Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Capa - José Geraldo de Barros Martins

Dívida Interna
Editorial

Palavras Quebradas
Palavras Contínuas
Palavras Alheias
Foreign Words - Para Estrangeiros
Palavras Já Ditas
Palavras Mostradas
Palavras Antigas

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Dívida Interna


Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Colaboradores
Asky Klafke, Arnaldo Xavier (in memorian), Dorival Fontana, Eduardo Miranda, José Geraldo de Barros Martins (JG), Luiz Roberto Guedes, Marçal Aquino, Marco Rheis, Matilde Damele, Ragnar Lagerbald, Roniwalter Jatobá, Santiago de Novais, Souzalopes.

Digitação
Teresa Thinen

Revisão
Túlia Lopes

E-mail
tuda.papel.eletronico@googlemail.com

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Editorial

Eis que é chegada a TUDA de Maio! Um mês de fertilidades por si só - já está no nome: da romana Bona Dea ou da grega Maya - a mãe de Hermes, aquele que depois veio a flertar com Afrodite, donde frutificou aquele(a) tal chamado(a) Hermafrodito(a)!

Mas TUDA está aqui para desambigüar! E para tal, acaba com a seção "Trabalho dos Leitores". Leitor que manda trabalho vira colaborador! Poesia, conto, crônica, tradução, ilustração, foto... VAMOS DEMOCRATIZAR TUDA! Outra novidade é o acesso aos autores - um índice individual para todos e cada colaborador de TUDA.

Estamos chegando uma semana antes este mês. Isto porque TUDA quer ser lançada na primeira sexta-feira de cada mês - que aliás era o plano original -, e para tal tentará se antecipar uma semana por vez, para alcançar o seu objetivo em Julho.

Este mês TUDA tem muita, mas MUITA coisa boa! Traz em Palavras Quebradas a poesia negra de Arnaldo Xavier, o quarto poema da série fantasmagórica de Souzalopes, mais a poesia de Luiz Roberto Guedes, Santiago de Novais, Marco Rheis e Dorival Fontana. Nas Palavras Contínuas o conto de Marçal Aquino, o mini-conto de JG e a crônica de José Miranda Filho. Nas Palavras Alheias, o polonês Konstanty Ildefons Galczynski e o chileno Pedro Lemebel. Em Foreign Words, Fernando Pessoa em Inglês. Nas Palavras Já Ditas, a elegância de Murilo Mendes, e em Palavras Mostradas, as ilustrações de JG, Aristides Klafke e Ragnar Lagerblad, e as fotos de Matilde Damele. Na seção Palavras Antigas, Roniwalter Jatobá comanda a série Memória.

Aprecie TUDA SEM NENHUMA MODERAÇÃO. Ela não faz mal. Apenas é contra a INDIFERENÇA!!!

Na luta, companheiros... e TUDA de bom!

Eduardo Miranda
o (auto-proclamado) editor

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Poesia - Arnaldo Xavier


Morto contínuo reluzia osso branco
corredor flamejante se debruça ruadentro
noções de espinhos crus semeados
sobre campos despedaçados beijo solar descontrolado

Face futuro resíduo
animal furo pulsa
a vazar cada cabeça
de boca negra azulada

Coração peneira grãos -- todas as cores
interior nudez madrugada
coroa da noite sangra sobreluar

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Poesia - Souzalopes

Соуза*

(canção
De um fantasmas de Cruz
Para outros de Souza)

não sei que tempo que tomo
nem que palavra ladrar –
sol tombado sobre ponte
satellyte ébrio no mar

não sei que symbollo ou mytho
me vai raspando na alma
me vejo napalm e grito
me vejo nevrose na palma

onde pomba e abutre
ou carcará e borrego
só se dirá potude
por nosso desassossego

cavarei caveira augusto
dos anjos do necrosário
vagarei átomo bruto
lá no vagão dos cavalos

por miséria e alphabeto
não tive europa nem roupa
fiz filho morto tubercu
loso na rosa tão louca

lascada a cruz resta souza
qualquer coisa de não nada
quem sem ouvidos que ouça
a poesia contratada

a forma vã é venal
presa cobra sem veneno
– sou só cruz de mijo e sal
Souza só cru e pequeno

* lê-se “souza” no alfabeto cirílico.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Poesia - Luiz Roberto Guedes


Farewell, Lucky Hotel



demoliram o hoteleco
decadente desde décadas
ninho de amantes discretos
templo barato de eros
piras de camas rangentes

velho sobrado assombrado
por estalos de assoalhos
todo o esqueleto de tábua
gemidos e ais alados
o gozo em toda a escala

agora nunca existiu
ilha alguma nem navio
onde tivemos um porto
de ancorar nossos corpos
só um terreno vazio

farewell, lucky hotel
onde navegamos
tanto mar e céu
nem sinal do tempo
em que nos amamos
por fim, completos
estranhos

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Poesia - Santiago de Novais

Julgamento
mj Aljnj Caroljnj


versu a

A fé e o amor são irmãs, alguma coisa a favor?


versu 2

Tudo bem, vamos lá.
Aguardo ansioso uma resposta.
O tempo passa.
Fico amarelo por dentro.
Vou cair como manga madura.
Abram as janelas, deixem respirar a consciência!
Eu sou nada. Mas não me perdoem por isto.
Alea jacta est.
Aguardo ansioso alguém dizer:
Você não é ninguém nem nada.
Não tem problema.
Fica frio. Posso encomendar veredictos.


versu 1.1

Se pudesse escolher
Eu queria que a gente ia pra bem longe.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Poesia - Marco Rheis


Muitos Anos de Vida


No dia
13 de Abril de 1993
eu acordei
às 7:20
33 anos depois.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Poesia - Dorival Fontana

Espelho


Olhos colorem
ídolos,
perseguem alvos
postiços.
Alimentam sonhos
a gotas de
colírio.
Insinuante
sorriso,
brando e agressivo,
franco como qualquer
mentira.
Tanto faz
tanto fazia...
quem bem
a quer
se bem queria.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Conto - Marçal Aquino


O que ela estava dizendo

Ela estava dizendo que eu era diferente dos outros caras. Um homem especial, entende? Ela estava dizendo que eu era muito engraçado – eu tinha contado aquela da mulher do bombeiro que aparece de surpresa para visitar o marido no quartel, sabe qual é?

Ela estava dizendo que era fraca pra bebida. Cinzano, imagine. Ela estava dizendo que o ex-marido era um bêbado que acordava esquecido das coisas que aprontava de pileque. Ela estava dizendo que o ex não era muito chegado no trabalho, meio “braço-curto”, sabe como é? Estava contando que o sujeito era um filho da puta que batia nela quando bebia.

Ela estava dizendo que tinha duas manias na vida: chocolate e jóias. Podia ser bijuteria, não tinha problema. Ela estava dizendo que não pintava o cabelo, era daquela cor mesmo. Loiro, fininho, cabelo de milho. Ela estava dizendo que não se achava bonita, mas que também não era de se jogar fora. Ela era a cara daquela menina que veio do Paraná, uma que foi miss lá no sindicato, lembra?

Ela estava dizendo que, depois do marido bêbado, andou amigada com um assaltante de banco. Ela estava dizendo que foi uma época feliz e que, por isso mesmo, sempre teve a certeza de que não ia durar. Ela estava dizendo que no tempo bom iam para hotéis chiques, com direito a champanhe, e o sujeito cobria o corpo dela com notas novinhas em folha. Ela estava dizendo que na fase ruim ia visitá-lo na penitenciária agrícola e os caras de lá faziam ela tirar toda a roupa, com a desculpa de que precisavam revistá-la. Só que faziam fila pra ver ela pelada, imagine.

Ela estava dizendo que, embora não se cuidasse, nunca pegou filho do marido bêbado nem do assaltante de banco. E que se tivesse acontecido, não teria abortado de jeito nenhum, era contra. Ela estava dizendo que a melhor amiga dela, uma tal de Daisy, tinha morrido num aborto malfeito. Daisy, com “a” e “y”, ela fez questão de soletrar, como se estivesse rezando uma prece pela falecida.

Ela estava dizendo que me achou interessante desde o primeiro momento em que me viu. Estava dizendo que não entendia como a gente não tinha se cruzado antes. Destino, dissemos ao mesmo tempo. Ela, a sério; eu, de gozação.

Ela estava dizendo que gostaria de conhecer o Rio, Foz do Iguaçu e também Fortaleza. Eu disse que conhecia essas três cidades e mais Natal, João Pessoa, Recife e Salvador, mas não mencionei o caminhão. Ela estava dizendo pra eu largar mão de ser misterioso e contar logo o que fazia na vida. Pedi para ela adivinhar. Ela estava dizendo que talvez eu fosse um espião. Espião, no Brasil?

Ela estava dizendo que, por influência de uma amiga, freqüentou por uns tempos uma dessas igrejas em que as pessoas gritam para se comunicar com Deus. Ela estava dizendo que parou quando percebeu que sua vida não estava indo pra frente, como a amiga garantiu. E que agora rezava por conta. Bem baixinho.

Ela estava dizendo que já tinha mais de 20 anos quando ouviu falar de orgasmo pela primeira vez. Que não sabia que era esse o nome aquele tremor, que ela chamava de tremor mesmo.

Ela estava dizendo que não saía de casa sem ler o horóscopo no jornal. Era sagrado. Perguntei se naquele dia o horóscopo falava de algum encontro bacana. Não, não falava nada, ela disse. Não funcionava desse jeito, precisava saber interpretar. Ela estava dizendo que, além do mais, já tinha passado da meia-noite e aquele horóscopo não valia mais.

Ela estava dizendo que não vivia sem música, não conseguia. E que tinha um rádio praticamente em cada cômodo da casa – e eu gostei quando ela disse isso, adoro gente que fala “praticamente” sobre coisas que quase são verdade. Ela estava dizendo que, em certa época, começou a aprender violão. Depois desistiu. Ela estava dizendo que ficaria até sem comer, mas não passava sem música. E citou uns cinco ou seis nomes, os caras que ela gostava de ouvir, e eu não conhecia nenhum.

Ela estava dizendo que a primeira coisa que notava num homem era a boca, os lábios, os dentes e, se possível, o sorriso. Depois, analisava o resto. Eu pensei em contar a verdade e dizer que eram os seios a primeira coisa que eu reparava numa mulher. Mas não tive coragem. Então falei que a primeira coisa que me chamava a atenção numa mulher eram os olhos. E, depois, as mãos, acredite. (Ela aprovou.)

Ela estava dizendo que não ligava pra futebol, nem entendia direito, mas era capaz de passar horas diante da televisão vendo uma partida e pensando em outra coisa. Ela estava dizendo que o ex-marido era louco por futebol, torcia pelo Atlético. E que se o time perdia, ele bebia de desgosto; quando ganhava, enchia a cara pra comemorar.

Ela estava dizendo que adorava usar minissaia, porque sabia que tinha as pernas bonitas. E que as pernas eram a coisa que ela mais gostava nela mesma. E que o assaltante de banco era vidrado nelas. Ela estava dizendo para eu ir com calma, que ia chegar a hora certa de me mostrar essas pernas. Eu disse que, para certas coisas, a gente mesmo que fazia a hora. E acenei para o garçom, como se estivesse escrevendo na palma da mão.

A caminho do carro, ela começou a dizer que existia uma coisa importante que eu precisava saber, que ela não tinha um dos seios, se aquilo seria um problema para mim. Eu disse que nem se notava por causa da blusa folgada que ela estava usando, mas não disse que saber daquilo tinha me deixado com mais tesão por ela.

Quando saímos do estacionamento, ela disse dizendo que gostaria muito de mudar de vida, que estava doida para ser feliz. Só isso.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Conto - José Geraldo de Barros Martins

O Desenhista


Frederico Gianinni Tiépolo ficou surpreso com a chuva repentina, e embora possuísse automóvel, estava a pé: só entrava em um carro para cobrir um percurso igual ou superior a uns vinte quarteirões:

-"Distâncias menores deveriam ser percorridas caminhando", dizia.

Unindo o útil ao agradável, entrou em um bar, sentou-se e pediu um "Negroni" (gin, vermute tinto e bitter com meia rodela de laranja e meia de limão siciliano). Sempre tomava esse coquetel em dias chuvosos. Ao fixar o olhar na mesa ao lado, notou uma mulher chorando copiosamente. Reparou que ela era muito, mas muito bonita. Uma coisa que deixava nosso protagonista perplexo era a figura de uma dama em prantos; - linda daquele jeito então.

- "A senhorita está resfriada??? Quer um lenço de papel???"

- "Obrigado, mas eu não estou gripada. É que briguei com meu namorado. "

- "É, que pena. Quanto tempo de namoro???"

- "Nove semanas."

- "Poxa. Só isso."

- "Mas eu achava que era o grande amor de minha vida. E você, o que você faz???"

- "Eu sou desenhista de estória em quadrinhos."

- "Nossa, que coincidência, ele também era."

- "Ele quem???"

- "Meu ex."

- "Esqueça. mudando de assunto, você quer ver meu super-herói??? Vou desenhá-lo aqui no guardanapo. Garçom, uma caneta por favor!!!

"Frederico traçou meticulosamente as linhas até formar "O Hiper-Homem", sua criação: um super-herói formado por uma porção de homenzinhos, tal qual o Simurg de Farid al-Din Attar (um pássaro formado por outros trinta pássaros) ou a Águia composta por milhares de reis justos, do Canto XVIII - Paraíso, da "Divina Comédia" de Dante Alighieri. Nosso amigo explicou à beldade, a diferença do "Híper-Homem" que, sendo constituído por pequenas pessoas, era uma alegoria do povo (simbolizando as forças populares), enquanto que o "Super-Homem" era uma só pessoa única, ou seja uma alegoria do individualismo (representando as forças egóicas do capitalismo).

A conversa seguiu animada, trocaram um beijo úmido, no dia seguinte mais, no outro mais ainda, até que estavam namorando. Ela contava os dias. Quando o namoro completou um mês, fez um jantar para ele. Cardápio: Alheiras (de entrada), Açordas de Mariscos (como prato principal) e Toicinhos do Céu (de sobremesa). Para beber vinho Pêra-Manca.

- "O próximo mês é a sua vez." disse esperançosa.

Mas Frederico estava muito ocupado, concebendo estórias de seu híper-herói, e esqueceu-se de preparar algo para comemorar os dois meses de namoro. Ela esperou uma semana para que ele se desculpasse. Mas ele estava absorvido em seus desenhos. Ela não agüentou mais, brigou com ele e foi beber alguma coisa sozinha. O nosso amigo saiu para caminhar sem se dar conta que as nuvens estavam carregadas. Começou a chover. Ele correu para um bar, o mais próximo, sentou-se e pediu um "Negroni". Sempre tomava este coquetel em dias chuvosos.

Ao fixar o olhar na mesa ao lado, notou uma mulher chorando copiosamente. Reparou que ela era muito, mas muito bonita. Uma coisa que deixava nosso protagonista perplexo era a figura de uma dama em prantos. Linda daquele jeito então.

"A senhorita está resfriada??? Quer um lenço de papel???"

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Crônica - José Miranda Filho


Uma Tarde em Madri


Carlos amarelou! Ficou pasmo! Não sabia o que fazer. O cara, cheirando a álcool, que ninguém viu de onde saíra, postou-se à sua frente e com o dedo em riste apontado para o nariz disse: - Foi você! Vai pagar por isso, agora! Por alguns instantes Carlos tremeu. Não sabia o que responder. Depois de alguns instantes se encorajou e um forte sentimento de raiva dominou-lhe inteiramente. Queria partir para a agressão e revidar com tapas na cara a agressão que acabara de sofrer. Mas, impedimo-lo de o fazer, seus amigos, sentados à mesa de um restaurante, degustávamos um vinho enquanto saboreávamos um delicioso jamón. Nós presenciamos tudo, e, tudo ouvimos; os gritos, desaforos e a agressão verbal proferida em tom acintoso. O moço estava transtornado, furioso e demasiadamente embriagado. Sobre a mesa estava um panfleto impresso em duas cores e letras garrafais, anunciando o espetáculo de tourada que aconteceria naquela tarde em Madri. Aquele dia seria a consagração do grande toureiro Marcelo Pancho, ganhador do famosíssimo prêmio Dom Ramon, ano passado. Sua fama já havia chegado fora da Espanha. Esta seria a terceira vez que ele disputaria o campeonato espanhol de tourada. A cidade estava em festa. Os bares e confeitarias estavam lotados de gente que viera dos arredores de Madri e até as outras cidades. Enquanto aguardavam o início do espetáculo, aproveitavam o tempo disponível para um bate papo e uma taça ou outra de conhaque - Carlos I ou Cardenal Mendonza. O cidadão que ofendera Carlos já estava pra lá de Bagdá. Já não tinha domínio de si. Não tinha noção do que falava nem do que fazia. Seu olhar amarelado denunciava a quantidade de álcool que havia ingerido.

Ao atirar-se contra Carlos, cambaleou e esparramou-se sobre a mesa onde estávamos sentados, quebrando todos os copos e alguns pratos. O garçom correu imediatamente e o conteve, com auxílio de alguns presentes. A fúria demoníaca daquele biriteiro, que minutos depois soubemos tratar-se de um primo do toureiro Marcelo Pancho, nos amedrontou e nos fez temer por alguns instantes a infusão política separatista. Mas, felizmente, ele havia confundido Carlos com um cidadão basco, que dias antes, numa elegante confeitaria em Mahadaonda tinha agredido Marcelo Pancho, por ter dirigido gracejos a sua mulher.

Contidos os ânimos e desfeito o engano sob o efeito enérgico da polícia madrilena, que levou o cidadão à delegacia para esclarecimentos, prosseguimos com o bate-papo naquela tarde quente de Madri.

Madri, Outubro de 2006.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Tradução - Eduardo Miranda


Konstanty Ildefons Galczynski

(23/01/1905 - 6/12/1953) K. I. Galczynski - poeta polonês nascido em Varsóvia, mudou-se para Moscou ainda muito jovem, retornando para cursar Estudos Clássicos e Língua Inglesa na Universidade de Varsóvia. Estreou em 1923 como membro do grupo de poetas Kwadryga. Durante a invasão da Polônia passou a maior parte da guerra como prisioneiro de guerra, retornando à Polónia, em 1946. Muitos dos seus poemas pós-guerra são amplamente ignorados por serem considerados suporte ao regime comunista.

Aliança de Casamento


Um dedo é largo e o outro é fino, disse, suarento,
ao comprar naquela noite de terça-feira
nosso par de alianças de casamento
na joalheria do outro lado da fronteira.

Nosso passado miserável não nega –
aquele pavor dos campos de concentração
– seria tal lucro chegarmos aos quarenta
que venderíamos um pouco de vida na ocasião.

Hoje, nessa tão esperada hora
embarco num vôo de invisíveis
aventuras, num avião de carga,
sobrevoando Moscou e seus anéis;

Sob mim as nuvens brancas, minha imaculada
noiva virgem, num anel de ouro enlaçada.
Vôo eu mesmo através desta fronteira impune,
que já não separa, une –

e mais uma vez capturo seu olhar e seu afeto
como os ramos de trigo, flexíveis...
Lembre-se daquele verso...
será que “até que a morte nos separe”
ainda estarão em nossos dedos os anéis?


Slubne obraczki

Dla mojej duzej i twej malej raczki,
w wieczór przy wtorku,
kupilem dla nas slubne obraczki
w "Juwelitorgu".

Bo nasze dawne, gdy byla bieda,
strach i areszty,
musialas, mila, na zycie sprzedac
w roku czterdziestym.

A dzis dni nasze nawet marzenia
smiale przerosly
i w samolocie wioze, w przestrzeniach,
obraczke z Moskwy;

pode mna chmury, jak panny w bieli,
w zlocie warkoczy.
Lot nad granica, która nie dzieli,
ale jednoczy -

i znów twe rzesy i twa serdecznosc,
jak trawa, miekko...
A pamietasz ten wiersz,
ze "przez wiecznosc, przez wiecznosc
swiecic beda obraczki na reku"?


Epístola de Amor

Hoje o mundo todo era para ser seu,
Eu prometera três luas, minha cara
E mais o lamento da cigarra, e o vento ao léu
ciciando o seu ar, que com a noite se mistura.

Estrelas-cadentes despencam desta noite, tantas
que parecem serem carregadas pela ventania.
Jogue uma flor, mesmo das mais pequeninas.
Atire uma flor, que a noite deveria dançar para o dia.

Epistola do zakochanych

Do was nalezy dzis caly swiat,
na trzy ksiezyce klne sie, moi drodzy -
o, swierszcz na moscie kwili, a ten wiatr
oddech wasz z oddechem laczy nocy.

Tyle gwiazd zaczelo swe spadanie!
Jak maly bak zza wegla sierpien patrzy.
Rzuccie kwiat, chocby najmniejszy, dla niej.
Rzuccie kwiat, ta noc dzis dla was tanczy.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Tradução - Santiago de Novais

Pedro Lemebel

Pedro Lemebel nasceu em Santiago, Chile, em meados dos anos 50. Em 1987, juntamente com Francisco Casas, ele criou as Éguas do Apocalipse, um grupo de arte que desenvolveu extensos trabalhos em artes plásticas, incluindo fotografia, vídeo, performances de arte e instalações. Seus artigos apareceram em jornais e revistas no Chile e internacionalmente. Ele mora em Santiago, onde produz Canionero, um programa de rádio para Rádio Tierra.

Anacondas no Parque

Apesar do relâmpago modernista que rasga a intimidade dos parques com seu alógeno delator e acaba por converter a clorofila da grama em ondular de plush apagado pelo barbear municipal. Metros e metros de um Forestal "verde que te quero" em ordem, simulando um Versalhes crioulo como cenografia para o ócio democrático. Mais ainda, uma vitrine de parque como paisagismo japonês, onde as ervas daninhas se sobrepõem ao estilo bonsai de corte de cabelo militar do jardim, como se os milicos influenciassem até no corte dos arbustos de um parque. É onde as câmeras de segurança, que com as quais sonhou tanto o prefeito, espremem a saliva dos beijos na alquimia eletrônica preconceituosa do controle urbano. Câmeras para idealizar um belo parque a óleo, com crianças de tranças loiras revirando ao vento. Focos e lentes camuflados pelo abraço insípido dos condomínios em volta, para controlar a demência senil dos que babam nos assentos públicos. Anciões de olhada azulosa com seus poodles tosquiados pela mesma mão que recorta os ciprestes.

Ainda assim, com todo este aparato de vigilância, e mais além do entardecer bronzeado pelo smog da urbe. Quando cai a sombra, distantes do rádio e anunciados pelos faróis. Roçando devagarzinho as pontas molhadas do capim, se vê a ponta de um pé que encolhido finca as unhas na terra. Um pé que perdeu a sapatilha nos volteios do sexo apressado devido à paranóia do espaço público. Extremidades enlaçadas de pernas em arco e lábios trêmulos que sussurram "não tão depressa, tá doendo, devagar, cuidado que vem gente".

Pelo caminho se aproximam casais de mãos dadas que passam como se estivessem exibindo flores de laranjeira pelos atalhos iluminados da legalidade. Futuros casais, que fingem não ver o amancebamento das cobras que se enrolam na grama. E comentam em voz baixa "eram dois homens, percebeu?". E seguem caminhando, pensando em seus futuros filhos homens, em como preveni-los dos parques e destes sujeitos que caminham à noite e observam os casais por detrás dos arbustos. Como o voyeur que os observava ainda há pouco. O voyeur os observava fazerem amor na dureza do parque, e como os outros que faziam o mesmo porque não tiveram dinheiro para o motel, mas gozaram como nunca sobre a intempérie verde, sobre os olhares deste espectador que não pode aplaudir porque tinha as mãos ocupadas, movimentando-a para cima e para baixo a todo vapor, balbuciando um "ummm, é agora, vou gozar, por favor esperem um pouquinho mais". Então ela lhe disse "sabe que não consigo com gente olhando". Mas a estas alturas o "não consigo" foi um lamento silenciado pela febre louca da transa e o "alguém olhando" um tempero de olhos egípcios nadando entre as folhas. Um devaneio abismal que dilatou suas pupilas de bronze, e outro par de olhos brotou de sua fertilidade. E quando o moleque fez 15 anos, ela não lhe disse "cuidado com os parques", porque soube que o dourado destes olhos era já extrema sede de parque. Por isto calou sua advertência. O "cuidado com os parques" podia ser uma sinopse da gaze verde do pasto e isto só apressaria o vaivém frenético de seu prepúcio adolescente. Seria um lançá-lo a percorrer o verdejante gramado como um réptil no cio, andando absorto, fazendo-se de desentendido, e que saca um cigarro para que o homem que o segue lhe peça fogo, e lhe pergunte "fazendo o que por aqui?". E sem esperar a resposta o empurre suavemente para detrás das matas. E lá, em plena umidade, lhe acenda a selva eriçada do púbis, chupando com língua de lagarto seus culhões de menta. Elevando este beijo de fogo até o cume do pau, como fosse um caule cristalino. E enquanto a cinta de carros e ônibus passa pela marginal em volta do parque, o garoto se entrega ao marasmo de seus quinze anos de papel que naufragam como barquinhos nos lençóis ensopados do gramado. E não importa que o farfalhar das ramas lhe diga que alguém mais o está observando, porque ele sabe como é caro ver um filme pornô neste país. Ele também já fez o mesmo e conhece o mecanismo de separar as ramas para involucrar-se na trindade incestuosa dos parques para poder ver estas coisas.

Quiçá observar é ser cúmplice de um assassinato, estrangulando a vítima com o boneco vodu que derrama seu veneno de crótalo entre os dedos. A mesma cena que observa é refletida pelo brilho da cabeça do seu pau, como uma repartição generosa para a fome desvairada de sexo de quem observa. Por isto a umidade do parque se funde ao moleque em um anonimato perverso. Por isto as noites cruzam a ramagem de suas plumas com sua obscura e leitosa falta de claridade e não importa coagular-se com outros homens, que serpenteiam os atalhos como anacondas perdidas, como serpentes de cabeça vermelha que se reconhecem pelo semáforo brilhoso de seus rubis paus.

Peões, empregados, colegiais ou seminaristas, se transformam em ofídios que abandonam a pele seca dos uniformes, para tribalizar o desejo em um futuro opaco de cascavéis. Algo abjeto em seus olhos fixos parece acumular um Sahara, um Atacama, um salar salitreiro de pó que sibila o tridente ressecado de suas línguas. Apenas uma golfada como uma zebra prateada, do jato de esperma, distende os lábios em uma garoa de sêmen, baba que conduz ao coração do ninho enrolado de papel higiênico na manhã seguinte, e que absorve este lacrimejo. Vários ninhos para chocar camisinhas, que esparsos pelos prados como se fossem futuras crianças envoltas em polietileno, fermentam ao sol na perfumada atmosfera de magnólias. Os parques à noite florescem em rocio de pérolas solitárias, em chuva de arroz que derramam os círculos das solteiras na saída de um casamento, como ecologia passional que circunda os casais. Masturbações coletivas reciclam em manobras desesperadas os jogos de infância, como o tobogã, o gira-gira, o balanço, o pique de esconder no escurinho dos garotos, que com seus ossos uns sobre os outros, se aglutinam na somatória de suas cartilagens. Assim mão no pau, mão na mão e no pau alheio, formam uma roda que coletiviza o gesto negado por um carrossel de manuseios, em um "corre senão te pego" de toqueteios e agarrões. Uma dança tribal onde cada um engancha seu trem ao expresso da meia noite, encarrilhando uma taturana que toma sua forma no penetrar e ser penetrado debaixo da folhagem turva das acácias. Um rito ancestral em ronda leitosa espelha a lua cheia, repetida continuamente em centrífugas voyeurs mais tímidas, que palpitam na taquicardia nervosa entre os arbustos. Noite de ronda lunática que ronda e se parte como um colar lácteo de sêmen ao passo ruidoso dos policiais. O lampejo purpúreo da sirene que fragmenta nádegas e escrotos, sangrando a festa com seu piscar estrobofóbico. Iluminando claramente o mato com seus faróis, arremete trovejante a lei sobre as espáduas nuas, a um ritmo safári com sua toda-poderosa-força-fálica. Em meio às bordoadas dos cassetetes tratam de correr, mas caem ao chão estorvados pelas calças, cobrindo com as mãos o pau e o saco, ainda quentes e despidos pela surpresa. Mas as lanternas revolvem o matagal e fuçam e chicoteiam seus lombos camuflados pela trama fria das violetas. O garoto escorrega através das hortênsias mata abaixo e sobe o zíper do jeans que lhe mordia a pélvis. Quando chegar a sua casa trocará as cuecas se ainda estiver com elas. Alguém em um intento desesperado de fuga, zigzaguea os carros da marginal em torno do parque e alcança a ponte perseguido pelos disparos. Em um salto suicida voa sobre o peitoral e cai no rio sendo tragado pelas águas. O cadáver aparece dias depois polvilhado de vermes às margens do ribeirão que corta o Parque de los Reyes. A foto no jornal mostra o corpo como se fosse a casca de um réptil abandonada entre as pedras.

Ainda assim, os parques de Santiago seguem se multiplicando como lugares de passeio planejados para satisfazer o desejo dos cidadãos. Os parques são lugares onde se faz cada vez mais difícil concretizar o tocar destas pessoas, que sujeitas a mirada do olho público, busca a carícia da escuridão para regenerar o contato humano.

***

(Leia o original em espanhol aqui)

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Foreign Words - Eduardo Miranda


Fernando Pessoa

This Pessoa’s poem is marked by the forgery of the feelings – the art of misrepresentation. The word Autopsychography derives from Portuguese word Psicografia - Psychography - which derives from the Greek, meaning "writing from the mind or soul of a medium, words suggested by a spirit or entity".

Autopsychography

The poet is a pretender
His pretense seems so real
That he pretends to suffer
The pain he really feels.

And those who read his writes,
In the pain chore feel well,
Not both pains he delights,
But the one which nobody tells.

Hence the gutters of merry-go-round
Spin out to put my mind apart,
This convoy of rope that bounds
This convoy of hope called heart.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Releitura - Murilo Mendes

Murilo Monteiro Mendes, (13 de Maio de 1901, Juiz Fora, Minas Gerais, Brasil - 13 de agosto de 1975, Lisboa, Portugal). Aos 9 anos diz ter tido uma revelação poética ao assistir a passagem do cometa Halley. Uma nova revelação aos 16, ao assistir às apresentações do bailarino Nijinski no Rio de Janeiro. Foi de 1924 a 1929 que Murilo Mendes se dedicaou à sua formação cultural, assim como à luta contra a instabilidade profissional - foi arquivista no Ministério da Fazenda, funcionário do Banco Mercantil, inspetor de ensino, escrivão, e professor (lecionou na Universidade de Roma e na Universidade de Pisa). Publicou poemas em revistas modernistas como "Verde" e "Revista de Antropofagia", e seu primeiro livro "Poemas" sai em 1930. Seus livros foram largamente publicados por toda a Europa.

Canção do exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

O homem, a luta e a eternidade

Adivinho nos planos da consciência
dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos
Mundo de planetas em fogo
Vertigem
Desequilíbrio de forças
Matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!

Um dia a morte devolverá meu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins,
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo.

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Ilustração - José Geraldo de Barros Martins

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Ilustração - Aristides Klafke

PETRA - 14" x 60" - Técnica mista em tela, Abril 2009

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Ilustração - Ragnar Ragerblad


Barcelona


Índio

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
A Mente Pela Lente - Matilde Damele

México, 2007


NYC, 2006

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 5 - Maio 2009
Memória - Roniwalter Jatobá

O dia em que Kipling aportou no Brasil

Vinte anos depois de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, o escritor inglês Rudyard Kipling visitou o Brasil e ficou deslumbrado com a serra do Mar, em São Paulo

No começo de 1927, o escritor inglês Rudyard Kipling, Prêmio Nobel de Literatura de 1907, visitou o Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro no final da tarde de 13 de fevereiro. Foi recebido com festa na Academia Brasileira de Letras, no Petit Trianon. Estavam presentes dezessete acadêmicos, de Afonso Celso a Coelho Neto, além dos embaixadores da Inglaterra, França, Estados Unidos, Argentina, representantes da presidência da República, diplomatas, e Getúlio Vargas, então ministro da Fazenda e futuro ditador e imortal. Kipling transmitiu a "seus colegas os mais vivos sentimentos de gratidão".

Na segunda semana de março, Kipling desembarcou do navio Sierra Córdoba, no porto de Santos (SP), em companhia do advogado Alexander Mackenzie, vice-presidente da Light. Na época, o romancista e poeta já era uma celebridade literária e "cantava as glórias perenes" da Inglaterra, ainda a maior potência colonial do mundo. Em prosa e verso, exaltava a coragem com que os ingleses enveredavam por terras estranhas no continente asiático e, com "sacrifícios", levavam a este mundo o estilo de vida britânico. O canadense Alexander Mackenzie, também súdito de sua majestade (Jorge V), acompanhou Kipling do Rio a São Paulo para mostrar, em Cubatão, o trabalho da Light na serra do Mar. Afinal, uma impressão favorável da usina de Cubatão no Morning Post, de Londres, onde o escritor publicava seus relatos de viagem, seria excelente negócio para a empresa canadense, já que seu capital era também inglês e suas ações, negociadas na Bolsa de Londres.

Desde o início dos anos 20, a Light buscava uma fonte de energia hidrelétrica na serra do Mar. Em 1923, a empresa resolve topar o desafio do Projeto Cubatão, ou seja, encaminhar vários rios (o Tietê, por exemplo) próximos à capital para a serra e aproveitar suas águas na encosta. Ao invés de irem para o interior, seguiriam para o Atlântico, aproveitando a bacia do rio das Pedras como canal natural. Na crista da serra, seriam construídos túneis por onde passariam as águas em direção aos tubos adutores e, dali, na queda de 750 metros, até as turbinas instaladas no sopé da serra (a casa de força). Obra inédita na engenharia do país e de alto custo financeiro, havia ainda a malária, como impedimento brutal à permanência de trabalhadores na serra. O local, considerado pelos engenheiros como o "mar Morto", estaria condenado eternamente à morte de germes e absolutamente inaproveitável para qualquer empreendimento. A Light, no entanto, conseguiu convencer os acionistas a investir no plano. Logo, contratou o sanitarista Arthur Neiva – que acompanhou as obras do canal do Panamá, onde a malária atingiu não só os trabalhadores mas também a população local -- para tratar da endemia. Em 10 de outubro de 1926, foi inaugurado o primeiro gerador. Um enviado especial do Diário da Noite (13/10/1926) desceu a serra e anotou: “Quem viu um faroeste pode fazer idéia perfeita das duas cidades improvisadas em madeira e folha de zinco que S.P. Light Power criou para os seis mil trabalhadores e trezentos e cinqüenta empregados de escritórios que seus serviços ali reclamavam".

Certamente, Alexander Mackenzie não poderia deixar de mostrar tudo isso ao autor dos versos de The Five Nations (1903), inspirados nas empresas britânicas espalhadas "por todos os lugares da Terra". Kipling veio e viu. E ficou deslumbrado com o potencial energético da serra do Mar ("generosas tempestades tropicais"), mas nem tanto com o complexo hidrelétrico construído pela Light. "Ridiculamente fácil", escreveu no Morning Post, impressões também traduzidas pelo diário carioca O Jornal, de Assis Chateaubriand.

Diário De Viagem

Chegamos a Santos, porto de São Paulo, sob a claridade bronzeada de um céu da África Ocidental, subimos um tortuoso rio holandês por entre planícies verdes. Atracamos a um cais onde todos os vapores do mundo descarregavam artigos de luxo, mecanismos e aparelhos e carregavam sacos de café (...).

Montões de bananas desciam o rio em barcaças e se juntavam às cargas verdes de vapores cremes com chaminés pretas e vermelhas. A atmosfera é a do Sul da Índia (...).

Saímos da cidade por uma estrada vermelha, ao lado de uma estrada de ferro de pista dupla, e atravessamos uma região com grandes plantações de bananeiras rumo a uma serra de cimos cobertos de nuvens que levantam uma muralha atrás de Santos, como acontece no Rio e em toda a costa, da Bahia para baixo. Um espigão mostrou uma escoriação rósea dividida por uma linha vertical.

É a nova usina de energia, para onde vamos (...).

O carro entrou por uma estrada lateral que lembrava o sopé do Himalaia, embora o clima fosse tão quente quanto o de Madrasta. Sentiam-se trabalhos de construção nas barreiras e cortes sob a florida vegetação purpúrea da montanha. As valas de terras ao lado fluíam vermelhas e cheias. Paramos numa depressão vermelha aos pés de enormes pinheiros que desciam de um teto plano de nuvens quinhentos metros acima. Bangalôs de telhas e concreto se elevavam por todos os lados. Eram uma prova de que aquilo seria uma sede permanente, embora houvesse também construções de madeira e zinco. Um deles era um refeitório inconfundível e agradável, que lembrava o Canadá, com a nota estranha dos grous que se debruçavam sobre um riozinho espantado, que evidentemente rolava mais água do que aquela para a qual fora feito.

A mistura de países e associações se dividiu por ocasião da comida. A conversa se distribuiu entre homens que tinham vivido pendurados diante da face do penhasco cheio de vegetação acima deles nos últimos dois anos. Tinham sofrido muitas coisas, espantosas, especialmente com o solo traiçoeiro, que é parecido com o queijo Roquefort (...).

Fomos para a nova usina de energia, onde se usam algumas centenas de litros da água represada acima (...).

Há um andar tranqüilo neste edifício onde o ronco das águas liberadas das rodas mal é ouvido. As luzes aqui mudam de cor, caem números como num quadro de hotel mas não podem ser apagados. Os números sobem a certas alturas e ali registram os seus máximos indeléveis. Governadores comunicam aos governados as concessões permitidas e que vantagens foram tomadas. As formas mais grosseiras de pecado elétrico são marcadas em silêncio e desaparecem. Tudo isso se destina a fazer que nada em toda a instalação se arrogue por um só instante o direito de desprender-se das necessidades da carga ou sofra um acidente momentâneo e isso - aí é que está o toque infernal - sem esperar que o Espírito Superior conserte as coisas. Chama-se a isso de ciência! Mas, de vez em quando, as generosas tempestades tropicais mostram o que realmente significa a "produção de energia" (...).

Fomos depois olhar as águas acima do firmamento que parece tão baixo acima de nós. Fomos içados para o alto da montanha num bondinho suspenso ao lado dos canos e toda a vívida paisagem, caindo como o fundo de uma caixa, ficou abaixo até que pudemos avistar a quente Santos e os seus diminutos navios seiscentos metros abaixo (...).

Nosso bondinho nos levou montanha acima para a densa invisibilidade de nuvens mais espessas. À direita, havia a sombra de longas florestas. À esquerda, uma claridade sinistra que sugeria longas chuvaradas. O engenheiro estava um pouco aborrecido com isso porque queria que víssemos a sua cadeia de lagos. Mas como poderia ser de outra maneira? A serra detém e extrai chuva de todas as nuvens que vêm do mar e fazem cair por ano três metros e meio de água. Se não fosse isso, não haveria represa e, tanto quanto nos interessava, não haveria mais que uma lavanderia em ação. Os deuses estavam à procura de efeitos mais requintados (...).

O engenheiro estava, pois, aborrecido. Mas o trabalho dele até então tinha sido ridiculamente fácil. O platô no alto da serra se afasta da costa em pequenos morros que não são muito bons para a agricultura. Tudo o que ele tinha de fazer era fechar o colo de certos vales com concreto e esperar até que a precipitação de três metros e meio por ano os enchesse. Enquanto tratava disso, encontrou um rio e o sistema que seguiam o seu curso pré-histórico para o sul até Buenos Aires. Notando que a bacia do rio não era grande coisa, dragou-a e represou-a um pouco e encaminhou as águas de cheia (pois era um rio temperamental) para as suas represas e, através das suas Rodas Pelton para o pé da serra e, depois, através da planície, para Santos -- para leste e não para o sul. Creio que houve necessidade de um túnel ou dois. Mas, de qualquer modo, ele tem agora uma rede de lagos e mares interiores ligados por seus encanamentos e com uma capacidade de infinita extensão mediante o fechamento de novos vales. As necessidades estão sempre em expansão à medida que São Paulo descobre que pode fazer as coisas por si mesmo e mais uma estrada de ferro é eletrificada para que as greves nas minas de carvão inglesas não a venham fechar. E a coisa mais simples do mundo é colocar alguns “Abu Bijl” a mais nas suas prisões de concreto (...).

Mas esqueceram que o mistério que agora anda para cima e para baixo pelos fios poderá daqui a alguns anos ser transmitido pelo ar para navios e a indústria marítima será representada por peritos diante de painéis de instrumentos, distribuindo em ondas direcionais a energia contratada por várias linhas de navegação. Nesse tempo, as tempestades dos mares serão traduzidas em linhas ascendentes e descendentes nos indicadores. Nessa época, os distantes comandantes se limitarão a regular a energia de que precisam, do mesmo modo que os seus guinchos hoje tratam os cabos de atracação.

Nessa época, que será anunciada pelo haraquiri dos barões do petr6leo, o Brasil, com o seu potencial ilimitado de energia elétrica, venderá eletricidade dos 25 graus de Latitude Norte aos 60 de Latitude Sul de ambos os lados do seu continente, até ao meridiano 180 a oeste e a leste, até o outro lado da árida África.

Explico tudo isso ao engenheiro em breves palavras. Mas ele, que passou a vida fazendo coisas inconcebíveis, disse que eu era "visionário" e continuou a falar do seu mísero meio milhão a mais de cavalos.

Milhões De Eucaliptos

Na verdade, o engenheiro F.S. Hyde, que viabilizou o projeto e acompanhou Kipling, esteve chateado o tempo inteiro. Para Kipling, "as generosas tempestades tropicais" mostravam o que realmente significava "a produção de energia". "A grande obra" da Light não havia sido tão notada pelo famoso autor. "A coisa mais fácil do mundo é colocar alguns “Abu Bijl” a mais nas suas prisões de concretos", escreveu Kipling.

O técnico lightiano também não gostou de outro fato acontecido durante a visita. Empregados da Light contaram a Kipling que "tinham tido algumas dificuldades com aquela encosta depois de havê-la desmatada para o assentamento dos canos". No momento, plantavam milhões de eucaliptos para dar mais coesão ao solo, mas as formigas tinham gostado também da nova árvore e estavam pensando em matá-las com gases. "Quando se começa a interferir com a natureza, não se pode mais parar", acrescentaram.

Subúrbios Paulistanos

Em São Paulo, Rudyard Kipling ficou hospedado no Hotel Esplanada, um dos mais chiques da cidade, localizado na praça Ramos de Azevedo (atrás do Teatro Municipal), onde está hoje a sede do grupo Votorantim. Foi a uma recepção no São Paulo Athletic Clube e visitou, "na extremidade de um dos intermináveis subúrbios de São Paulo, uma fazenda de criação de cobras onde se preparam e distribuem soros contra as dentadas das cobras venenosas, que são abundantes por aqui” -- o Instituto Butantã. Rodou de carro pela cidade: "O trânsito -- muitas das ruas internas são de mão única -- é regulado por homens da polícia, de cassetete e caderno na mão (esta última parte é uma fraqueza dos latinos no mundo inteiro), encarregados dos sinais luminosos. Deixam o trânsito ultrapassar de um lado para outro indiferentemente, e se espantam de que o índice de acidentes não baixe". Viajou para uma fazenda de café, no interior paulista. Escreveu um poema sobre a usina de Cubatão ("Canção do dínamo") e, entre outros, a "Canção das bananas". Antes de seguir para o Uruguai e Argentina, conversou muito: "O brasileiro diz que o seu país é cheio de corrupção". But that is another story (mas isto é outra história), como terminam muitos contos de Kipling.

Quem Foi Kipling

Rudyard Kipling nasceu em Bombaim, Índia, em 1865. De uma família de origem inglesa, viveu ali até os seis anos de idade, quando foi enviado à Inglaterra para estudar. Em 1882, retomou ao seu país e dedicou-se ao jornalismo e à ficção. Em 1907, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.

Considerado o romancista e poeta do "triunfante imperialismo britânico da época vitoriana", escreveu uma vasta obra. Viajante incansável, percorreu países da África, Ásia e Américas, deixando suas impressões em volumes como O livro da selva (1894), Kim (1901), ambos traduzidos por Monteiro Lobato, Histórias para crianças (1902) e muitas outras narrativas como Cenas brasileiras (1927). "Grande repórter, observador agudo dos fatos sem muita penetração psicológica, tomou-se o poeta do Império Britânico”, observou o crítico Otto Maria Carpeaux. "O seu ideal era a disciplina do exército colonial, que garante o domínio da raça superior dos ingleses. Loyalty é o seu lema, bem diferente da Fidelity de Joseph Conrad (1857-1924): certa brutalidade que se julga heróica. É o feudalismo das classes médias, o futuro fascismo (...). Kipling impõe-se à sua época pela atitude de professeur d' energie e pela arte que tem toda a frescura do plein air".

O escritor argentino Jorge Luis Borges o admirava e até justificou suas afirmações ("raça superior", "eleição dos anglo-saxões por Deus", o Império como "burden of the white man - o fardo do homem branco") dizendo que um escritor não deveria ser julgado por suas idéias. "Ele deveria ser julgado pelo prazer que proporciona e pelas emoções que se obtém", disse Borges. "Quanto a idéias, afinal de contas não é muito importante se um escritor tem esta ou aquela opinião política, porque uma obra se sairá bem apesar delas, como no caso de Kim, de Kipling. Considere a idéia do Império Britânico: bem, em Kim, penso que as personagens a quem o leitor realmente se afeiçoa não são inglesas, mas muitos dos indianos, dos muçulmanos. Acho que são pessoas mais agradáveis. E isso é porque ele as considerava - não! não! não porque as considerava mais agradáveis - porque as sentia mais agradáveis".

Rudyard Kipling ficou no Brasil entre fevereiro e março de 1927. Depois, seguiu para outros países, entre eles Argentina e Uruguai. Segundo R. Magalhães Júnior, da Academia Brasileira de Letras, a sua viagem "parece ter tido como principal conseqüência a promoção de sua obra, com mais de quarenta volumes, em nosso país, onde até então só era conhecida através de edições inglesas, francesas ou espanholas, ou de um outro trabalho avulso, traduzido e estampado em publicações literárias".

Kipling faleceu em Sussex, Grã-Bretanha, em 1936.

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix