Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

Crônica - Roniwalter Jatobá

Jacek Yerka - Gardener's Garden

A flor do meu bairro

Tenho um pedaço de terra em São Paulo. Na sacada do apartamento na Bela Vista, frente a frente com a sala, possuo uma área fértil de um metro por vinte e cinco centímetros. Embora ela receba, o dia inteiro, o calor impiedoso dos raios solares, tem sido generosa. Nesse miúdo mundo rural, às vezes planto um pé de arruda, uma moita de flor ou mesmo um canteirinho de erva-cidreira.

Outro dia, num domingo de manhã, levantei com vontade de lavrar e irrigar a terra. Curvado na janela, comecei a arrancar as ervas daninhas que teimam em brotar na plantação. De repente, noto um broto verde no centro do canteiro. Diferente de tudo, logo me chamou a atenção. Tento identificar as características da futura planta, mas desisto. Naquele momento, não me lembrava de nada parecido.

O que fazer? Faço como todo bom agricultor. Puxo um pouco de terra para junto de suas frágeis raízes e irrigo com bastante cuidado. Três dias depois, vou em busca da nova planta. O que antes parecia uma coisinha boba, danou a crescer. Para resumir, em menos de um mês já havia passado dos limites da janela.

Duas semanas depois, outra boa surpresa. No topo do caule, começou a nascer uma flor. Sim, uma única flor. Desabrochou com uma impressionante rapidez.

– De onde terá vindo a semente de tão bela espécime? – quer saber a companheira Aída.

– Talvez num bico de um passarinho, pois aqui há muitos -- suponho.

– Mas, quem já viu semente de flor carregada por pássaros? – duvida a pernambucana. -- Se fosse um grão de milho, alpiste... Nunca ouvi falar disso.

– Tudo é possível.

– Quem sabe não veio misturada no meio de outras sementes.

– Duvido. Só replanto e nunca usei aqui sementes empacotadas.

– Que tal chamar um botânico?

– Não há necessidade de um especialista. Gosto de mistério.

Me deixei, claro, ficar com a dúvida. Mas, não me conformava em deixar de lado uma simples descoberta. Assim, em horas de folga, fui pesquisar a origem da flor que nasceu em lugar tão inacessível para o seu pleno crescimento.

Seria uma bromélia? Uma espécime nova? Na verdade, o seu caule é comprido, bate na minha cintura. Tem, portanto, mais de um metro de comprimento. A flor é macia como algodão e, no conjunto, forma uma sucessão de cachos vermelhos e rosas. Às vezes, parece o pôr-do-sol, às vezes lembra uma tapeçaria chinesa pela cor e maciez.

Nada descubro de especial. Em compensação, crio na imaginação a história de um pássaro semeador. Por que não? Quem sabe eles estão de volta? Acredite se quiser, mas São Paulo já foi considerada uma das cidades mais verdejantes do mundo. Provam isso relatos de cronistas estrangeiros. “Creio que nenhuma cidade tenha tanto luxo de vegetação, tanta riqueza floral em seu centro urbano e tanta graça arquitetônica nas numerosas vilas, todas orladas de jardins perfumados”, anotou o viajante italiano Alfredo Cusano, em 1912.

Um ano depois, em 1913, um outro italiano, Ernesto Bertarelli, escrevia: “Do que não posso me esquecer é dos jardins. O paulistano compreendeu que seu monumento natural era a vegetação e por ela demonstrou e demonstra um amor que se traduz em cuidado universal pelas plantas e pelas flores”.

Anos antes, em 1910, o francês L. A. Graffé já havia registrado: “Não se pode imaginar nada mais bem traçado e melhor arborizado que as ruas da Liberdade e Consolação, que levam a esta esplêndida avenida Paulista, à qual eu não saberia comparar senão certas avenidas de Nova York. De passagem, admiro a decoração vegetal que a municipalidade dispôs por todos esses bairros novos. Não creio que haja duas avenidas próximas ornamentadas com as mesmas árvores.”

Quanto à flor do terraço, espero que ela tenha um longo ciclo de vida e continue a embelezar a minha janela por mais tempo. Se, porém, definhar logo, gostaria que o mesmo pássaro volte de novo trazendo outra semente igual. Quem clama por sua futura presença é o feliz proprietário da, quem sabe, menor área rural localizada da metrópole: na ponta do lápis, algo em torno de 2,5 metros quadrados.

Roniwalter Jatobá, jornalista, e escritor, publicou, entre outros, os livros Sabor de química (1977), Crônicas da vida operária (1978), Filhos do medo (1980), Viagem à montanha azul (1982), Trabalhadores do Brasil: histórias do povo brasileiro (1998, organizador), O pavão misterioso e outras memórias (1999), Paragens (2004), Rios sedentos (2006, voltado para o público infanto-juvenil), Viagem ao outro lado do mundo (2009) e Contos Antológicos (2009). Para a coleção “Jovens sem fronteiras”, publicou O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e O jovem Luiz Gonzaga (2009).

No comments:

Autores

Ademir Demarchi Adriana Pessolato Adília Lopes Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda Antonio Romane António Nobre Ari Candido Fernandes Ari Cândido Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Cândido Rolim Dantas Mota David Butler Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Décio Pignatari Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats Josep Daústin José Carlos de Souza José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago José de Almada-Negreiros João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Léon Laleau Lêdo Ivo Magnhild Opdol Manoel de Barros Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mario Quintana Mariângela de Almeida Marly Agostini Franzin Marta Penter Marçal Aquino Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Márcio-André Mário Chamie Mário Faustino Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Nadir Afonso Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Nâzım Hikmet Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Pádraig Mac Piarais Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Renato Borgomoni Renato Rezende Renato de Almeida Martins Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Régis Bonvicino Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastian Guerrini Sebastià Alzamora Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Silvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano Sílvio Ferreira Leite Sílvio Fiorani The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix Álvaro de Campos Éle Semog