The Road To Recovery ~ Randall Weidner |
Encontro de Amigos - Parte 24
Dona Josefina Stevenson, a mãe de Edward, após o sepultamento do marido, retornou a São Paulo, voltando a residir no imóvel de propriedade da família, no bairro do Morumbi. A casa fora herdada de Miguel Apolônio de Freitas, Barão de Itaguaçu, bisavô de Dona Josefina, cafeicultor e líder político local. Don Miguel Apolônio foi um dos constitucionalistas que em 1932, sob o comando do Coronel Euclides Figueiredo, deflagrou a revolta contra o governo federal, exigindo a constituinte imediata, cujo motivo alegado era o esbanjamento do erário público, a ruinosa Política do Café e a ocupação militar do Estado depois da tentativa de deposição do Coronel João Alberto Lins e Barros, nomeado interventor federal no Estado de São Paulo. Aos 74 anos Dona Josefina dedicava-se a obras assistenciais. Fundou as entidades, Associação dos Menores sem Lar e Abrigo para Moradores de Rua, que dirigia, patrocinava e administrava, juntamente com outras mulheres, também viúvas de embaixadores. As entidades não recebiam subvenção e qualquer ajuda do poder público. Eram subvencionadas por elas mesmas e por algumas empresas particulares que conheciam o empenho e a dedicação dessas destemidas senhoras que iam à luta e se preciso fosse pediriam esmolas nas ruas da cidade, mas não se humilhariam jamais e nem se submeteriam à orientação de qualquer órgão Federal, Estadual ou Municipal, que consideravam corruptos. Dariam satisfação à sociedade, se necessário fosse, se da sociedade viesse algum tipo de ajuda.
Numa manhã de novembro de 2006, no cruzamento da Avenida 9 de Julho com a Rua Europa, quando se dirigia para uma das entidades, Dona Josefina escutou alguém bater no vidro do carro com um objeto, que a princípio lhe pareceu um revólver. Só poderia ser assalto, pensou! Controlando-se para não demonstrar medo, tentou dialogar com o assaltante. O moleque não tinha mais do que 15 anos de idade. Portava um revolver calibre 32 numa das mãos e na outra segurava uma sacola dessas de mercado, provavelmente para colocar o produto do assalto ou cola de sapateiro para cheirar.
Devagarzinho, Dona Josefina abriu o vidro do carro e disse para o meliante:
Meu filho, posso pegar minha bolsa?
Anda logo coroa, senão eu te mato, resmungou o garoto, nervoso.
Quando Dona Josefina virou-se, ouviu-se um estampido seco e estridente. O assaltante assustou-se com o gesto que ela fizera para apanhar a bolsa que estava sob o banco do passageiro, onde ela sempre deixava. O tiro atingiu-lhe a mandíbula e alojou-se no encosto de cabeça do banco do passageiro. Socorrida, foi levada ao Hospital 9 de Julho e operada. Não sofreu conseqüências maiores. Quinze dias depois já estava à frente de suas entidades, como se nada tivesse acontecido. A quem lhe perguntava o que havia ocorrido, a todos, ela dizia:
Isto é coisa de cidade grande. A violência está em todos os lugares. Se as autoridades não criarem emprego para os pais dessas crianças não sabemos aonde vamos parar. A culpa é nossa, da sociedade, que nada faz. Se todos fizessem sua parte não haveria tanta catástrofe nas ruas de São Paulo. Não sei o que é pior: o povo passar fome ou não ter emprego, dizia. Devemos ter vergonha de encarar nossos semelhantes desempregados e com fome, enquanto temos emprego e nada fazemos para ajudá-los. Tenho vergonha de ver alguém pedindo esmolas na rua, enquanto as autoridades nos dizem para negar, mas nada fazem para evitar.
Uma semana depois, o moleque assaltante que se chamava Adão e morava em Francisco Morato com a madrasta, se tornara um dos internos da Associação dos Menores sem Lar. Fora para lá por ordem judicial porque havia assaltado outra vítima, desta vez com morte. Já era um delinqüente perigoso, um homicida. Dona Josefina o recebeu na porta da entidade e travou com ele o seguinte dialogo:
Adão, olhe bem para mim, você se lembra daquele dia em que me apontou um revólver e, sem motivo algum, disparou atingindo-me a mandíbula?
Ele apenas olhava aquela senhora bondosa, e nada respondia. Pensativo, imaginava-se praticando tão absurdo ato de repúdio e horror.
Mas eu te perdôo, dizia ela com um sorriso alegre no rosto.
Adão enrubesceu e desfigurou-se diante de tanta humildade e bondade.
Dona Josefina, por Deus eu peço perdão pelos meus crimes. Quero que Deus me castigue pelos atos que cometi. Agora é que vejo quanta barbaridade pratiquei. Não tenho direito de viver em liberdade, principalmente, neste local sob seus cuidados.
Meu filho, disse Dona Josefina. A vida a Deus pertence. Só ele tem o direito de tirá-la. O importante é que você se arrependa do mal que causou a outrem.
Adão permaneceu na casa por cinco anos, até completar a maioridade e ver-se reabilitado ao convívio social. Era um outro garoto. Transformou-se num moço de brios, educado e cheio de esperanças. Estudava a noite e de dia ajudava nos trabalhos do Lar, sob a supervisão das outras mulheres, a quem carinhosamente as chamava de Tia. Tornou-se um voluntário da associação.
Dona Josefina Stevenson, a mãe de Edward, após o sepultamento do marido, retornou a São Paulo, voltando a residir no imóvel de propriedade da família, no bairro do Morumbi. A casa fora herdada de Miguel Apolônio de Freitas, Barão de Itaguaçu, bisavô de Dona Josefina, cafeicultor e líder político local. Don Miguel Apolônio foi um dos constitucionalistas que em 1932, sob o comando do Coronel Euclides Figueiredo, deflagrou a revolta contra o governo federal, exigindo a constituinte imediata, cujo motivo alegado era o esbanjamento do erário público, a ruinosa Política do Café e a ocupação militar do Estado depois da tentativa de deposição do Coronel João Alberto Lins e Barros, nomeado interventor federal no Estado de São Paulo. Aos 74 anos Dona Josefina dedicava-se a obras assistenciais. Fundou as entidades, Associação dos Menores sem Lar e Abrigo para Moradores de Rua, que dirigia, patrocinava e administrava, juntamente com outras mulheres, também viúvas de embaixadores. As entidades não recebiam subvenção e qualquer ajuda do poder público. Eram subvencionadas por elas mesmas e por algumas empresas particulares que conheciam o empenho e a dedicação dessas destemidas senhoras que iam à luta e se preciso fosse pediriam esmolas nas ruas da cidade, mas não se humilhariam jamais e nem se submeteriam à orientação de qualquer órgão Federal, Estadual ou Municipal, que consideravam corruptos. Dariam satisfação à sociedade, se necessário fosse, se da sociedade viesse algum tipo de ajuda.
Numa manhã de novembro de 2006, no cruzamento da Avenida 9 de Julho com a Rua Europa, quando se dirigia para uma das entidades, Dona Josefina escutou alguém bater no vidro do carro com um objeto, que a princípio lhe pareceu um revólver. Só poderia ser assalto, pensou! Controlando-se para não demonstrar medo, tentou dialogar com o assaltante. O moleque não tinha mais do que 15 anos de idade. Portava um revolver calibre 32 numa das mãos e na outra segurava uma sacola dessas de mercado, provavelmente para colocar o produto do assalto ou cola de sapateiro para cheirar.
Devagarzinho, Dona Josefina abriu o vidro do carro e disse para o meliante:
Meu filho, posso pegar minha bolsa?
Anda logo coroa, senão eu te mato, resmungou o garoto, nervoso.
Quando Dona Josefina virou-se, ouviu-se um estampido seco e estridente. O assaltante assustou-se com o gesto que ela fizera para apanhar a bolsa que estava sob o banco do passageiro, onde ela sempre deixava. O tiro atingiu-lhe a mandíbula e alojou-se no encosto de cabeça do banco do passageiro. Socorrida, foi levada ao Hospital 9 de Julho e operada. Não sofreu conseqüências maiores. Quinze dias depois já estava à frente de suas entidades, como se nada tivesse acontecido. A quem lhe perguntava o que havia ocorrido, a todos, ela dizia:
Isto é coisa de cidade grande. A violência está em todos os lugares. Se as autoridades não criarem emprego para os pais dessas crianças não sabemos aonde vamos parar. A culpa é nossa, da sociedade, que nada faz. Se todos fizessem sua parte não haveria tanta catástrofe nas ruas de São Paulo. Não sei o que é pior: o povo passar fome ou não ter emprego, dizia. Devemos ter vergonha de encarar nossos semelhantes desempregados e com fome, enquanto temos emprego e nada fazemos para ajudá-los. Tenho vergonha de ver alguém pedindo esmolas na rua, enquanto as autoridades nos dizem para negar, mas nada fazem para evitar.
Uma semana depois, o moleque assaltante que se chamava Adão e morava em Francisco Morato com a madrasta, se tornara um dos internos da Associação dos Menores sem Lar. Fora para lá por ordem judicial porque havia assaltado outra vítima, desta vez com morte. Já era um delinqüente perigoso, um homicida. Dona Josefina o recebeu na porta da entidade e travou com ele o seguinte dialogo:
Adão, olhe bem para mim, você se lembra daquele dia em que me apontou um revólver e, sem motivo algum, disparou atingindo-me a mandíbula?
Ele apenas olhava aquela senhora bondosa, e nada respondia. Pensativo, imaginava-se praticando tão absurdo ato de repúdio e horror.
Mas eu te perdôo, dizia ela com um sorriso alegre no rosto.
Adão enrubesceu e desfigurou-se diante de tanta humildade e bondade.
Dona Josefina, por Deus eu peço perdão pelos meus crimes. Quero que Deus me castigue pelos atos que cometi. Agora é que vejo quanta barbaridade pratiquei. Não tenho direito de viver em liberdade, principalmente, neste local sob seus cuidados.
Meu filho, disse Dona Josefina. A vida a Deus pertence. Só ele tem o direito de tirá-la. O importante é que você se arrependa do mal que causou a outrem.
Adão permaneceu na casa por cinco anos, até completar a maioridade e ver-se reabilitado ao convívio social. Era um outro garoto. Transformou-se num moço de brios, educado e cheio de esperanças. Estudava a noite e de dia ajudava nos trabalhos do Lar, sob a supervisão das outras mulheres, a quem carinhosamente as chamava de Tia. Tornou-se um voluntário da associação.
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