eu queria que a mulata
Sapateasse em meu caixão” (*)
Domênico descobriu então que o pássaro cantava todo o repertório do ilustre sambista, de “Primeiro Amor” (Noel Rosa / Ernani Silva) a “Último Desejo” (Noel Rosa). Percebeu também que poderia dar a ave de presente para o velhinho caiçara, desfazer todo o mal cometido e a seguir se reconciliar com Karine Aranjuez… Batizou o corvo de “Lacerda” e o levou para o pobre pescador.
Deixou aquele emprego hediondo e parou de beber aquela coisa com gosto de perfume. Hoje está casado com Karine… um dia desses ela disse:
– “Meu bem e se em vez de me ensinar a atirar, você me levasse para pescar ???”
- “Tá louca ??? Nem pensar … E se de repente você pescar um revólver enferrujado ???”
- “Mas uma arma nessas condições não funciona.” Ela retrucou.
- “Será??? E se funcionasse??? Eu não iria achar de novo outro corvo como o ‘Lacerda’ “.
- “Não se preocupe , mesmo que isso acontecesse e acidentalmete a arma disparasse atingindo o ‘Lacerda’, desta vez eu acharia outra ave rara: um albatroz que declamasse Baudelaire ou uma arara que cantasse tudo do Ary Barroso.”
- “Então tá bom .”
(*) Fita Amarela (Noel Rosa)
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