Friday Sessions - Oil on Canvas by Olivier Longuet |
Edward é filho do embaixador do Brasil na Irlanda, Dr Jackson Stevenson Alves. Conheci o Dr. Jackson quando estive de férias em Recife, numa feira para realização de negócios e apresentação de projetos de tecnologia entre Irlanda e Brasil, sob o patrocínio dos Ministérios de ambos os Paises. Era um homem alto, aproximadamente 55 anos de idade e olhar atento. Era de pouca conversa, mas mesmo assim, pudemos entabular uma conversação sobre o acontecimento do dia, bem como algumas considerações sobre a política mundial e especialmente sobre o Brasil. Doutor Stevenson, sempre cordato, mas econômico nas palavras eximia-se de alguns comentários, talvez para não se envolver em assuntos de outros paises, por questão de soberania e respeito mútuo. Quando lhe disse que estivera com Toninho, perguntou-me um tanto surpreso.
- Que Toninho? Disse-lhe que era o Antonio Ferreira da Silva, Diretor da Metals Steel Inc. Ele abriu os olhos verdes encobertos por uma lente grossa e branca e acenou-me com a mão esquerda indicando-me um lugar onde pudéssemos sentar. Confesso que fiquei um tanto indeciso, mas depois percebi que havia apenas curiosidade dele em querer saber noticias do amigo que não o via há alguns anos. Alto e louro, Doutor Jackson pertencia a uma tradicional família de Recife, descendentes de holandeses, invasores de Pernambuco e inimigos dos portugueses no período colonial.
Seu Pai havia sido Prefeito de Recife, Deputado Federal e Senador. Seu bisavô Governador da Província e Conselheiro da República. Seu avô não seguiu a carreira política, apenas galgou o cargo de Conselheiro do Itamaraty, diplomata sem muita expressão, cuja carreira atingiu o ápice quando ocupou o cargo de embaixador do Brasil em Portugal, substituindo o titular, acometido por uma doença infecciosa, mas, apenas por dois anos.
Falava e escrevia fluentemente os idiomas Inglês, Francês, Alemão, Italiano, Espanhol e Irlandês, (Irlandês, ou Gaeilge, é o segundo idioma oficial que se fala na Irlanda, depois do Inglês). Irlanda, a 3ª. Maior ilha da Europa está dividida em duas, Republica da Irlanda e Irlanda do Norte, esta ainda faz parte do Reino Unido, os reais invasores ou descobridores, como querem alguns, que se apossaram da Ilha em 1801 e impuseram aos nativos grandes transformações e investimentos, que infelizmente não ocorreram no curto espaço do tempo, mas que para gáudio da população, atualmente seus líderes conseguiram uma coalizão e formaram um governo de união. Os conflitos internos, desde a sexta feira santa, de 1988, finalmente, parecem ter chegado ao fim, e a Irlanda do Norte, reencontrou seu caminho: a união entre católicos e protestantes, visualizado uma paz duradoura e rumo à união de toda a Ilha num futuro ainda duvidoso. Mesmo tendo a autonomia política, o país continua tendo a justiça e a policia sob o patrocínio do Reino Unido, que mantém um ministério para a região. Grandes passos, porém, já foram dados.
Doutor Jackson era diplomata. Servia em Dublin, como embaixador, há 15 anos. No começo da carreira foi Secretario da Embaixada, depois embaixador nomeado pelo amigo e Presidente, João Goulart com quem tinha grande afeição e amizade. Começou sua carreira como oficial e depois secretário de consulado junto à Comunidade Européia. Era muito respeitado pelos funcionários e admirado pelos superiores, notadamente pela sua cultura.
Na madrugada do dia 31 de março de 1964, foi despertado pelo secretário da embaixada, Senhor Francisco Ruiz Ferreira, para dar-lhe a notícia de que um golpe militar havia sido deflagrado no Brasil, com a sublevação das tropas de Minas Gerais e a adesão dos exércitos do Rio e São Paulo, pata destituir o Presidente João Goulart. Jango, como também era conhecido o Presidente da República foge para o Rio Grande do Sul contando com o apoio do Governador Leonel Brizola, seu cunhado, governador do Estado. O Presidente não queria o derramamento de sangue do povo brasileiro, e por isso resolveu asilar-se no Uruguai, fronteira com sua terra natal, Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, aonde viveu pelo resto dos anos de sua vida, até o dia de sua controvertida morte.
Dr. Jackson foi informado pelo seu secretário que lhe passou a seguinte notícia.
- Senhor Embaixador, o Presidente João Goulart foi destituído do cargo de Presidente por uma junta militar que o obrigou a fugir afim de não ser preso e deportado. O exército fechou o Congresso Nacional e bloqueou todos os portos e aeroportos do País.
- Não temos, no momento como obter outras informações, pois todos os canais de noticias estão bloqueados no Brasil disse. - Vamos esperar até mais tarde para obtermos novas notícias. Boa Noite – Desligou o telefone e retornou imediatamente ao seu posto na Embaixada.
Tudo permanecia obscuro, nenhuma informação chegava à Embaixada, até que finalmente, um fax passado no dia seguinte pelo encarregado dos negócios exteriores do Itamaraty, confirmou oficialmente a noticia. O Presidente fora deposto. O Senado Federal através do Senador Moura de Andrade declarou vago o cargo do Chefe da Nação e elegeu o Deputado Ranieri Mazzili o novo presidente, dando-lhe posse imediata e sob juramento no Congresso Nacional. Após o desfecho e acertado os detalhes de transmissão de cargos, a junta militar assumiu o País. Congresso fechado, sindicalistas e estudantes presos, deputados, governadores, senadores cassados e com direitos políticos suspensos, alguns presos outros exilados, funcionários públicos demitidos... Um caos!
O Embaixador tomou conhecimento da situação político-administrativa e recolheu-se ao seu gabinete, triste, mas cônscio de seus deveres e obrigações para com a Pátria que representava e que tanto serviu com honra, orgulho e dignidade. Não queria comentar nada com seus subordinados até inteirar-se definitivamente dos fatos. Não queria causar pânico entre as famílias daqueles que direta ou indiretamente viviam sob sua custódia. Indagava-se agora como aceitar algumas determinações, sem ao menos conhecer de seus superiores o motivo da deposição do Presidente, e o que fazer depois. Acatou algumas ordens que lhe foram transmitidas e recusou-se a aceitar outras que julgou desnecessárias e inconvenientes, dada à reputação que sempre gozou no meio diplomático e no país que servia, mormente do ponto de vista ético e moral, que não o obrigava a cumprir, contrariando sua posição social perante a comunidade que representava. Mesmo insubordinando-se, ainda assim permaneceu na Embaixada da Irlanda enquanto aguardando novas ordens e novos contatos. Presumiram os novos dirigentes da política externa brasileira, sob a égide do Ato Institucional número 05, que o Embaixador havia desrespeitado a instituição, descumprindo ordens do novo Ministro das Relações Exteriores de não querer regressar ao país.
Puro engano! O Embaixador, homem culto e inteligente, jamais teria tamanha insensatez de transgredir ordens superiores. Essa atitude do Embaixador foi o marco inicial para uma relação conflituosa com o novo Ministro. No dia 02 de abril de 1969, um mês após a eclosão do golpe militar deram-lhe ordens para retornar imediatamente ao País, sob a condição de tornar –se desertor, caso não se apresentasse. Foi substituído no cargo pelo Secretário Adjunto.
Ao desembarcar no aeroporto de Brasília, seguiu diretamente para o Itamarati. Lá já o esperava uma Junta Militar, com um processo pré-concluso e uma sindicância em andamento, acusando-o de pertencer ao Partido Comunista, de conspirar contra o país e ter-se recusado se apresentar ao seu superior. Foi demitido do serviço público e preso. Seis meses após a prisão, num processo conturbado, sem direito à defesa, mal dirigido e mal formulado, consideram-no culpado. Sentenciado a cinco anos de reclusão, cumpriu a pena no Presídio de Fernando de Noronha. Permaneceu preso apenas três meses. Concederam-lhe o exílio por exigência de alguns simpatizantes do MR8, em troca da liberdade do embaixador americano no Brasil, que havia sido seqüestrado.
Exilou-se na França.
Para sobreviver fazia palestras e conferências, além de lecionar Ciências Políticas e Sociais na Universidade de Sorbonne. Naquela época, Edward tinha um ano de idade. Morou em Paris por dez anos.
Retornou ao Brasil em 1979, permanecendo apenas dois anos, quando saiu definitivamente e foi residir em Dublin, cidade em que passou grande parte de sua vida, que sempre admirou e gostou de viver e aonde seus filhos nasceram e cresceram. Foi em Dublin que Edward nasceu e cresceu sob a rigidez educacional imposta por seus pais. Formou-se em Engenharia Eletrônica e Comunicação Social. Doutorou-se em Literatura Universal pela Universidade de Oxford, em Londres, em cuja universidade lecionou literatura universal por dois anos.
Escrevia artigos sobre literatura universal nos jornais locais. Tinha uma coluna diária no Irish Independent onde abordava assuntos relacionados com a matéria da qual era Mestre, notadamente da literatura brasileira, terra de seus pais e que sempre lhe fascinou. Edward sempre gostou de escrever. Seu maior desejo era publicar um livro em que manifestasse todo o seu interior, dissecasse a vida difícil do homem simples do campo, e lançasse o desafio para a sociedade dos abastados para quem nada falta.
Certa vez, num pub, no final da jornada diária, Edward confidenciou-me este desejo e deixou-me transparecer essa vontade. Desejava publicar um livro. Mostrou-me um esboço, dezenas de paginas, algumas manuscritas, outras datilografadas que li e gostei. Disse-lhe que tinha um amigo editor que poderia lhe ajudar. Conseguimos marcar uma audiência com Mr. George F. Smith para o dia seguinte.
Mr. Smith, executivo e diretor da editora Nova Dublin morava numa bela casa assobradada perto da Fênix Parque. Às 9 horas estávamos na recepção da editora, um prédio de aspecto rústico, comum em Dublin, aguardando para que nos atendesse. Alguns minutos depois, Mrs. Janne, sua secretária, acompanhou-nos até seu gabinete. A sala era decorada com ilustrações poéticas e trechos literários de vários escritores do mundo inteiro. Vi e li frases de Jorge Amado e Paulo Coelho e também de Saramago. Não vi e nem li mais porque não houve tempo. Logo Mister Smith mandou-nos sentar, serviu–nos café e perguntou sobre o projeto. A mesa de Mr. Smith era de carvalho escuro, estilo colonial e sobre ela havia uma bandeira do Brasil sob um vidro brilhante e transparente. Em frente à mesa existiam duas cadeiras, também de estilo colonial, forradas em couro escuro. Ao redor da mesa havia várias estatuetas de bronze e de barro, que salvo engano de minha parte, eram peças artesanais talvez de Recife ou Maranhão.
-Então Mr. Edward deseja realmente iniciar-se no campo literário? Perguntou Mr. Smith, com um vozeirão alforriado, característica de um nobre irlandês. A bochecha rechonchuda e vermelha, estremeciam de um lado a outro da boca, quando falava.
-Quais são suas pretensões e seu objetivo pata que possamos progredir.Tenho a sua disposição duas editoras, desde que a obra alcance o anseio. Ultimamente o mercado literário está bastante exigente.(traduzir para Inglês)
Edward detalhou minuciosamente seu projeto e suas idéias. Mr. Smith ouviu-o atentamente, às vezes queria saber de alguns pormenores e exclamava;
- Tell me about this.
- Oh... Very Good. Mutcho bom, dizia num português meio esfacelado, fitando-nos com aqueles olhos verdes arregalados, com expressão de alegria.
Eu só ouvia e nada respondia, fingia não estar prestando atenção à conversa. Olhava para todos os lados da sala, para cima, para baixo. Desviava os olhos, quando ele me olhava.
Num determinado momento ouvi um grito de contentamento de Edward - apesar de não estar atento à conversa dos dois- quando Mr. Smith vociferou:
Mr. Edward, You have a excellent history. I can to publicher your book!
Neste instante não pude conter a alegria e a satisfação de ter ouvido aquelas palavras e dirigi meu olhar para Edward que também estava estupefato pelo que acabara de dizer Mr. Smith. Nada lhe disse, porem, fitei meus olhos aos seus,quando pude notar sua extravagante alegria. .
O encontro com Mr. Smith foi realmente agradável e muito proveitoso. Não interagi em momento algum, primeiro para não interrompê-los, e segundo por não ter qualquer interesse pessoal ou financeiro no projeto, por ser amigo de ambos. Apenas ouvia, e quando qualquer um deles me olhava, balançava a cabeça, sem oferecer, entretanto, qualquer sugestão.
Ao sair da sala de Mr. Smith, Edward abraçou-me, quando pude notar em seu olhar a demonstração de agradecimento e amizade –
- Amigo, saio daqui bastante confiante deste encontro. Acho que em breve você terá o prazer de ler e reler um livro que, de certo modo, traça um pouco do “modus vivendi” do povo do Brasil.
Disse-me que não sabia como agradecer-me e estava bastante esperançoso com o resultado da conversa, e repetiu por varias vezes que o encontro tinha sido realmente muito bom, e que havia grandes possibilidades da assinatura de um contrato de intenções mútuas para a publicação de outras obras inéditas ainda de sua autoria, desde que a exclusividade fosse da Editora Crawford, também de sua propriedade.
Já estava no Brasil quando tomei conhecimento através da Internet que a editora Crawford havia publicado o livro em dois idiomas: o Inglês e o Irlandês, este último nativo e original, atualmente ministrado nas escolas e obrigatório em todo país. Após alguns dias, Edward informou-me através de e-mail que o livro estava tendo boa aceitação e poderia tornar-se sucesso de vendas entre o publico da Irlanda. Mandou-me meses depois, um convite para a noite de autógrafo que seria realizado no salão nobre da editora com a presença de personalidades do mundo literário. Não pude comparecer por problemas particulares e familiares, contudo, através de e-mail lhe enviado, desejei-lhe sucesso, e roguei a Deus que o abençoasse e lhe proporcionasse fortes luzes capazes de iluminar o espaço literário que acabara de conquistar. Alguns dias depois recebi um exemplar por ele autografado, com a seguinte dedicatória escrita do próprio punho:
- ”To my friend and brother whit love, Edward. Dublin, Aug 16th 2006.”
A capa, muito bem diagramada era de autoria de Down Track, um famoso publicitário de Belfast. O título em Inglês também era bastante sugestivo: “The Liunas City”.
Descrevia a história de uma cidade típica do norte de Mato Grosso, no Brasil, com os personagens, Pedro Tristão e João Simão, dois artesãos expoentes da música de cocho e da literatura popular. Entre outros personagens havia também Padre Frido, figura enigmática, alemão de nascimento, de profissão duvidosa, pois segundos algumas línguas ferinas da cidade, Padre Frido ou Frido Doier, seu nome natural, viera até Liúnas foragido da justiça alemã, condenado por crimes de sonegação fiscal, prostituição, jogatina e alguns homicídios a ele atribuídos, porém, não provados. A cidade inteira comentava seu passado e suas atitudes, porem, todos tinham receio de falar, mesmo porque jamais alguém pôde provar coisa alguma, e ele seguia tranquilamente com seus sermões e pregações.
A primeira edição alcançou a tiragem de 5.000 exemplares que se esgotou rapidamente.
Soube mais tarde que o Doutor Stevenson tinha um outro filho que vivia nos Estados Unidos, na cidade de Las Vegas, no Estado de Nevada e trabalhava no famoso Cirque Du Soleil. Quando uma variante do circo denominada de “Saltimbanco”, um dos vários espetáculos do Cirque Du Soleil esteve no Brasil fomos assistir. Cortesia de Alex, que a pedido do seu Pai nos concedeu graciosamente os ingressos, cuja autorização nos foi liberada na bilheteria mediante nossa identificação.
Aos 72 anos, Doutor Stevenson vive confortavelmente numa bela casa assobradada cercada de verde, com um jardim florido, num dos melhores bairros da cidade de Dublin. Leciona Ciências Políticas e Sociais e escreve artigos para jornais locais. Traduz para o inglês e para a língua irlandesa artigos de jornais e revistas brasileiras que interessam aos leitores da Irlanda e dos paises que compõem o eixo do Reino-Unido: Inglaterra, Escócia, Islândia e Irlanda do Norte. Também traduz para o português, obras de autores irlandeses, principalmente de James Joyce, por força de contrato com a editora para a qual trabalha.
No comments:
Post a Comment