Ilustração de José Geraldo de Barros Martins |
O Pedinte
Antigamente aquilo era chamado de estafa, depois com a mania das pessoas usarem termos anglo-saxônicos passou a ser chamado de stress... pois bem, não importa a palavra, mas aquilo estava transformando Estanislau Laurindo em uma pessoa diferente... antes ele era uma pessoa afável, bem humorada, que se interessava em ver novas coisas, que prestava atenção em cada detalhe... com o tempo passou a ostentar um ar blasé, tudo o irritava e nada mais despertava a sua atenção... nem mesmo o contato com sua esposa e sua filha fazia com que não se irritasse com as coisas mais ínfimas...
As coisas mais complicadas, como dirigir no trânsito absurdo, ir ao hipermercado, falar com estas garotas de telemarketing (do tipo “vamos estar agendando”) então nem pensar... delegava tudo para sua mulher.
Um dia caminhando na hora do almoço, pelo viaduto Tutóia, ouviu um mendigo a cantar:
“Não fala com pobre, não dá mão a preto não carrega embrulho pra quê tanta pose, doutor pra quê esse orgulho”
O primeiro pensamento que surgiu na mente doentia de nosso protagonista foi espancar o pobre coitado, uma vez que achou que o pedinte estava gozando da cara dele, porém ele percebeu que conhecia esta música e ficou tentando se lembrar qual era o nome da canção e quem era o autor... a única coisa que se recordava era que a música tinha sido gravada por Isaurinha Garcia...A noite foi procurar na sua coleção de discos de vinil, nesta altura um tanto esquecida, e por fim verificou que era o samba “A Banca do Distinto”, composta por Billy Blanco.
No dia seguinte, avistando o mendigo no mesmo lugar, aproximo-se e após um sorriso um tanto quanto sem graça, deu a ele uma moeda... o pedinte olhou-o no fundo dos olhos e sorriu agradecido com seus poucos dentes encardidos e seus lábios um tanto quanto moles e cheios de saliva...
A partir daquele gesto, Estanislau Laurindo passou a dar esmolas diariamente ao sujeito e paralelamente começou a recuperar a alegria de viver: limpou sua coleção de vinis com uma flanela embebida em sabão de côco, passou-os a escutar sambas antigos todas as noites, voltou a tomar as suas tacinhas de vinho, passou a se preocupar menos com o trabalho, voltou a fazer exercícios, etc... Porém um dia sua filha adoeçeu... um problema seríssimo fez com que ela fosse internada no Hospital do Coração... O nosso protagonista prometeu então que iria mandar rezar uma missa se ela recuperasse a saúde, e que a igreja escolhida seria a do Santíssimo Sacramento, junto ao viaduto Tutóia, ao lado do local em que o mendigo fazia ponto... (para dar sorte, pensou).
Foi só prometer que ela se reestabeleceu de imediato...
Promessa é dívida... então o nosso protagonista mandou rezar a missa conforme combinado com o Todo Poderoso... minutos antes da celebração o padre pediu que ele fizesse o ofertório... Estanislau Laurindo a princípio não quis aceitar o convite, pois como não era católico praticante não conhecia direito este negócio de ficar passando a sacolinha a pedir donativos... porém como sua esposa e sua filha pediram para que aceitasse, ele ficou sem jeito e topou a parada.
Na hora do ofertório o nosso amigo pegou o saco de pano vermelho e saiu à luta... no princípio estava tímido, mas depois foi se soltando... de repente a surpresa: adivinhem quem estava em um dos últimos bancos???
Ninguém mais, ninguém menos do que “o pedinte”, com seu terno encardido marrom, seu chapéu da mesma cor, seu colete verde-musgo e seu sobretudo cinza... Diante da surpreendente visão, Estanislau Laurindo viu-se em um terrível dilema: pedir ou não pedir donativos ao mendigo??? a primeira hipótese pareceu absurda: como ele, um empresário, iria pedir esmolas a um indigente??? mas também não pedir poderia ser ofensivo, poderia parecer discriminação... na hora hagá ele estendeu a sacolinha e para a surpresa geral o pedinte repetiu aquele sorriso encardido e cheio de saliva e tirou uma porção de moedas do bolso, enchendo o saco (desculpe-me pelo trocadilho) do ofertório...
Se antes daquele gesto o nosso protagonista estava começando a deixar de ser um morto-vivo, a partir daquele instante o seu processo da transformação sofreu uma intensa catalização: ele percebeu a futilidade, a imbecilidade, a hipocrisia,a avareza, enfim a pequenez que nos envolve... percebeu então que estava diante do rei e rodeado de mendigos!!!
Antigamente aquilo era chamado de estafa, depois com a mania das pessoas usarem termos anglo-saxônicos passou a ser chamado de stress... pois bem, não importa a palavra, mas aquilo estava transformando Estanislau Laurindo em uma pessoa diferente... antes ele era uma pessoa afável, bem humorada, que se interessava em ver novas coisas, que prestava atenção em cada detalhe... com o tempo passou a ostentar um ar blasé, tudo o irritava e nada mais despertava a sua atenção... nem mesmo o contato com sua esposa e sua filha fazia com que não se irritasse com as coisas mais ínfimas...
As coisas mais complicadas, como dirigir no trânsito absurdo, ir ao hipermercado, falar com estas garotas de telemarketing (do tipo “vamos estar agendando”) então nem pensar... delegava tudo para sua mulher.
Um dia caminhando na hora do almoço, pelo viaduto Tutóia, ouviu um mendigo a cantar:
“Não fala com pobre, não dá mão a preto não carrega embrulho pra quê tanta pose, doutor pra quê esse orgulho”
O primeiro pensamento que surgiu na mente doentia de nosso protagonista foi espancar o pobre coitado, uma vez que achou que o pedinte estava gozando da cara dele, porém ele percebeu que conhecia esta música e ficou tentando se lembrar qual era o nome da canção e quem era o autor... a única coisa que se recordava era que a música tinha sido gravada por Isaurinha Garcia...A noite foi procurar na sua coleção de discos de vinil, nesta altura um tanto esquecida, e por fim verificou que era o samba “A Banca do Distinto”, composta por Billy Blanco.
No dia seguinte, avistando o mendigo no mesmo lugar, aproximo-se e após um sorriso um tanto quanto sem graça, deu a ele uma moeda... o pedinte olhou-o no fundo dos olhos e sorriu agradecido com seus poucos dentes encardidos e seus lábios um tanto quanto moles e cheios de saliva...
A partir daquele gesto, Estanislau Laurindo passou a dar esmolas diariamente ao sujeito e paralelamente começou a recuperar a alegria de viver: limpou sua coleção de vinis com uma flanela embebida em sabão de côco, passou-os a escutar sambas antigos todas as noites, voltou a tomar as suas tacinhas de vinho, passou a se preocupar menos com o trabalho, voltou a fazer exercícios, etc... Porém um dia sua filha adoeçeu... um problema seríssimo fez com que ela fosse internada no Hospital do Coração... O nosso protagonista prometeu então que iria mandar rezar uma missa se ela recuperasse a saúde, e que a igreja escolhida seria a do Santíssimo Sacramento, junto ao viaduto Tutóia, ao lado do local em que o mendigo fazia ponto... (para dar sorte, pensou).
Foi só prometer que ela se reestabeleceu de imediato...
Promessa é dívida... então o nosso protagonista mandou rezar a missa conforme combinado com o Todo Poderoso... minutos antes da celebração o padre pediu que ele fizesse o ofertório... Estanislau Laurindo a princípio não quis aceitar o convite, pois como não era católico praticante não conhecia direito este negócio de ficar passando a sacolinha a pedir donativos... porém como sua esposa e sua filha pediram para que aceitasse, ele ficou sem jeito e topou a parada.
Na hora do ofertório o nosso amigo pegou o saco de pano vermelho e saiu à luta... no princípio estava tímido, mas depois foi se soltando... de repente a surpresa: adivinhem quem estava em um dos últimos bancos???
Ninguém mais, ninguém menos do que “o pedinte”, com seu terno encardido marrom, seu chapéu da mesma cor, seu colete verde-musgo e seu sobretudo cinza... Diante da surpreendente visão, Estanislau Laurindo viu-se em um terrível dilema: pedir ou não pedir donativos ao mendigo??? a primeira hipótese pareceu absurda: como ele, um empresário, iria pedir esmolas a um indigente??? mas também não pedir poderia ser ofensivo, poderia parecer discriminação... na hora hagá ele estendeu a sacolinha e para a surpresa geral o pedinte repetiu aquele sorriso encardido e cheio de saliva e tirou uma porção de moedas do bolso, enchendo o saco (desculpe-me pelo trocadilho) do ofertório...
Se antes daquele gesto o nosso protagonista estava começando a deixar de ser um morto-vivo, a partir daquele instante o seu processo da transformação sofreu uma intensa catalização: ele percebeu a futilidade, a imbecilidade, a hipocrisia,a avareza, enfim a pequenez que nos envolve... percebeu então que estava diante do rei e rodeado de mendigos!!!
José Geraldo De Barros Martins é de São Paulo. Músico, pintor e escritor, desde 2001 publica seus desenhos e escritos no blog http://zegeraldo.free.fr.
No comments:
Post a Comment