Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

Conto - José Miranda Filho

The Road To Recovery ~ Randall Weidner

Encontro de Amigos - Parte 24

Dona Josefina Stevenson, a mãe de Edward, após o sepultamento do marido, retornou a São Paulo, voltando a residir no imóvel de propriedade da família, no bairro do Morumbi. A casa fora herdada de Miguel Apolônio de Freitas, Barão de Itaguaçu, bisavô de Dona Josefina, cafeicultor e líder político local. Don Miguel Apolônio foi um dos constitucionalistas que em 1932, sob o comando do Coronel Euclides Figueiredo, deflagrou a revolta contra o governo federal, exigindo a constituinte imediata, cujo motivo alegado era o esbanjamento do erário público, a ruinosa Política do Café e a ocupação militar do Estado depois da tentativa de deposição do Coronel João Alberto Lins e Barros, nomeado interventor federal no Estado de São Paulo. Aos 74 anos Dona Josefina dedicava-se a obras assistenciais. Fundou as entidades, Associação dos Menores sem Lar e Abrigo para Moradores de Rua, que dirigia, patrocinava e administrava, juntamente com outras mulheres, também viúvas de embaixadores. As entidades não recebiam subvenção e qualquer ajuda do poder público. Eram subvencionadas por elas mesmas e por algumas empresas particulares que conheciam o empenho e a dedicação dessas destemidas senhoras que iam à luta e se preciso fosse pediriam esmolas nas ruas da cidade, mas não se humilhariam jamais e nem se submeteriam à orientação de qualquer órgão Federal, Estadual ou Municipal, que consideravam corruptos. Dariam satisfação à sociedade, se necessário fosse, se da sociedade viesse algum tipo de ajuda.

Numa manhã de novembro de 2006, no cruzamento da Avenida 9 de Julho com a Rua Europa, quando se dirigia para uma das entidades, Dona Josefina escutou alguém bater no vidro do carro com um objeto, que a princípio lhe pareceu um revólver. Só poderia ser assalto, pensou! Controlando-se para não demonstrar medo, tentou dialogar com o assaltante. O moleque não tinha mais do que 15 anos de idade. Portava um revolver calibre 32 numa das mãos e na outra segurava uma sacola dessas de mercado, provavelmente para colocar o produto do assalto ou cola de sapateiro para cheirar.

Devagarzinho, Dona Josefina abriu o vidro do carro e disse para o meliante:

Meu filho, posso pegar minha bolsa?

Anda logo coroa, senão eu te mato, resmungou o garoto, nervoso.

Quando Dona Josefina virou-se, ouviu-se um estampido seco e estridente. O assaltante assustou-se com o gesto que ela fizera para apanhar a bolsa que estava sob o banco do passageiro, onde ela sempre deixava. O tiro atingiu-lhe a mandíbula e alojou-se no encosto de cabeça do banco do passageiro. Socorrida, foi levada ao Hospital 9 de Julho e operada. Não sofreu conseqüências maiores. Quinze dias depois já estava à frente de suas entidades, como se nada tivesse acontecido. A quem lhe perguntava o que havia ocorrido, a todos, ela dizia:

Isto é coisa de cidade grande. A violência está em todos os lugares. Se as autoridades não criarem emprego para os pais dessas crianças não sabemos aonde vamos parar. A culpa é nossa, da sociedade, que nada faz. Se todos fizessem sua parte não haveria tanta catástrofe nas ruas de São Paulo. Não sei o que é pior: o povo passar fome ou não ter emprego, dizia. Devemos ter vergonha de encarar nossos semelhantes desempregados e com fome, enquanto temos emprego e nada fazemos para ajudá-los. Tenho vergonha de ver alguém pedindo esmolas na rua, enquanto as autoridades nos dizem para negar, mas nada fazem para evitar.

Uma semana depois, o moleque assaltante que se chamava Adão e morava em Francisco Morato com a madrasta, se tornara um dos internos da Associação dos Menores sem Lar. Fora para lá por ordem judicial porque havia assaltado outra vítima, desta vez com morte. Já era um delinqüente perigoso, um homicida. Dona Josefina o recebeu na porta da entidade e travou com ele o seguinte dialogo:

Adão, olhe bem para mim, você se lembra daquele dia em que me apontou um revólver e, sem motivo algum, disparou atingindo-me a mandíbula?

Ele apenas olhava aquela senhora bondosa, e nada respondia. Pensativo, imaginava-se praticando tão absurdo ato de repúdio e horror.

Mas eu te perdôo, dizia ela com um sorriso alegre no rosto.

Adão enrubesceu e desfigurou-se diante de tanta humildade e bondade.

Dona Josefina, por Deus eu peço perdão pelos meus crimes. Quero que Deus me castigue pelos atos que cometi. Agora é que vejo quanta barbaridade pratiquei. Não tenho direito de viver em liberdade, principalmente, neste local sob seus cuidados.

Meu filho, disse Dona Josefina. A vida a Deus pertence. Só ele tem o direito de tirá-la. O importante é que você se arrependa do mal que causou a outrem.

Adão permaneceu na casa por cinco anos, até completar a maioridade e ver-se reabilitado ao convívio social. Era um outro garoto. Transformou-se num moço de brios, educado e cheio de esperanças. Estudava a noite e de dia ajudava nos trabalhos do Lar, sob a supervisão das outras mulheres, a quem carinhosamente as chamava de Tia. Tornou-se um voluntário da associação.

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adriana Pessolato Adília Lopes Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda Antonio Romane António Nobre Ari Candido Fernandes Ari Cândido Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Cândido Rolim Dantas Mota David Butler Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Décio Pignatari Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats Josep Daústin José Carlos de Souza José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago José de Almada-Negreiros João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Léon Laleau Lêdo Ivo Magnhild Opdol Manoel de Barros Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mario Quintana Mariângela de Almeida Marly Agostini Franzin Marta Penter Marçal Aquino Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Márcio-André Mário Chamie Mário Faustino Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Nadir Afonso Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Nâzım Hikmet Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Pádraig Mac Piarais Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Renato Borgomoni Renato Rezende Renato de Almeida Martins Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Régis Bonvicino Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastian Guerrini Sebastià Alzamora Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Silvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano Sílvio Ferreira Leite Sílvio Fiorani The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix Álvaro de Campos Éle Semog