Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

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Editorial

Parents, by Marc Chagall
Agosto de TUDA, TUDA Agosto, para todos os gostos!

Salve, salve tudianas e tudianos! A preguiça, que pode ser interpretada como aversão ao trabalho, também é uma forma de preservar energia por longos períodos de tempo. Ao gosto de TUDA, este mês vamos de preguiça... não do trabalho, mas do tempo! Sendo o tempo inexorável e a vida incomensurável, há momentos em que apenas nos deixamos ser, e aproveitamos o que a vida nos trouxe - ou o que nos trouxe à vida. Assim sendo, com papai e mamãe em visita ao QG da TUDA n'est'Ilha Verde d'Eire, TUDA fechou antes, mas quase não sai a tempo!

Neste mês TUDA faz homenagem ao poeta Mario Chamie, falecido em 3 de Julho de 2011. João Cabral de Melo Neto está em Foreign Words, Carol Ann Duffy nas Palavras Alheias e a arte expressionista de Hughie O'Donoghue nas Palavras Mostradas.

TUDA segue com a publicação EXCLUSIVA dos poemas INÉDITOS de Arnaldo Xavier, na série ÔlhÔs de Xadrez. Traz também os sempre esperados pindaíbicos Roniwalter Jatobá, José Geraldo de Barros Martins e este mesmo que vos escreve, vulgo Eduardo Miranda.

Nas colaborações, além dos habitués, Dorival Fontana, José Miranda Filho, Pedro Du Bois, Ronald Augusto e Santiago de Novais, TUDA traz a poesia de Plínio de Aguiar, Luis Serguilha e Vagner Barbosa; traz também a arte de João Werner, a crônica de Cesar Cruz e um vídeo-perfornance de Alessandro D'Agostini.

É isso companheiros... na LUTA, devagar & sempre, e TUDA de Bom!

Eduardo Miranda
O (auto-proclamado) Editor

P.S.: por um problema "legal" com a Google/GoDaddy, mudei meu "portal" de

eduardomiranda.info para edotm.info. Pode ser com http://, com www, com http://www, ou mesmo sem nada... você chega lá!!!

Dívida Interna

Yet Free, by James Wilt

Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Digitação
Eduardo Miranda & Teresa Thinen

Revisão
Dos autores...

Colaboradores
Alessandro Miranda, Arnaldo Xavier, Carol Ann Duffy, Cesar Cruz, Dorival Fontana, Eduardo Miranda, Hughie O'Donoghue, James Wilt, João Cabral de Melo Neto, João Werner, José Geraldo de Barros Martins, José Miranda Filho, Luis Serguilha, Mário Chamie, Pedro Du Bois, Plínio de Aguiar, Ronald Augusto, Roniwalter Jatobá, Santiago de Novais, Vagner Barbosa.

E-mail
tuda.papel.eletronico@gmail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

(...)

riacho chama ponte ofídica sendo estrela amarela
cava chão sem medida sido semblante deserto
labirinto de dunas sendo  punhalada circular

cavalo cravado sido outro desfolhado
bago dágua apaga folha dágua sendo Estação de mortes solenes
Trecho exato corte sido tempestade que bronze

janela tal fez ave sendo encarnada orquídea
Vento todo silêncio sido camaleão monge
tal vez sepultado sendo extremo soluço triste

campo de perdas sido chama não se explica
tecida luz própria sendo entre dedos espinhosos
inapagável presença sido braço murcho de mar

mão avermelhada noite sendo lua chove
sobrelúcido caminho sido louca pétala
cão florescia sendo reza feixe de preces

E muralha pensa pedra sendo mão vazia
borboleta encantada baila sido viscerais nuvens
cabelos de santo sendo segura cravos de farpa

(...)

[ in ÔlhÔs de Xadrez, inédito ]

Poesia - Plínio de Aguiar

Lazyness, by Masami Iida
Afins

Gotejando entre dias.
Prazer da rede posta
Entre ontem e amanhã,
Presente preguiçado.

Basta não serem penas
Presas ao odor de coxas
Bem no sofá de putas
Plenas de ossos e dentes
Em cálices de pele.

Basta não serem muros
Sem quadros, sem espelho
Por onde refletir
Recordações de afins.

Basta não serem fêmeas
Para dizerem: vida
É mais rica que texto
Visto a milhões de versos.

Que mesas e cadeiras
No festim de Rimbaud.

SSA, dezembro 2010

Poesia - Luis Serguilha

Mistral



“Happy Circles” - painting by Dhanat Plewtianyingthawee

Os degraus circundantes dos rochedos-pianistas recompõem as encruzilhadas das câmaras meteorológicas e os guardiões dos pianos-fortes, a exposição dos perfumes-da-vertigem narra e afronta a termodinâmica dos nomes albergados nos calendários tectónicos (dizem ser os sulcos libidinais do sol-vulcânico): a irreversibilidade das arenas-do-delírio despoja os predadores-seminais entre as pegadas das vertentes maternais, a silabaria elementar das estacas voadoras pigmenta os oráculos dos estômagos estelares, rusticidade-dos-eixos-imaginários sob os dançarinos das árvores-libertas-de-gêlo: as desventuras dos olhares-dos-glaciares são dentes fulgurantes da terra-divina-verbal-terra a trabalharem a incandescência milenar dos alvos-das-escoriações-das-correntes-do-vento entre os joelhos crepusculares das técnicas de caça e os mercadores-policromos das amoreiras: a perspectiva-dos-fragmentos de Godard e as abreviaturas-das-armações-dos-nómadas de Kusturica atingem a blusa iridescente do coração-da-tempestade, as bússolas desidratadas esgrimem um alpendre invisível na mensurabilidade da superfície que descruza as corolas-das-primeiras-aprendizagens como um nó desfocado da ave a lavrar as estratégias anfíbias da dor do DEVIR: colo extraído das mulheres-das-janelas prematuramente amordaçadas pela velocidade das porcelanas da luz:

os fios indecifráveis dos olhares-minerais fragmentam as ressonâncias imprimidas nas respirações nocturnas dos pássaros: as distâncias dos helicópteros-teares escondem a vegetação-dos-viadutos porque dedilham as coincidências dos mugidos das esfinges entre os formigueiros de ar e a apoteose dos mapas do historiógrafo, as simples algibeiras das lãs das bicicletas terrestres estagnam os interstícios das chuvadas-dos-aérodromos-das-bifurcações-mutáveis onde o borbulhar indivisível da tarde-das-execuções-dos-estomas entra profundamente no pressentimento das salinas-dos-percursos-alternativos como um enxame-anguloso nos decibéis dos búfalos a delimitar os candeeiros das casas-da-metamorfose: provisórias dissemelhanças dos espasmos-das-clarabóias a encarcerarem os reflexos das instantâneas gargantas-das-feras, Schoenberg: motores das vésperas iluminadoras entre as escamas inomináveis das orquestras: os refúgios-moleculares das suburbanas iluminuras chapinham as exclamações dos corredores-dos-viajantes e tudo se separa na caligrafia envidraçada das industrializadas abelhas: TRANSFIGURAÇÃO dos tentáculos voadores_____________ Lautréamont sob os olhos-das-lâminas que embalam os vapores das pontes subterrâneas como minúsculas persianas dos simulacros a estilhaçarem o soro das madeiras-radículas-do-chamamento, as asas-das-artérias-das-faíscas são uniformemente mastreadas pelo petróleo das sombras de Fritz Lang, os mármores das manjedouras navegam nos rebordos-da-exaustão das cancelas-espasmódicas que devoram as hélices dos instrumentos da translucidez, jugos metálicos na origem das sondagens dos ângulos/pulsos-das-tentativas do firmamento, as luzes das traqueias alfandegárias adubam a desarrumação dos apeadeiros-dos-bois até às simulações dos trombones magmáticos:

acumular os espontâneos esmeris nos barulhos subterrâneos dos esquifes e as bacias-dos-peixes-da-autenticidade trepidam em debandada na epopeia dos hospitais dos gladiadores-de-tentáculos: alfabeto desmemoriado das hiantes casas-dos-lobos-da-geografia, um cântico-das-extremidades é interrompido pelas transições da penúria do cobre da sonolência, os êmbolos-dos-diques-da-barbárie tentam descer até às sentenças das improvisadas tonas das escalas/lenhas-glandulares-dos-seres para assistir à viuvez dos arcos-boreais de Saint Pierre: ligar o balouço hemorrágico do coração-dos-rebanhos às taças musgosas do vocalismo das intempéries que desvendam os fósseis das antropomorfias na orgia dos luzeiros-dos-pântanos-de-arribação: as poses nómadas das esmeraldas-dos-gigantescos-semáforos são espremidas pelos espaldares ininterruptos dos insectos de Franz Kafka onde se constrói um regaço oblíquo de ligaduras-de-flechas sobre a primeira prenhez dos frutos: as tapeçarias das germinações fotografam o trabalho-ócio das chispas dos poços-das-iguanas: eléctricas heras a emborcarem as fissuras citrinas dos insectos nos ofícios milenários: os fornos cromados de dentaduras aparam a salsugem-das-rugas-dos-alguidares que esvoaçam nos seixos dos abismos-urbanos, ilustrações dos cais derramadas nas lengalengas secretas dos arquitectos-chacais, procurações-telegráficas sopradas pelos cadafalsos dos favos-dos-arabescos e as luzes das colcheias vergastam as edições das sementeiras como os ímanes dos minúsculos açudes a injectarem as vogais das lebres acossadas nas naves-arco-íris dos Sonhos de Akira Kurosawa:

os braços glaciares estocam os parênteses das trombas entardecidas pelas fotografias imprevistas das janelas, obsessivos viajantes a naufragarem  no abandono apurado da floração (dádivas transgressoras dos olhos-dos-pântanos-de-outras-colecções): os historiadores das ardósias confessam o endereço da flecha-dos-abecedários nos insectos rutilantes dos balneários, as ramificações das cisternas dos utensílios repetem-se nos dormitórios dos motores-das-montanhas (a erecção irrecuperável das lanternas dos estábulos diante dos Cavalos do Significado): os zumbidos dos roteiros das fábulas são coreografados pelas pausas dos barqueiros proverbiais de Merce Cunningham, os carpinteiros-néons das janelas desentranham cinematograficamente as barbatanas de outras janelas onde as gemas das tecedeiras astrais absorvem as palmadas giratórias do aguaceiro: celebridade das estilhas a despojar os atilhos da obliquidade dos respiradouros: os contrastes instintivos dos soalhos solicitam a queimadura dos frutos e os cavadores das coincidências entre os talos dos secadouros nocturnos: os harmónios sibilinos das câmaras-da-astronomia anotam o vidro do desregramento na crispação das pistas do sangue das últimas corujas, os contrafortes dos formigueiros atravessam os golpes elípticos dos canaviais como a voluptuosidade do incêndio azul a fundir-se numa invasora jangada (A jangada das medusas): ramificar uma casa de águas com as protecções-membranares do ancoradouro: os bandos embriagados-da-linguagem ascendem das baforadas imberbes-insondáveis, imprevistos armistícios-dos-estilhaçamentos onde os vasos sanguíneos dos pássaros resplandecem abobadados nas fronteiras alucinadas das árvores: as inexpugnáveis raízes dos corvos fecundam as batalhas das trevas (Dario Argento nas avenidas-dramáticas do electrochoque) no vaivém das amêndoas crepusculares (iluminuras das especiarias orientais de Yasujiro Ozu): as enormes pupilas das margens equilibram-se nas reentrâncias dos estigmas da claridade (expatriação das fábulas interiores de La Fontaine):

bordar o isolamento dos nomes-das-cisternas-cartográficas com as trajectórias dos despojos siderais, a percussão dos olhares galopa entre as mandíbulas das soleiras e os oradores-de-tempestades enlaçam-se nas matrizes resgatadoras das nitescências onde uma rosa de gelosias-caminhantes maneja os resíduos das criaturas-das-eclosões (nadadoras-de-intersecções concentradas nos ceifeiros da outonal poeira das espécies): a culminância dos olhos-poemáticos trespassa a ressaca-arterial dos tigres e os sobressaltos das mãos-lactíferas atrelam-se à envergadura visionária-magmática dos arquitectos para projectarem as harpas estagnadas das habitações nos lavadouros inaugurais das ervas itinerantes: as palpitações cinematográficas das pálpebras de Lars Von Trier transformam-se na ironia dos cavalos verdes para voarem nos cercos eléctricos da dramaticidade: tenebrosas portam a meteorizarem os gladiadores da sombra – Dançando no escuro (vestíbulos vertiginosos nas síncopes do iodo-das-talhadeiras-rizomáticas): inesperados flancos-faunísticos na reclusão dos pirilampos fundadores dos olhos-esgrimistas (caligrafia provisória das dunas restituidoras das veias loucas numa batida altíssima e policromática): entontecer a cantaria dos criadores nas modulações das cúpulas dos sacrifícios que se perdem com os ofícios dos séculos-do-sangue-das-crinas-marinhas, as bolhas indomáveis dos dedos evaporam-se acrobaticamente nas nascenças-da-vertigem do rosto-universal, a arena-dialógica estiola ao descerrar o tempo fragilíssimo num gigantesco peixe de cobre que ensanguentou a mutação dos lábios-do-relâmpago numa cascata de anémonas-boomerangues: encontrar a murmuração das ossaturas das falésias para combinar as iluminações dos pássaros nas bocas dos fungos ardilosamente fascinantes: as vigas do corredor incomensurável demarcam-se nos biombos de luz como um balanço cortante das inexploradas ruínas, pressurosos asilos a fecharem-se secretamente nos adoráveis peitos do nevoeiro e todas as bocas de água embrulham os holofotes na solidão de uma Morte em Veneza

as reminiscências das orlas desaguam nas ciências das raízes-dos-bichos, as mitoses das habitações fulminam-se nos órgãos das palavras de García Lorca ao desmantelarem a vestimenta das vertigens e a inoculação geológica dos papiros: batimentos esfomeados dos dardos na folhagem nocturna: os sopros dos comboios vegetais desatam estranhamente as bebedeiras alienígenas da luz, as chaves-das-janelas-das-arenas-universais memorizam os bandos-dos-cânticos que se mudam secretamente sobre as cepas centrífugas dos caçadores fabulados: rastos ampliados pelas enxadas-de-silêncio dos pássaros como cachimbos de Magritte a advertirem a geometria indomável dos acusadores das estações das fluorescências meridionais: os rinocerontes-do-espanto ressuscitam os desvios das lâmpadas-placentárias entre a elasticidade das sapatas das sombras e os rebanhos-fotovoltaicos da hemoglobina: pulsionalidade dos batedores-mamíferos a predominar nas devastações da hidra, o paladar venenoso das marchas-da-hereditariedade ressalta nas alergias dos labirintos e os rochedos-dos-ritualismos são tremendamente sazonados pelos patins das germinações da busca-perdida: as conjunções-purificações da paisagem reflectem a utilidade dos embaimentos na significação libertadora dos frontispícios solares onde os centros perseguidos das fecundidades instintivas são distribuídos pela paralisação dos moscardos (Quatro moscas sobre o veludo cinza): alvoroços das cabeças dos espelhos: as faíscas do leopardo desalojam-se nos relógios viscerais ao oxidarem os laboratórios neutros do chão-transcorporado: integridade secreta da andorinha-libertária no entendimento dos volúveis rodopios da gestação-fantasmagórica, jangada hábil da hesitação a interiorizar as cenografias da adolescência das marés que paralizam as armadilhas dos teatros astrológicos:

o sabor-delírio prenhe doutros sabores-das-clarabóias oferece uma cor-das-labaredas às ameixas-zoológicas que resvalam nos atalhos do corpo-bosque-em-deslocação: as menstruações dos chifres dianteiros esvoaçam exclusivamente no reflexo do manancial transmutador das laranjeiras do abismo, plenitude extranatural dos membros respiradores de candeias, uma mordedura na sonoridade telúrica, Mikis Theodorakis a descrever as pálpebras dos sinos intrínsecos que nimbam as inflexões dos mantos seculares conservados nas raízes caçadoras de janelas-mós: cânticos estagnados no rodopio das devastações das bandeiras: os meridianos dos idiomas imperecíveis ferem-se ao rasarem no oásis das células mamíferas, gargantas de crisântemos a recuarem até à morosidade da asfixiante argila-dos-camaleões como a água sobre a água na golfada hirsuta das doações-debaixo-das-crisálidas-lucíferas: acolher o utensílio mais espesso da antiguidade nas sibilas planetárias para iluminar a sufocação dos pequeníssimos rios na turfa musical dos pousios: os abalos das florações nocturnas rastejam uníssonos nos arcos-de-canela-expansiva, os fungos violentos certificam as barcas culminantes nos embarcadouros-microbianos que glorificam o esgotamento dos caudais nas escotilhas da luz: compensar o esgotamento das litanias nas inovações dos cruzamentos-quiméricos: proximidade extasiada do umbigo cosmopolita das povoações, uma constelação de cerejeiras urbanas aprova as correspondências das estátuas trágicas/pensativas/enamoradas de Rodin e os esguichos penetrantes dos MOCHOS-OFTALMOLÓGICOS conquistam as curvaturas ininterruptas da voluptuosidade dos caiadores: o lodo vulcânico estrangula as gigantescas transmudações das MARGENS-que-batem-nas-rosáceas-dos-peixes e o hermetismo vingativo das galerias entrechoca com os tímpanos sonâmbulos da germinação: hidratar lunarmente a ciência duma abelha nómada: turbilhão de lanhos selvagens nas carótidas das cidades-das-árvores, caminhos ininteligíveis acesos nos pulmões gravitacionais onde os espelhos das tangerinas uivam como uma plúmula vociferante nas garras metalúrgicas, mármores e candeeiros a deslocarem-se na boca medicinal do êxtase: as pétalas ressoantes das tecedeiras sublevam-se sobre as falhas das idades das espécies e a estação das flechas rompem as equivalências impressas na laranja da astronomia: os archotes da garganta primordial invadem os veios duma paragem de boomerangues celestes, a matéria da imobilidade demite-se nas vulvas sonâmbulas da calçada, as aves sinistras de Allan Poe enxutam as profundidades dos aposentos porque tentam copular os faróis das pedras do vocabulário: ociosa artéria da existência a pulverizar o galope dos casulos mediterrâneos para receber a convergência púrpura das mãos-de-todos-os-lugares: dorso FEÉRICO do mistério, ancas da FERTILIDADE da alucinação, púbis no embate-agrário imprimido pelos écrans da linhagem fogosa: o derrube amoroso das línguas destinadas ao odor geométrico das remadoras, mostruário da enumeração do profuso cereal, funduras portuárias varadas pelas tensões dos canais-quadriláteros: os assobios das ferraduras batem nos inextricáveis-olhos-das-sombras e as ramas dos fornos embarcam no nervosismo da terra para fosforescerem a exactidão dos organismos com a navalha urgente da baforada-entre-campânulas: equilíbrio crepitante das unhas-da-paleografia na compreensão dos vespões-sobre-o-mosto: o ar esculpido das omnívaras deseja cravar o olor dos iluministas na entoação dos galhos das línguas-mitológicas: as alavancas moribundas dos DONS rabiscam as direcções intercaladas dos cardos que bordam os tangos combatentes de Carlos Saura nos involuntários astros: _____________ soltar as fivelas da gnose das palavras sobre as apiculturas das ruas alegóricas: urtigas-enquadradas-na-sombra-órfã onde as sentenças das sépalas ensopam as acrobacias dos queixos-meteorológicos e os globos oculares esperaram as lareiras imponentes das raízes como lançadores anabólicos a vulcanizarem-se entre as tessituras dos coros gregorianos.

Poesia - Santiago de Novais


Tratado
Para Ricardo Silva e Pit

I
Obliquo e estranho
Quando o amor
Chegou.
Cortou minhas amarras,
Nem alegria nem dor:
Chegou.

II
Como chegou,
Medo que se vá.
Criança não sabe amar. E
Ama sem saber mesmo,
Quando chega a hora de amar.
Por isto, não deixa ir nem rir.

III
De tanto passar tardes juntos,
Passamos todas as tardes juntos,
Mesmo quando não passamos juntos.
E mesmo que todas as tardes não sejam tarde.

IV
Eu sempre quis amar.
E agora que amo,
De vez em nunca duvido,
Que alguém ama assim:
Oblíquo e estranho
Mas inteligível.

V
Cada um ama como pode,
Quem não tem cão
Caça com a mão
Namorado não é irmão

VI
Quem não morreu está mesmo vivo?

Poesia - Dorival Fontana

Mãe das ruas


Bitch, by Timothy Campbell

Dobre-se
princesa nua
Abra-se
pernas curvas
Mostre-se
toda lua
Encare-se
de quatro
de fato
tão duro
Solte-se
dessa jaula
ejacule
Atire-se
quente
indiferente
na minha cara
tal qual a sua

Poesia - Pedro Du Bois

Disconnection, by Magnus Jonsson

Fazer

Feito ao avesso: da cabeça
aos pés transitam ordens desconexas
o primeiro limite estabelece o siso
o último rearranja as forças
com que chuto as pedras

desconheço a determinação
da placa: disparo
ao encontro do corpo
contrário e o choque
desintegra o mito
da cordialidade.

Poesia - Vagner Barbosa

M. C. Escher
A palavra Palavra não é coisa Que a gente empilha na folha Feito tralha A lavra de escalar a palavra Dá trabalho É uma escolha complicada Precisamos captar o sentido E abrir o ouvido Para o som e o ritmo Pôr a mão no coração da palavra Sentir o pulso Sob a aparência Onde escorre o líquido grosso, a essência Lançá-la em verso Constelá-la para que componha um universo Encantá-la para que dê sentido À nossa vida

Vagner Barbosa nasceu em São Paulo, em 1960. Formado em história pela FFLCH – USP em 1984. Escreve poemas desde os 14 anos de idade, mas para ganhar a vida, trabalha com marketing e comunicação.

Crônica - Roniwalter Jatobá

Nuvens refletidas sobre o rio Tietê - SP, by Roger Corrêa

No fundo da gaveta

Tempos atrás, uma exposição reuniu, no Rio de Janeiro, vários projetos de arquitetura engavetados nos últimos setenta anos. Entre os planos surpreendentes, que foram relegados ao fundo da gaveta, estava a ponte Rio - Niterói, que deveria ter sido construída na década de 1930, ou seja, anos antes da erguida a peso de ouro durante a ditadura militar.

Projetada pelo arquiteto francês Leon D’Escoffier, seria de uma sofisticação só: pistas de rolamento exclusivas para carros de passeio, carros pesados, metrô e até garagem. Sobraria espaço ainda para 946 apartamentos, 996 lojas e dois cines-teatro. O ousado projeto previa a instalação de 102 elevadores. Um deles, por sinal, desceria alguns metros abaixo das águas da Baía de Guanabara.

Também o símbolo máximo do Rio de Janeiro, o Cristo Redentor, poderia ter ficado diferente. Se dependesse só do autor, o arquiteto Heitor da Silva, ao invés de abraçando a cidade, como registram inúmeros cartões postais, teria a mão esquerda segurando um globo terrestre e a direita apoiando uma cruz sobre os ombros.

São Paulo também poderia ter realizado semelhante exposição. Acervos não faltam. Quem passa pela atual ponte das Bandeiras, sobre o rio Tietê, não imagina como aquilo poderia ter sido.

Num projeto dos anos 20, toda a área estava destinada a interligar duas imensas praças. A primeira, fechando a Avenida Tiradentes, seria totalmente remodelada para ter 97 metros de largura. Já a segunda, ao lado direito do Tietê, abrigaria uma estação terminal de transportes integrados (linhas férreas, rodoviárias, fluviais e também aéreas, devido à construção, no Campo de Marte, do principal aeroporto paulistano).

Um projeto que deveria marcar presença na mostra paulistana seria o do metrô da Light, de 1929. Naquela época, engenheiros desenharam como seria um transporte moderno. Linhas subterrâneas passariam por debaixo do então largo da Sé, seguiriam em faixas intermediárias, dividindo com automóveis, sob o Viaduto do Chá, rasgando as entranhas da cidade.

Outro plano que iria abrilhantar exposição paulistana seria o de um engenheiro canadense que, em 1940, imaginou resolver o problema do transporte urbano entre a Capital e a Baixada Santista.

Seu projeto envolvia a área compreendida pelos rios paulistanos num eficiente transporte fluvial. Era mais ou menos assim: barcos de passageiros fariam viagens programadas a partir das proximidades do bairro da Penha, via Tietê, e depois seguiriam pelo rio Pinheiros e reservatório Billings afora. Vencendo estrategicamente a descida na Serra do Mar, chegariam a Cubatão e, depois, à beira do Atlântico.

Conto - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração de José Geraldo de Barros Martins
Mensagens Automotivas

Esaías Enéas dirige o seu carro pelas avenidas da capital paulista... uma de suas pequenas diversões é observar as mensagens afixadas nos veículos: significados da filosofia popular inseridos em significantes da indústria automotiva...

- Agora estão na moda estes adesivos de família feliz: o pai, a mãe, as crianças, o cachorro, o gato e o passarinho... a felicidade familiar brasileira estampada na lataria do automóvel...

- ... e este apressadinho que agora está na minha frente que antes forçava passagem feito um débil mental... repare no adesivo cristão no lado esquerdo... fé em Deus e pé na tábua!!! acho que se o sujeito coloca um símbolo religioso adesivado no carro, que ao menos dirija civilizadamente...

- Nossa e esta mulher aí na frente com o “NÃO ACREDITO EM DUENDES” no vidro... ninguém mais anda com este tipo de coisa... ela deve ter vindo pela máquina do tempo direto do início dos anos noventa... aliás se existisse máquina do tempo eu daria uma passada nos anos setenta para comprar uma daquelas mãozinhas que as pessoas fixavam com ventosas plásticas no pára-brisa traseiro, de forma que quando o veículo estava em movimento a mãozinha ficava acenando para o veículo de trás... um barato... já tentei procurar em brechós, mas nunca mais vi uma destas... somente se existisse a máquina do tempo...

- ... e este outro carro com o adesivo com a bandeira Rio-grandense... grande babaquice este troço de separatismo gaúcho... se orgulham da Guerra dos Farrapos... só que alguns historiadores dizem que Bento Gonçalves recebia uma grana de Rosas (*) para se separar do Brasil... e é gozado... o cara mora em São Paulo a placa dele é de São Paulo e ele fica desfilando com esta bandeirinha... ridículo...

- Nossa!!! e este com a brilhante frase “CORNO É CURIOSO: LÊ TUDO O QUE VÊ” ... nota dez em boçalidade... deve detestar leituras: prefere ver Faustão: um mês para ele tem quatro Faustôes (vem com Fantásticos de brinde)...

- e esta outra... pior ainda... GOOD GIRLS GO TO HEAVEN, BAD GIRLS GO TO EVERYWHERE” (**) frases em inglês... só pra mostrar que falam outra língua... já que é pra colocar algo em inglês, que fosse: “THE ERRORS OF A WISE MAN MAKES YOUR RULE, RATHER THAN THE WISDOM OF THE FOOL (***), esta sim é uma mensagem inteligente, mas eu mesmo, jamais colaria uma mensagem no meu carro... somente uma vez quase que mudei de idéia... foi em Lisboa, vi um adesivo que dizia “VAI TÚ”... genial... quase comprei... mas na última hora desisti...

- ... só não desisti do meu sonho ... e vou realizá-lo agora, assim que parar este automóvel....



(*) Juan Manuel Rosas sonhava reestabelecer o antigo Vice-Reino do Rio da Prata e tornar a Argentina a maior potência do continente... para isto contribuia financeiramente com a revolta separatista gaúcha O Império Brasileiro não perdoou Rosas... em 3 de fevereiro de 1852, uma aliança de 4000 soldados do brasileiros (dentre estes uma centena de mercenários alemães), 20.000 soldados argentinos (a maioria de Entre-Rios e Corrientes) e 1.700 soldados uruguaios, liderados pelo entrerriano Urquiza, venceu os 26.000 soldados argentinos (na maioria portenhos) liderados por Rosas, na famosa batalha de Monte Caseros... o ditador argentino (creio que o primeiro de uma longa série) fugiu para a Inglaterra disfarçado de marinheiro, e em 20 de fevereiro daquele mesmo ano, as triunfantes tropas brasileiras desfilaram por las calles de Buenos Aires...
(**) “Garotas boas vão para o céu, garotas más vã para todos os lugares”.
(***) "Os erros de um homem sábio, valem mais que a sabedoria do otário", (William Blake)

Conto - José Miranda Filho

Tropeiros Sertanejos à Caval0, by Nicolà Rollo
O Retrato do Sertão – 18

Tonho e Geraldina chegaram à delegacia montados na mula “Sofia”, presente de seu Quincas quando se casaram. Apearam, e amarraram-na no mourão, ao lado do casarão de estilo colonial que abrigava a delegacia e outros órgãos do poder constituinte: Legislativo, Executivo e Judiciário. Na parte secundária inferior da construção ficava a cadeia pública com cinco celas, sem ventilação alguma e vedadas por grades de ferro e aço. Dirigiram-se apressadamente à sala do escrivão, ignorando a presença de outras pessoas que aguardavam no corredor o momento de serem atendidas. Geraldina porém, ficou esperando do lado de fora, sentada num banco rústico de madeira.

-Quero falar com o delegado!.Disse Tonho com ímpeto de raiva e nervosismo.

- No momento, senhor, ele não está. Mas, se o senhor poder esperar um instante eu o avisarei, assim que ele chegar. Quem é o senhor?

- Sou Tonho... Antônio Ferreira da Silva. E, o senhor, quem é?

- Sou Getúlio, o escrivão...

- Seu Tonho, eu mesmo posso tomar seu depoimento, se assim o senhor não se opuser...Ou, se o senhor não quizer, peço-lhe a gentileza de aguardar o Delegado, que acredito não vai demorar!. Respondeu Getulio, já antevendo o destempero de Tonho.

- Quero que ele me atenda agora! Não posso esperar. Se ele demorar em me atender, vou embora e nunca mais apareço nessa espelunca, independentemente de ser ou não intimado novamente.

- O que o senhor prefere? Perguntou o escrivão, aflito!

- Já lhe disse. Recebi uma intimação para comparecer nessa merda e queria saber o motivo. Respondeu bastante irritado.

- Calma seu Tonho, sente-se e fique à vontade. Eu mesmo, como já lhe disse, poderei lhe atender. Aguarde apenas um momento por favor, enquanto termino de elaborar o boletim de ocorrência desses dois bagunceiros sentados ali.

Após eleborar o boletim de ocorrência dos briguentos, Getúlio dirigiu-se à sala do delegado, enquanto Tonho de pé e nervoso, esperava. Pegou o calhamaço do inquérito policial, no qual à página 38 estava anexado a cópia da intimação dirigida a Tonho, e disse-lhe:

- O senhor foi intimado apenas como testemunha para prestar alguns esclarecimentos sobre a morte de Sá Lorena. Como o delegado está em serviço fora da jurisdição, e para que o senhor não perca seu tempo, eu mesmo poderei tomar seu depoimento e registrá-lo.

O delegado e outros três investigadores, inclusive dois policiais, únicos funcionários da delegacia, estavam de campana na fazenda de coronel José Pereira Lima, tentando capturá-lo para cumprir o mandado de prisão expedido pelo juiz de Direito da Comarca de Angicos.

Tonho, que parecia aflito ao chegar à delegacia, sentiu-se mais calmo ao saber que era apenas testemunha no caso. Concordou em dizer tudo que sabia sobre o passado de Sá Lorena e dos desentendimentos que ambos tiveram tempos atrás. Daria seu depoimento, sem qualquer problema! Relataria tudo que sabia da vida dela. De suas brigas com ela, das brigas dela com os vizinhos...Com seu Quincas... Com Geraldina... Com dona Elvira... Das ameaças de morte que lhe fizera... E, até o relacionamento espúrio dela com padre Fausto, segundo os boatos de que ouvira falar. Só não falaria sobre seu assassinato porque desconhecia o autor do crime e o motivo que a levou à morte. Confirmaria literalmente tudo o que as outras testemunhas já haviam dito sobre o relacionamento conturbado de Sá Lorena com padre Fausto e outras figuras da sociedade local. Afirmaria que as desavenças que eles tiveram no passado foram provocadas por ela, por interferir demasiadamente na vida de sua mulher.

Tonho, parecia firme e confiante! Suava um pouco, a ponto de tirar o chapéu de couro a todo o momento que Getulio lhe perguntava sôbre o autor do crime. Transpirava!. Entretanto, não demonstrava nenhuma insegurança.

O escrivão mandou servir-lhe um copo de suco de maracujá, pedindo-lhe que ficasse à vontade e contasse tudo o que sabia e conhecia da vida de Sá Lorena: os lugares que frequentava...suas amizades...seu relacionamento com Dona Elvira, padre Fausto, seu Quincas....a briga com Lampião...e o motivo que o levou a mandar queimar sua plantação e incendiar sua casa...
Refeito do nervosismo inicial, Tonho prosseguiu com o depoimento reafirmando que tivera uma desavença com Sá Lorena tempos atrás e que a ameaçara de morte, sim, caso ela não parasse de falar besteiras sobre Geraldina, sua mulher.
Perguntado sobre o relacionamento amoroso de Sá Lorena com padre Fausto, respondeu apenas que ouvira falar de outras pessoas, mas, como nunca deu ouvidos a falatórios, principalmente ditos por Sá Lorena, nunca levou à sério. Não respondeu a pergunta sobre o relacionamento dela com seu Quincas e dona Elvira. Perguntado se sabia quem era o assassino e sôbre o motivo do crime, respondeu que nada sabia e desconhecia o motivo.

- Veja bem, senhor Getúlio, suficientes razões tive para matá-la, porém, jamais teria coragem de fazê-lo. Tirar a vida de alguém, nem mesmo de um passarinho...Esse ato cruel e desumano jamais imaginei faze-lo. Nunca tive corgem de matar qualquer animal....Uma galinha...Um porco....Jamais mataria um ser humano. Sou incapaz de praticar um ato covarde desses. Por causa das infâmias que Sá Lorena espalhou sobre minha ulher, hoje ostento a inaceitável irrogação da pecha de cornudo. Em todos os lugares que apareço o pessoal me olha de soslaio. Não mereço isso! Registre isso em seus documentos. E digo mais, de agora em diante, qualquer que seja o andamento das investigações e eu seja intimado novamente para depor ou prestar novas declarações, reservar-me-ei o direito de somente me pronunciar perante o Juiz de Direito. Quero que o senhor anote essa condição. Não tenho advogado constituído e nem pretende tê-lo, porque sou inocente!

Dito isso, retirou-se sem qualquer manifestação!

O delegado que já tinha ouvido diversas testemunhas, que direta ou indiretamente, estiveram envolvidas com Sá Lorena, nada também observou de qualquer item esclarecedor no depoimento de Tonho. Nada recolheu até agora que fôsse capaz de lhe oferecer alguma pista para a elucidação do crime.
Antes de arquivar o inquérito policial, como era desejo de alguns politicos locais, o Delegado, independentemente de sua função, mais por uma obrigação profissional, ouviria mais uma vez Juvenal, suspeito por ter fugido logo após o enterro da mulher.

Não convencido totalmente do depoimento de seu Quincas, não lhe custava também ouvi-lo novamente, malgrado sua vontade. Mandou sutilmente o escrivão expedir outra intimação para que ele comparecesse à Delegacia na semana seguinte, logo após a procissão de Santo Antônio, programada para a primeira quinzena do mês de setembro. Não queria, entretanto que ele cogitasse qualquer relação com as notícias aleivosas publicadas por um jornalista sem qualquer mérito de credibilidade. Esperava que êle não acreditasse nisso, como também não queria interferir na fé inabalável que todos tinham de sua benevolência e religiosidade.

A citação entretanto, não chegou a ser entregue. No dia anterior à procissão, seu Quincas procurou o Delegado acompanhado de Zé vaqueiro. Dessa vez trazia provas testemunhais de maneira enfática e com bastante detalhes. Afirmaria ao Delegado o que vira e ouvira naquela noite quando voltava para casa, logo após ter deixado a delegacia. Contaria como se deparou com o fantasma de Sá Lorena, e este lhe dissera ter sido Tonho o autor dos disparos.

- Não sei se ele vai acreditar, Zé, mas é o que tenho a lhe dizer. Você, e meu pessoal estavam presentes e ouviram tudo.

Por ser um homem extremamente religioso, respeitado e admirado na redondeza, seu Quincas não aceitava tantas humilhações e descortezia. Não entendia porque deveria dar satisfação de sua vida pessoal a um destemperado e mal agradecido policial sobre um crime que nada tinha a ver. Mas, como homem educado e probo que sempre fora concordou em colaborar para a elucidação do crime.

Afinal, tinha algo a contar.

Foi direto à sala do delegado que se encontrava em reunião no gabinete do Procurador.

Sabedor do temperamento do homem, o escrivão solicitamente o atendeu:

- Pois não, seu Quincas! O doutor já vem atendê-lo. Quer um suco de maracujá?

- Não obrigado! Apenas desejo dar detalhes de um fato que me aconteceu quando retornava para a fazenda na madrugada em que estive aqui na Delegacia. Tenho muitas coisas a fazer na fazenda e não posso ficar aqui a tarde inteira como da ultima vez. Diga isso ao delegado.

- Sente-se, por favor, e tenha calma seu Quincas. -

- Já vou chamá-lo.

- Imagino que dessa vez o senhor tem algo deveras importante a relatar sobre o crime, não? Comece o senhor mesmo contando o que sabe. Me diga com detalhes e clareza, antecipando-se até mesmo as perguntas que o delegado, com certeza lhe fará. .. Aonde o senhor estava na noite do crime, etc. Isso é muito importante para a conclusão do inquérito.

- O que tenho a dizer interessa apenas ao Delegado!, Respondeu seu Quincas num tom de voz irado.

Getulio, imediatamente comunicou ao Delegado, que desculpando-se do Promotor, dirigiu-se à sua sala, onde se encontrava seu Quincs.

- Já lhe disse Delegado que nada tenho com este crime. Na noite em que Sá Lorena foi assassinada eu estava em Laranjeiras juntamente com ela e Juvenal procurando saber detalhes sobre a execução de Lampião e seu bando. Pernoitei por lá. No dia seguinte, pela manhã iríamos - O prefeito, eu, coronel Amâncio, coronel Saturnino, capitão Rodrigo, dona Elvira, Maninha, padre Fausto, e outros companheiros até Angicos nos inteirar da morte do capitão Virgulino. Conversei com Juvenal que estava ao lado dela. Apenas cumprimentei-a. Discordava das palavras desrespeitosas como ela se referia a Lampião. Disse-me que ele a ameaçou de morte e mandou queimar sua plantaçao...Não lhe perguntei o motivo. Disse que sentia muito pelo ocorrido, e que se ela precisasse de ajuda podería contar comigo, como sempre. Quanto às desavenças que tivemos no passado, isso em nada alterou nosso relacionamento, principalmente por saber perdoar e não carregar mágoas de ninguém. Juvenal ouvia tudo calado e de vez em quando me pedia desculpas, concordando com o que eu dizia. Depois desse encontro, na praça principal de Laraqnjeiras, despedímo-nos. Eu segui meu caminho. Saí de Laranjeiras já noitinha. Fui direto para a fazenda de capitão Rodrigo onde pernoitei, juntamente com as pessoas citadas. Sómente padre Fausto não compareceu, desculpando-se pelos muitos afazeres que tinha na igreja. Justificativas que julgamos plausíveis, não obstante sua ausência sentida por todos. Tínhamos informações importantíssimas a serem divulgadas sobre a morte de Lampião, bem como precauções sôbre nossa segurança que deveríamos tomar. Pasamos a noite conversando e bebendo cachaça. No dia seguinte, logo de manhãzinha ficamos sabendo da morte de Sá Lorena através de dois mateiros, cujos nomes desconheço, e juro nunca tê-los visto pela redondeza. Voltei diretamente para a fazenda para me certificar da veracidade da informação.

É tudo o que tenho a dizer.

Seu Quincas indicou como suas testemunhas, capitão Rodrigo, coronel Amâncio, Saturnino, dona Elvira, Maninha e outros companheiros que com ele estiveram na fazenda de capitão Rodrigo.

- Eles podem testemunhar o que lhe disse, Delegado! Apenas excluo padre Fausto do rol de testemunhas por não ter comparecido ao encontro. No depoimento que deu seu Quincas afirmou ter dúvida quanto ao comportamento do padre que não o via há alguns dias, desde o entrevero que ambos tiveram, exatamente por causa de Sá Lorena.

De posse do mandado de prisão emitido pelo juiz de Laranjeiras, para capturar Juvenal que se encontrava foragido, o delegado ordenou ao sargento Severino que o procurasse, aonde quer que ele estivesse. Queria ouvi-lo mais uma vez, pois as primeiras declarações que dera não foram sufucientes para a elucidação do crime. Se preciso fosse faria a acareação dele com padre Fausto e outros envolvidos. Queria saber também o nome dos mateiros a quem seu Quincas se referiu. O misterioso assassinato de Sá Lorena já começava a se desvendar.

O sitio de Juvenal estava abandonado. Havia lixo por todos os cantos. Apenas cinco ovelhas que berravam ao redor da casa famintas e algumas galinhas que ciscavam o resto de comida deixada no terreiro. A porta estava entreaberta e dentro da casa, espalhados pela cozinha algum resto de alimento, e muita sujeira. Severino notou que faltavam alguns objetos de usso pessoal de Juvenal, como sela e arreios. O único cavalo que ele possuía não estava no curral, bem como a carroça que ele utilizara na noite em que Sá Lorena fora assassinada. O fuzil que Juvenal sempre carregava quando ia à cidade, também não se encontrava no local em que ele costumava guardá-lo.

A coisa começava a se complicar para Juvenal.

Por falta de provas materiais e informações concisas o Delegado ainda indeciso, não tinha como entregar o relatório final a pedido do Promotor público, que lhe enchia o saco!.

Suficientes razões tinha agora o delegdo para indiciar Juvenal. Seria ele o autor do crime? Dois motivos o levavam à conclusão: Fuga depois da morte da mulher e desaparecimento da arma do crime. Ela fora morta com tiros de fuzil, a mesma arma que Juvenal possuía.

Teria que encontrá-lo a todo custo!

Três meses após o assassinato de Sá Lorena, um roceiro de nome Sebastião, ou Tião do mato como era conhecido, forneceu uma pista preciosa indicando o local em que Juvenal estava escondido.

O delegado pegou cinco soldados, montaram nos cavalos e seguiram para Vale Seco, um lugarejo ao norte de Poços dos Anjos, distante dez léguas, cujo sitio fora abandonado pelos proprietários fugindo da seca. Encontraram apenas uma casinha simples de taipas, coberta de folhas de bananeira já ressecadas pelo sol e rodeada pelo mato que lhe dava o aspecto de abandono. Ao se aproximarem cautelosos, avistaram Juvenal que se alimentava de um pedaço de macaxeira, deitado ao chão, sobre uma esteira de palha de pindoba. Ao redor da casa, jogados ao chão restos de frutas de macambira, que lhe serviram de alimento, enquanto foragido.

O delegado deu-lhe voz de prisão. Não houve reação, mesmo porque ele estava deprimido e sem fôrça física capaz de esboçar qualquer investida de fuga.

A Delegacia de Laranjeiras estava cercada de curiosos naquela manhã de sol forte. Ao entorno do prédio rústico, cercado de arame farpado, com moirões de aroeira havia uma fila enorme de cavalos arreados e amarrados sobre a sombra de umbuzeiros. O doutor Antônio Fernandes de Souza, delegado titular há quinze anos no Município e com mais de vinte e cinco anos de serviços prestados ao Estado, estava inseguro com o andamento das investigações e preocupado com a turba que queria invadir a delegacia, retirar Juvenal da cela e fazer justiça com as próprias mãos.

- Calma pessoal, pedia o delegado a todo instante ao povo enfurecido.
- Não temos provas contra Juvenal. – Prendemos por outro motivo, não pelo assassinato de sua mulher. Ainda vamos ouvi-lo. Não podemos culpá-lo antecipadamente? E, se ele for inocente? Gritava o delegado para o povo enfurecido.

Suas palavras pareciam não surtir efeito. O único jeito de conter a turba raivosa foi chamar padre Fausto, líder inconteste para conter a multidão.

Ao entardecer, com a participação serena do padre o povo foi se dispersando, e o delegado finalmente pôde colher o depoimento de Juvenal.

- Naquela noite, após deixar a cidade, peguei a carroça e pedi para Sá Lorena não se incomodar com as ameaças que Tonho lhe fizera e ignorar que ele nos seguia. Declarava Juvenal ao delegado.

O delegado não queria ser tolerante hostil com o depoente, mas o intimidava de vez em quando, afirmando que tudo o que afirmasse seria registrado em livro próprio, o único existente na delegacia, que poderia servir-lhe de prova se estivesse falando a verdade.

- Ao chegar na encruzilhada do umbuzeiro- Prosseguia Juvenal, Sá Lorena desceu da carroça para fazer suas necessidades. Estava escuro, nada se via além de dez metros de distância, mas, pela sombra pude reconhecer que era Tonho. De repente, ouvi dois disparos de espingarda, e quando olhei para o lado, vi Sá Lorena caída sobre uma poça de sangue. – Peguei-a e botei na carroça e fui a toda pressa para casa, mas ela não resistiu, e ao chegar no sítio já estava morta.

Neste momento, Juvenal começou a chorar, tremer e balbuciar certas palavras, que segundo a experiência do delegado seriam para persuadi-lo de algo que escondia. Policial experiente, não se deixou seduzir pela comovente cena e apelou para outros métodos até a exaustão do depoente.

Estava terminada mais uma etapa do inquérito que já rolava quase quatro,cinco meses sem solução.

Restava ainda ouvir novamente Tonho. Padre Fausto, por ser um sacerdote, homem de Deus, seria ouvido na paróquia em dia determinado.

Padre Fausto já havia prestado depoimento como testemunha. Desta vez iria como suspeito. O delegado queria ouvi-lo novamente, já que todos os depoentes citavam seu nome. Tonho, nervoso, mas inteligente e audaz, costumeiro frequentador dos saraus de dona Elvira, moço íntegro e que já estivera em São Paulo, negou todas as denúncias de Juvenal, afirmando que naquela noite não teve qualquer contato com Sá Lorena, e que esteve em Laranjeiras apenas com outras tantas pessoas para saber detalhes da morte de Lampião, e que depois fora com Geraldina ao sarau de dona Elvira, fato por ela confirmado no depoimento que dera dias antes.

- A única ameaça que fiz a Sá Lorena, doutor, foi o ano passado, quando realmente a ameacei de morte, mas isso ficou só na ameaça, tanto é verdade, que Geraldina a perdoou e convidou-a para o nosso casamento, e ela compareceu. Esquecemos tudo que ela fez de ruim conosco. Depois disso, não tivemos mais contato. Afirmou Tonho, seguro de suas declarações.

Qual então teria sido o motivo de Juvenal matar sua própria esposa? Questionava-se o delegado, folheando e relendo centenas de folhas dos depoimentos prestados.

Juvenal estava preso fazia três dias, e o delegado dispunha de mais alguns dias para a conclusão do inquérito. Não deixar dúvida de sua reputação profissional era o que mais temia. Não ia deixar ao lixo vinte e tantos anos de profissão a troco de um crime besta.

Crônica - Cesar Cruz

Sushi, by Joy Argento
O Último Sushi

Eu e a Vanessa, minha mulher, adoramos comida japonesa. Recentemente abriram perto de casa um restaurante japonês. Tão perto que dá pra ir a pé. Viramos fregueses.

Semana passada, o gerente, que já virou nosso amigo, nos presenteou com um convite boca livre para o jantar de inauguração da nova filial da casa.

Fomos. A rua do restaurante estava atulhada de carros. Imediações de estádio em dia de clássico. O estacionamento? Entupido até a rampa. Paramos numa rua escura, dois quarteirões ladeira abaixo. Apresentamos o nosso convite para os jagunços e entramos.

Assim que a porta se abriu, um susto: uma massa caótica de gente apinhada, aglomerada sobre mesas e cadeiras, espalhados pelos corredores, nos acessos aos banheiros, fumando (fumando!) e comendo o que pintava, do jeito que dava. Mesmo assim todos sorriam, e eu sinceramente não consegui entender qual o motivo da felicidade.

Então ficamos ali olhando aquele fuzuê e tentando entender a lógica da coisa. E não havia lógica. Assim como não havia espaço. Nem ar. E não havia lei também, a não ser a lei do cão. As mocinhas, fantasiadas de gueixas, passavam se espremendo por entre a turba faminta, carregando pratinhos e cumbucas que logo desapareciam.

Para comer tinha que se disputar espaço na ponta do cotovelo junto ao balcão, que estava escondido atrás da densa massa de seres humanos, que se avolumavam ali, empoleirados. Não sei se foi ilusão produzida pelo calor, mas em certo momento jurei ter visto gente na horizontal, ocupando os espaços vazios acima das cabeças.

Os mirrados sushimens, receosos de um possível desabamento de corpos, esforçavam-se para interpretar os mais incríveis pedidos:

— Aí, moço! Faz uns dez funilzinhos desses aí pra mim, to com criança aqui!
— Eu estou de pé aqui há mais de 20 minutos! Pelamor de Deus!
— Ai meu pé, ô corno!
— Tem gente de idade passando mal, abre espaço aí!
— Aí meu chapa, manda quatro sopinha, façavor!

Eu e a Vanessa nos olhamos com aquela eloquencia que somente certos olhares têm. Não precisamos proferir nem versos nem verbos. Apertamos nossas mãos firmemente e, no exíguo espaço em que nos encontrávamos, giramos sobre os calcanhares e pegamos o caminho de volta por entre os selvagens. E assim fomos, operação de guerra, nos achatando entre costas, bundas e peitos, abrindo espaço na compactação humana. Tudo o que queríamos era sair com saúde do outro lado.
Estávamos quase na porta, já ansiando pela brisa da noite fresca, quando uma mão me agarrou o ombro. Era o gerente-amigo, feliz da vida, com a camisa mostarda, suada, colada ao corpo.

— Que prazer, meus queridos! — berrou, com aquela alegria que só os gerentes de restaurantes em inauguração têm – Vocês estão se divertindo, sendo bem servidos?

A Vanessa apertou a minha mão.

— Oi? Ah, sim... muito! — falei.
— Mas não estão comendo nada?
— É que a gente... bem... precisamos ir.
— Imagina, nada disso! Venham já pra cá. Vou arrumar um combinado
completo pra vocês. Querem saquê ou preferem cerveja? Vejam a animação da
turma!

Sim, era uma turma realmente animada aquela, e quando vimos tínhamos sido arrastados de volta pro meio da animação...

Meia hora se passou. Na base do dedo no olho e do hashi na orelha, acabamos conseguindo um prato com alguns sushis amassados e dois guaranás. Agarrados ao sustento como o leão ao pescoço do gnu, fugimos para a área externa e (Deus é grande) achamos um naco de mureta, 30 centímetros só pra gente! Cravamos nosso prato ali e fomos comendo com uma mão e nos segurando com a outra, para não sermos levados pela correnteza de corpos que passava atrás da gente.

De repente, não mais que de repente, nos vimos conversando com dois casais assustados, pregados na mureta ao nosso lado. Descobrimos que eles tinham enfrentado o mesmo processo: o convite, o susto, o esmagamento, a tentativa de fuga e a captura.

Cerca de uma hora depois, parte da manada já havia escoado porta a fora, então conseguimos novos pratos e até (era verdade!) saquê gelado.

Milagres acontecem, agora posso atestar, tanto é que acabamos aquela noite de barrigas cheias e doídas de tanto rir das desgraças uns dos outros.

Antes de partirmos, trocamos e-mails e telefones, com a esperança de que um dia possamos dividir, quem sabe, uma outra mureta numa dessas bocas-livre por aí.

Tradução - Eduardo Miranda


Carol Ann Duffy nasceu em 23 de dezembro de 1955. Poeta e dramaturga escocêsa, é professora de Poesia Contemporânea da Universidade de Manchester Metropolitan. Carol Ann foi nomeada Poeta Laureada da Grã-Bretanha em Maio de 2009, sendo a primeira mulher, e a primeira escocêsa a ocupar o cargo. Suas coleções incluem Standing Female Nude (1985), vencedor do Prêmio Scottish Arts Council; Selling Manhattan (1987), que ganhou o Prêmio Somerset Maugham; Mean Time (1993), que ganhou o Prêmio Whitbread de Poesia e Rapture (2005), vencedor do Prémio TS Eliot. Seus poemas tratam de questões como gênero, opressão e violência, em uma linguagem acessível, que os tornou popular nas escolas.
Talento - Carol Ann Duffy

Esta é a corda-bamba da palavra. Imagine
um homem, avançando por ela lentamente
entre um pensamento e outro. É de se perder o fôlego.

Não há rede-palavra.

Você quer que ele caia, não quer?
Quer saber? Eu também; ele oscila mas se recompõe.
O aplauso-palavra está nele todo.


Talent

This is the word tightrope. Now imagine
a man, inching across it in the space
between our thoughts. He holds our breath.

There is no word net.

You want him to fall, don't you?
I guessed as much; he teeters but succeeds.
The word applause is written all over him.

Foreign Word - João Cabral de Melo Neto

Militão dos Santos - Canavial, Acrilyc on canvas, 50x40cm

From Petribu to Tapacurá
translated by Eduardo Miranda

Things are many
which I keep finding on this way.
All sugarcane plant
on both sides of the way;
and more sugarcane plant
on both sides of the way
through where the rivers flow
which I keep finding on this way;
and there's other sugarcane plants
on the banks of other rivers;
which they found
before they find me.
All sugarcane plant
and so on to the infinite;
all sugarcane plant
to a single sugar-mill mouth.

The houses are not many
that I have found around here
(villages are rare
that the cane has not driven).
A few have Rosarinho
and Destêrro, which is nearby.
Paudalho, which is larger,
is threatened less,
Paudalho this city
built into a hedge-and-ditch,
with its iron bridge
which I go through a jump.
Santa Rita is besides
where the trains make their stop:
because they are afraid of trains
it is not assailed by the sugarcane.


Do Petribu ao Tapacurá

As coisas são muitas
que vou encontrando neste caminho.
Tudo planta de cana
nos dois lados do caminho;
e mais plantas de cana
nos dois lados dos caminhos
por onde os rios descem
que vou encontrando neste caminho;
e outras plantas de cana
há nas ribanceiras dos outros rios;
que estes encontraram
antes de se encontrarem comigo.
Tudo planta de cana
e assim até o infinito;
tudo planta de cana
para uma sô boca de usina.

As casas não são muitas
que por aqui tenho encontrado
(os povoados são raros
que a cana não tenha expulsado).
Poucas tem Rosarinho
e Destêrro, que está pegado.
Paudalho, que é maior,
está menos ameaçada,
Paudalho essa cidade
construída dentro de um valado,
com sua ponte de ferro
que eu atravesso de um salto.
Santa Rita é depois,
onde os trens fazem parada:
só com medo dos trens
é que o canavial não a assalta.

Foreign Word - Mário Chamie

Poet and critic of poetry, Mário Chamie was graduated in law from the University of São Paulo. He was Municipal Secretary of Culture and created the Pinacoteca Municipal de São Paulo, the Museum of the City of São Paulo and the Centro Cultural São Paulo. Mario Chamie is an important name in the history of avant-garde that emerged in the late 1950s. As dissident of the concrets, he established the "práxis-poetry" with his book Lavra-Lavra, from 1962. As the name suggests, the central idea was to build poems based on the practice of life. Mario Chamie, the leading poet and theorist of the group. The poems were the result of a practice survey of words within the semantic field of the chosen theme of the poem or book. In this context, I dared transcreate Chamie into English!
Two Italians, an Old Man and a Young Boy
Jean-Baptiste-Camille Corot
The Fool and the Sage
Translated by Eduardo Miranda

The sage within you
do not know what knows
the fool which nobody sees through.

You know you do not see through
the fool who does not know
about the sage within you.

But the fool within you
does not know about the sage you see through.

O Tolo e o Sábio

O sábio que há em você
não sabe o que sabe
o tolo que não se vê.

Sabe que não se vê
o tolo que não sabe
o que há de sábio em você.

Mas do tolo que há em você
não sabe o sábio que você vê.

Releitura - Mário Chamie

Poeta e crítico, Mário Chamie era formado em Direito pela Universidade de São Paulo. Foi secretário municipal de Cultura de São Paulo e criou a Pinacoteca Municipal de São Paulo, o Museu da Cidade de São Paulo e o Centro Cultural São Paulo. Mário Chamie é um nome muito importante na história das vanguardas surgidas no final da década de 1950. Como dissidente do concretismo, instaurou o "poema-práxis" com seu livro Lavra Lavra, de 1962. Como o nome sugere, a idéia central da poesia práxis era construir poemas com base na prática da vida. Mário Chamie, o principal poeta e teórico do grupo. Os poemas práxis resultavam de um levantamento de palavras dentro do campo semântico do tema escolhido para o poema ou livro.
Candido Portinari, Criança Morta, 1944 - Óleo s/ tela, 176 x 190 cm.

Plantio

Cava,
então descansa.
Enxada; fio de corte corre o braço
de cima
e marca: mês, mês de sonda.
Cova.

Joga,
então não pensa.
Semente; grão de poda larga a palma
de lado
e seca; rês, rês de malha.
Cava.

Calca
e não relembra.
Demência; mão de louco planta o vau
de perto
e talha: três, três de paus.
Cova.

Molha
e não dispensa.
Adubo; pó de esterco mancha o rego
de longo
e forma: nó, nó de resmo.
Joga.

Troca,
então condena.
Contrato; quê de paga perde o ganho
de hora
e troça: mais, mais de ano.
Calca.

Cova:
e não se espanta.
Plantio; fé e safra sofre o homem
de morte
e morre: rês, rés de fome
cava.

[ in Lavra-Lavra ]

Ilustração - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração - Hughie O'Donoghue

Inglês de Manchester mas radicado em Co. Mayo, na República da Irlanda, Hughie O'Donoghue é um dos mais ambiciosos pitores em atividade da atualidade. Em sua temática estão história, memória e mitos. No centro de seu trabalho está o (re)imaginário cotidiano, como por exemplo a privação dos trabalhadores itinerantes irlandêses, ou a experiência de seu pai na II Gerra Mundial.

Ilustração - João Werner

João Werner - Tiroteio, giclée vetorial, 42 x 60 cm
João Werner é artista catalogado pela Enciclopédia de Artes Visuais do Instituto Itaú Cultural. Já expôs em Firenze (Itália), Hudson (NY), Los Angeles (CA), Chapingo (México), Londres (GB) e EUA. Seu livro "Pinturas de João Werner - 2002-2008" faz parte do acervo das bibliotecas do Museu de Arte de São Paulo (MASP), Centro de Documentação e Pesquisa Guido Viaro, Museu da Gravura Cidade de Curitiba (Solar do Barão) e Museu de Arte de Londrina (MAL).

João Werner abre uma nova exposição, "Legião, almas para todo gosto". Uma exposição individual com 25 gravuras digitais, retratos de pessoas imaginárias. Página da expo com mais informações: http://www.joaowerner.com.br/exposicoes-de-joao-werner/exposicao_legiao_gravuras_digitais.htm

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