Jacek Yerka - Gardener's Garden |
A flor do meu bairro
Tenho um pedaço de terra em São Paulo. Na sacada do apartamento na Bela Vista, frente a frente com a sala, possuo uma área fértil de um metro por vinte e cinco centímetros. Embora ela receba, o dia inteiro, o calor impiedoso dos raios solares, tem sido generosa. Nesse miúdo mundo rural, às vezes planto um pé de arruda, uma moita de flor ou mesmo um canteirinho de erva-cidreira.
Outro dia, num domingo de manhã, levantei com vontade de lavrar e irrigar a terra. Curvado na janela, comecei a arrancar as ervas daninhas que teimam em brotar na plantação. De repente, noto um broto verde no centro do canteiro. Diferente de tudo, logo me chamou a atenção. Tento identificar as características da futura planta, mas desisto. Naquele momento, não me lembrava de nada parecido.
O que fazer? Faço como todo bom agricultor. Puxo um pouco de terra para junto de suas frágeis raízes e irrigo com bastante cuidado. Três dias depois, vou em busca da nova planta. O que antes parecia uma coisinha boba, danou a crescer. Para resumir, em menos de um mês já havia passado dos limites da janela.
Duas semanas depois, outra boa surpresa. No topo do caule, começou a nascer uma flor. Sim, uma única flor. Desabrochou com uma impressionante rapidez.
– De onde terá vindo a semente de tão bela espécime? – quer saber a companheira Aída.
– Talvez num bico de um passarinho, pois aqui há muitos -- suponho.
– Mas, quem já viu semente de flor carregada por pássaros? – duvida a pernambucana. -- Se fosse um grão de milho, alpiste... Nunca ouvi falar disso.
– Tudo é possível.
– Quem sabe não veio misturada no meio de outras sementes.
– Duvido. Só replanto e nunca usei aqui sementes empacotadas.
– Que tal chamar um botânico?
– Não há necessidade de um especialista. Gosto de mistério.
Me deixei, claro, ficar com a dúvida. Mas, não me conformava em deixar de lado uma simples descoberta. Assim, em horas de folga, fui pesquisar a origem da flor que nasceu em lugar tão inacessível para o seu pleno crescimento.
Seria uma bromélia? Uma espécime nova? Na verdade, o seu caule é comprido, bate na minha cintura. Tem, portanto, mais de um metro de comprimento. A flor é macia como algodão e, no conjunto, forma uma sucessão de cachos vermelhos e rosas. Às vezes, parece o pôr-do-sol, às vezes lembra uma tapeçaria chinesa pela cor e maciez.
Nada descubro de especial. Em compensação, crio na imaginação a história de um pássaro semeador. Por que não? Quem sabe eles estão de volta? Acredite se quiser, mas São Paulo já foi considerada uma das cidades mais verdejantes do mundo. Provam isso relatos de cronistas estrangeiros. “Creio que nenhuma cidade tenha tanto luxo de vegetação, tanta riqueza floral em seu centro urbano e tanta graça arquitetônica nas numerosas vilas, todas orladas de jardins perfumados”, anotou o viajante italiano Alfredo Cusano, em 1912.
Um ano depois, em 1913, um outro italiano, Ernesto Bertarelli, escrevia: “Do que não posso me esquecer é dos jardins. O paulistano compreendeu que seu monumento natural era a vegetação e por ela demonstrou e demonstra um amor que se traduz em cuidado universal pelas plantas e pelas flores”.
Anos antes, em 1910, o francês L. A. Graffé já havia registrado: “Não se pode imaginar nada mais bem traçado e melhor arborizado que as ruas da Liberdade e Consolação, que levam a esta esplêndida avenida Paulista, à qual eu não saberia comparar senão certas avenidas de Nova York. De passagem, admiro a decoração vegetal que a municipalidade dispôs por todos esses bairros novos. Não creio que haja duas avenidas próximas ornamentadas com as mesmas árvores.”
Quanto à flor do terraço, espero que ela tenha um longo ciclo de vida e continue a embelezar a minha janela por mais tempo. Se, porém, definhar logo, gostaria que o mesmo pássaro volte de novo trazendo outra semente igual. Quem clama por sua futura presença é o feliz proprietário da, quem sabe, menor área rural localizada da metrópole: na ponta do lápis, algo em torno de 2,5 metros quadrados.
Tenho um pedaço de terra em São Paulo. Na sacada do apartamento na Bela Vista, frente a frente com a sala, possuo uma área fértil de um metro por vinte e cinco centímetros. Embora ela receba, o dia inteiro, o calor impiedoso dos raios solares, tem sido generosa. Nesse miúdo mundo rural, às vezes planto um pé de arruda, uma moita de flor ou mesmo um canteirinho de erva-cidreira.
Outro dia, num domingo de manhã, levantei com vontade de lavrar e irrigar a terra. Curvado na janela, comecei a arrancar as ervas daninhas que teimam em brotar na plantação. De repente, noto um broto verde no centro do canteiro. Diferente de tudo, logo me chamou a atenção. Tento identificar as características da futura planta, mas desisto. Naquele momento, não me lembrava de nada parecido.
O que fazer? Faço como todo bom agricultor. Puxo um pouco de terra para junto de suas frágeis raízes e irrigo com bastante cuidado. Três dias depois, vou em busca da nova planta. O que antes parecia uma coisinha boba, danou a crescer. Para resumir, em menos de um mês já havia passado dos limites da janela.
Duas semanas depois, outra boa surpresa. No topo do caule, começou a nascer uma flor. Sim, uma única flor. Desabrochou com uma impressionante rapidez.
– De onde terá vindo a semente de tão bela espécime? – quer saber a companheira Aída.
– Talvez num bico de um passarinho, pois aqui há muitos -- suponho.
– Mas, quem já viu semente de flor carregada por pássaros? – duvida a pernambucana. -- Se fosse um grão de milho, alpiste... Nunca ouvi falar disso.
– Tudo é possível.
– Quem sabe não veio misturada no meio de outras sementes.
– Duvido. Só replanto e nunca usei aqui sementes empacotadas.
– Que tal chamar um botânico?
– Não há necessidade de um especialista. Gosto de mistério.
Me deixei, claro, ficar com a dúvida. Mas, não me conformava em deixar de lado uma simples descoberta. Assim, em horas de folga, fui pesquisar a origem da flor que nasceu em lugar tão inacessível para o seu pleno crescimento.
Seria uma bromélia? Uma espécime nova? Na verdade, o seu caule é comprido, bate na minha cintura. Tem, portanto, mais de um metro de comprimento. A flor é macia como algodão e, no conjunto, forma uma sucessão de cachos vermelhos e rosas. Às vezes, parece o pôr-do-sol, às vezes lembra uma tapeçaria chinesa pela cor e maciez.
Nada descubro de especial. Em compensação, crio na imaginação a história de um pássaro semeador. Por que não? Quem sabe eles estão de volta? Acredite se quiser, mas São Paulo já foi considerada uma das cidades mais verdejantes do mundo. Provam isso relatos de cronistas estrangeiros. “Creio que nenhuma cidade tenha tanto luxo de vegetação, tanta riqueza floral em seu centro urbano e tanta graça arquitetônica nas numerosas vilas, todas orladas de jardins perfumados”, anotou o viajante italiano Alfredo Cusano, em 1912.
Um ano depois, em 1913, um outro italiano, Ernesto Bertarelli, escrevia: “Do que não posso me esquecer é dos jardins. O paulistano compreendeu que seu monumento natural era a vegetação e por ela demonstrou e demonstra um amor que se traduz em cuidado universal pelas plantas e pelas flores”.
Anos antes, em 1910, o francês L. A. Graffé já havia registrado: “Não se pode imaginar nada mais bem traçado e melhor arborizado que as ruas da Liberdade e Consolação, que levam a esta esplêndida avenida Paulista, à qual eu não saberia comparar senão certas avenidas de Nova York. De passagem, admiro a decoração vegetal que a municipalidade dispôs por todos esses bairros novos. Não creio que haja duas avenidas próximas ornamentadas com as mesmas árvores.”
Quanto à flor do terraço, espero que ela tenha um longo ciclo de vida e continue a embelezar a minha janela por mais tempo. Se, porém, definhar logo, gostaria que o mesmo pássaro volte de novo trazendo outra semente igual. Quem clama por sua futura presença é o feliz proprietário da, quem sabe, menor área rural localizada da metrópole: na ponta do lápis, algo em torno de 2,5 metros quadrados.
Roniwalter Jatobá, jornalista, e escritor, publicou, entre outros, os livros Sabor de química (1977), Crônicas da vida operária (1978), Filhos do medo (1980), Viagem à montanha azul (1982), Trabalhadores do Brasil: histórias do povo brasileiro (1998, organizador), O pavão misterioso e outras memórias (1999), Paragens (2004), Rios sedentos (2006, voltado para o público infanto-juvenil), Viagem ao outro lado do mundo (2009) e Contos Antológicos (2009). Para a coleção “Jovens sem fronteiras”, publicou O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e O jovem Luiz Gonzaga (2009).
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