Reading Woman ~ Pieter Janssens Elinga |
Lia, a Leitora
Ela lia. Lia lia livros, revistas, gibis, panfletos, bulas… lia de tudo. E em suas leituras, todas muito concienciosas, filtrava bem os assuntos que lhe interessavam e retia… retia como ninguém o que lia, mas não lia nada em computadores. Tinha uma aversão herdade de seu pai por aparelhos televisivos. Por extensão, mantinha-se afastado de computadores também… pura convição!
Por ler tanto, naturalmente era uma estranha. Não que fosse estranha necessariamente, mas para os padrões dos outros seres humanos – sim, era um ser humano. Não se encaixava nos padrões dos outros da mesma espécie… e quando chacoteavam-lhe, descarregava a classificação biológica do ser humano da vida, numa abordagem sistemática-científica, dizendo que sim, era humana, pois pertencia ao domínio eukaryota, ao reino animalia, subreino eumetazoa, divisão chordata, subdivisão vertebrata, classe mammalia, subclasse theria, infraclasse eutheria, ordem primates, subordem haplorrhini, infraordem simiiformes, superfamília hominoidea, família hominidae, subfamília homininae, gênero homo, espécie homo sapiens, subespécie homo sapiens sapiens… enquanto os outros, reles seres, ao invés de tomarem o rumo da chordata, desviavam-se pela divisão anthropoda, conhecida pela mosca de fruta, ou antes ainda, tomavam o rumo do reino plantae e se enveredavam pela divisão da magnoliophyta, a das ervilhas!
Momentos assim eram extremos, é verdade, e raramente aconteciam. Seu dia-a-dia era tranquilo, sem muito contato humano – a não ser no trabalho. Bibliotecária, perguntavam-lhe sobre livros, Lia respondia sobre livros. Outras perguntas, tais como “ Olá, como vai?”, “Você já almoçou?”, ou “Como foi o seu final de semana?”, com o tempo deixaram de ser indagadas pelos colegas e usuários da biblioteca, pois logo perceberam que, entre gaguejos e olhares dissimulados, Lia não conseguia responder sem se constranger até os dentes!
Lia ia para o trabalho à pé. Mesmo caminhando, Lia lia. Tropeçava eventualmente aqui ou ali, mas via de regra conhecia bem as cinco quadras que separavam seu quarto alugado e a biblioteca. Quando almoçava, Lia almoçava lendo. Sempre ia ao banheiro com um livro, e quando não estava atendendo alguém, lia.
Certo dia, pega de surpresa pelo final de um livro enquanto caminhava, desesperou-se em não ter o que ler e parou na banca de jornal. Comprou o jornal do dia, onde entre tantas baboseiras, na seção de tecnologia anunciavam o fim do livro impresso. A reportagem preconizava que estávamos a um passo do livro eletrônico perfeito! Entre vários modelos – uns com telas de LCD, outros com tintas eletrônicas que não emitem luz, outros ainda que simulavam as viradas de páginas como nos livros de verdade – o artigo dizia que seria uma questão de meses para que o livro finalmente morresse!
Lia, que na sua curiosidade e amor pelos livros já os experimentara em todas as suas formas e fases: as pinturas rupestres, o codex, os manuscritos dos monges copistas, os primeiros registros em papel, as primeiras cópias impressa por Gutenberg... mas agora teria que sucumbir à tecnologia digital?!? Não! Nada poderia lhe impressionar mais!
Lia que lia, matou-se.
Ela lia. Lia lia livros, revistas, gibis, panfletos, bulas… lia de tudo. E em suas leituras, todas muito concienciosas, filtrava bem os assuntos que lhe interessavam e retia… retia como ninguém o que lia, mas não lia nada em computadores. Tinha uma aversão herdade de seu pai por aparelhos televisivos. Por extensão, mantinha-se afastado de computadores também… pura convição!
Por ler tanto, naturalmente era uma estranha. Não que fosse estranha necessariamente, mas para os padrões dos outros seres humanos – sim, era um ser humano. Não se encaixava nos padrões dos outros da mesma espécie… e quando chacoteavam-lhe, descarregava a classificação biológica do ser humano da vida, numa abordagem sistemática-científica, dizendo que sim, era humana, pois pertencia ao domínio eukaryota, ao reino animalia, subreino eumetazoa, divisão chordata, subdivisão vertebrata, classe mammalia, subclasse theria, infraclasse eutheria, ordem primates, subordem haplorrhini, infraordem simiiformes, superfamília hominoidea, família hominidae, subfamília homininae, gênero homo, espécie homo sapiens, subespécie homo sapiens sapiens… enquanto os outros, reles seres, ao invés de tomarem o rumo da chordata, desviavam-se pela divisão anthropoda, conhecida pela mosca de fruta, ou antes ainda, tomavam o rumo do reino plantae e se enveredavam pela divisão da magnoliophyta, a das ervilhas!
Momentos assim eram extremos, é verdade, e raramente aconteciam. Seu dia-a-dia era tranquilo, sem muito contato humano – a não ser no trabalho. Bibliotecária, perguntavam-lhe sobre livros, Lia respondia sobre livros. Outras perguntas, tais como “ Olá, como vai?”, “Você já almoçou?”, ou “Como foi o seu final de semana?”, com o tempo deixaram de ser indagadas pelos colegas e usuários da biblioteca, pois logo perceberam que, entre gaguejos e olhares dissimulados, Lia não conseguia responder sem se constranger até os dentes!
Lia ia para o trabalho à pé. Mesmo caminhando, Lia lia. Tropeçava eventualmente aqui ou ali, mas via de regra conhecia bem as cinco quadras que separavam seu quarto alugado e a biblioteca. Quando almoçava, Lia almoçava lendo. Sempre ia ao banheiro com um livro, e quando não estava atendendo alguém, lia.
Certo dia, pega de surpresa pelo final de um livro enquanto caminhava, desesperou-se em não ter o que ler e parou na banca de jornal. Comprou o jornal do dia, onde entre tantas baboseiras, na seção de tecnologia anunciavam o fim do livro impresso. A reportagem preconizava que estávamos a um passo do livro eletrônico perfeito! Entre vários modelos – uns com telas de LCD, outros com tintas eletrônicas que não emitem luz, outros ainda que simulavam as viradas de páginas como nos livros de verdade – o artigo dizia que seria uma questão de meses para que o livro finalmente morresse!
Lia, que na sua curiosidade e amor pelos livros já os experimentara em todas as suas formas e fases: as pinturas rupestres, o codex, os manuscritos dos monges copistas, os primeiros registros em papel, as primeiras cópias impressa por Gutenberg... mas agora teria que sucumbir à tecnologia digital?!? Não! Nada poderia lhe impressionar mais!
Lia que lia, matou-se.
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