Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano VI Número 63 - Março 2014

Showing posts with label Abril 2012. Show all posts
Showing posts with label Abril 2012. Show all posts

Editorial

Michael Cheval, April
36" x 24", oil on canvas,
Salve! Salve! Abril TUDA - abre que é benvinda!

Depois de tantos atrasos consecutivos, já era tempo de TUDA adiantar um pouco! Precocemente TUDA! Precoce como a Primavera... Viva a Primavera que TUDA vem com TUDO!

Na Mesopotâmia antiga, no chamado Berço da Civilização, Sumérios, Acádios, Assírios e Babilônicos costumavam comemorar a Primavera, que simbolizava o "começo do ano", com o festival da "ceifa de cevada". Hoje em dia, embora não seja mais o começo do ano, a Primavera ainda funciona como uma metáfora para o início de tempos melhores... É Primavera no Hemisfério Norte, e TUDA vem no espírito da transição entre Inverno e Verão, com a idéia - ou sentimento - de renascimento, renovação, e regeneração, afim de curtir dias claros, de céus ensolarados e temperatura amenas, que duram 18, 20 horas... Maravilha!

E vem chegando cada vez mais cedo, cada vez mais afoita e mais eufórica, a Primavera... e nada teríamos para reclamar - um sol maravilhoso, um tanto fora de época - não fosse o fato de que as relações entre os pássaros, árvores e insetos também vão ficando mais estreitas! Árvores brotando suas folhas mais cedo, aves que migram antes da hora, e acabam encontrando menos oferta de insetos para se alimentarem. Um desbalanço neste ciclo particular de vida.

Mas é isso aí companheiros, menos ciência e mais literatura: na suja LabUTA do dia-a-dia, devagar & sempre que atrás vem gente - só por hoje! Quase lançada diretamente da Terra Santa de Pindorama, TUDA quase saiu mais cedo - um dia ainda sai - mas a qualidade continua a mesma, danada de boa, graças aos nossos colaboradores (confira em Dívida Interna).
QG da TUDA - processo de publicação
TUDA de bom!
Eduardo Miranda
O (auto-proclamado) Editor

Dívida Interna

This Is Not Torture by Guy Colwell


Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Digitação
Eduardo Miranda

Revisão
Dos autores

Participam desta edição:
Alberto Bresciani, Almandrade, Andrew Jones, Antonio Cisneros, Arnaldo Xavier, Cândido Portinari, Carla Andrade, Cesar Cruz, Gustav Adolph Hennig, Henrique Augusto Chaudon, Iván Palomino, Izacyl Guimarães Ferreira, Jean-Baptiste Camille Corot, Joan Miró, José Geraldo de Barros Martins, Marina Alexiou, Marina Ross, Michael Cheval, Rene Magritte, Ronald Augusto, Salvador Dali, Sam Rigling, Tara Baden, Val Byrne, Van Gog, Vera Lúcia de Oliveira, Yue Minjun.

E-mail
tuda.papel.eletronico@gmail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

Ogun

(...)

5

Eternamente
nada
eterno é

6


dãnça
com fome fl*r

7

é fácil ser flor
é fácil ser capim
difícil ser fl*r e ser capim

8

Ave de fenda
chave
de senda

(...)

Poesia - Santiago de Novais

Ilustração enviada pelo autor

Exéquias

lavandas são alegres sobre túmulos
por baixo não sendo tristes nem nada
decoro de um poema de arnaldo xavier
filó de saliva negro nunca cansa
                                                  danza
se sobre o condenado paira a indiferença
qual a metáfora para seu cadafalso?
quem morreu além do poeta negro não morreu,
lud lud você também irmão branco e seu cachorrinho-cachimbo
                                                  rima falsa ou cadafalsa?
templo de sofrimento caminhas mais você mesmo que antes
os dias da infância juntos cada um fora um vitral
na capela da vida
                                                  música- que quebrou
                                                  mais alto, mais alto,
poema-saliva
letra-leite
oração-baba
                                        nada de despedidas
                                        viver é pisar o azulejo do tempo
                                        alguns soltos da parede-poema
                  (não escorregue)
 das suas trincas chegará o céu
o céu para você que está indo
letra-sálvia
verbo-salva
palavra-lágrima
consoante-vida
vogal-adeus
vírgula-saudade
ponto final-sem fim.

Poesia - Dorival Fontana

Fake Smile, by Marina Ross

Dia a Dia


Tantas pessoas felizes
e seus sorrisos idiotas,
quando me olho no espelho
vejo-me em todas elas...
penso em quebrar o espelho
e matar-me várias vezes;
exterminar a hipocrisia
que se oferece ao ridículo,
em cada rosto inexpressivo
que se anestesia noutro sorriso...
cada dona de casa,
cada chefe de família,
devidamente prostituídos,
com a mesma droga inofensiva
licitamente consumida.

O que realmente importa:
é tudo que dá IBOPE,
o politicamente correto,
a ascensão burguesa,
os valores da moda,
a injustiça de todos,
a impunidade seleta,
a fartura de poucos,
o infortúnio de muitos,
a ignorância inata,
a prosperidade acima dos outros,
o sucesso acima do próximo,
o poder acima de todas as coisas
e um renovado sorriso convincentemente idiota.

Poesia - Pedro Du Bois

Van Gogh - The Dance Hall at Arles, 1888, Oil on canvas

Dançar

Vejo: pés rápidos deslizam
        passos convencionados.
        O rosto preso no exemplo.
        Mãos inertes ao contato.

Reflito a posição exigida
e lamento o acontecimento:

dançar é esquecer o que vejo.

                Ativar as mãos
                deslizar o rosto
                reinventar o som
                                em movimento.

(Pedro Du Bois, inédito)

Poesia - Almandrade

Yue Minjun - Sea Of The Brain

Cinema Sem Imagens

O vício castiga
múltiplas desventuras
estilo transitório
...
o vazio é o ócio
do homem sem memória
...
sina da indiferença
cidade perplexa
embalagem hostil
inútil divertimento.

Poesia - Vera Lúcia de Oliveira

As três

a primeira dor que aprendi
foi a dos galos
sem rastros
que sumiam de abrupto

a primeira dor que aprendi
foi a dos galhos penados
nos piados do escuro

a primeira dor que aprendi
foi a do estalido dos ossos
que o pai roçava na noite




Voyant, 2009, by Andrew Jones

Poesia - Vagner Barbosa

Les Amants, Rene Magritte - 1928


Onde anda você?

Perdi teu rastro
Mas fiquei com nossos destroços
O triste poente daquela tarde de despedida
Quatro ossos, uma semente
O cravo que colhemos no mato
Um astro sem brilho
Um incenso
A caneta vazia
Tua voz ausente

Ah! Para te rever, eu daria
Todas as flâmulas tremuladas nestes anos de jornada
Minha coleção de sonhos
O jogo de montar cidades imaginárias
Eu iria às estações lunares
Às cavernas mais profundas
E tornaria com o alforje repleto de anêmonas e vagalumes
Para enfeitar a festa do nosso reencontro
Que tarda
Que tarda
Que tarda

Poesia - Marina Alexiou

Mulher na Janela – Salvador Dali
Entre aquele espaço diminuto
Ela vê na distância as suas ilusões na forma de um oceano cristalino
Que reflete as suas memórias mergulhadas em pensamentos e imagens que rodopiam, numa apresentação em tenda de chão seco e poeirento, perdida num lugarejo repleto de curiosos que espiam entre as frestas... da sua imaginação
Ela encara, através daquelas águas, o colorido do inesperado que transforma todo o seu interior trazendo beleza e esplendor aos seus devaneios
Ela encara, através daquele balcão, a sua condição de mulher, de musa, de artista. De habitante daquele mar imaginativo que é a sua mente...
O horizonte visto a partir daquela paisagem mental é vasto, convidativo, tanto que poderia permanecer lá, indefinidamente...
Contemplando o seu cuidadoso coração e a sua temerária sorte tão possivelmente cruel quanto o calor dos raios ensolarados.
É o exercício erótico que a impele a estar lá, sozinha e atenta, entre aquela multidão de curiosos quem povoam os seus sonhos e o espetáculo diariamente apresentado para si mesma, onde o roteiro é sempre inédito e desconhecido.

Poesia - Edson Bueno de Camargo

Van Renselar - Sur la Mer
Ânforas

toco teu ventre liso
de oceanos azuis elétricos
e rosas brancas tocadas pela gravidade

em tudo busco serenidade
mas tua pele é tempestade e febre

senhora da maré cheia
tão completa de luas
como meu dedo de contar estrelas

(contudo
não posso tocá-las)

véus de terra
cobrem teus cabelos
de raízes fundas
a beber o sumo da terra


mulher de tronco vegetal
e ancas robustas de madeira ígnea
dá-me tuas ânforas de água fresca
de desatar o gelo das profundezas


eu
abandonado do deserto
a partir em busca de mim
em teus olhos de planície
em teus seios de montanha
respirando as dunas de imensidão

(contudo
sufoco)

Poesia - Carla Andrade

L'Étoile Matinale, gouache sur toile, 38x46 cm
Joan Miró, 1941
Como hipnotizar anzóis no tempo

Enfeitice
peões de mulheres
fantasiadas de nós
em chuvas
musicadas ao avesso.

Trance
o destino
bem acima
da última curva
do vento.

Liberte
o tropel de
tangos
das vertigens
adormecidas
em sonetos.

E por último
faça um agrado,
como um sopro divino,
aos ogros verdes
da saudade.

Se tudo
resultar em nada,
descanse os olhos
nas estrelas
aliviadas de brilho
sem respostas.

Poesia - Alberto Bresciani

The Enlightened Self, by Tara Baden

Metamorfose

Era seu rosto
um campo de trigo
e manso se entregava
ao passeio da boca

Braços me protegiam
e enlaçavam
e devolviam ventos
que ninguém sentiu

Desdobrava-se
o seu consentimento
e sem proposições
uma supernova em mim

Talvez reencontrasse o destino
respirasse sem deformidades
talvez fosse apenas como voltar

E já não chovia
E era tão bom.

Crônica - Roniwalter Jatobá

The Shadow of Conscience, by Louisiana artist Sam Rigling
Mais de Rigling em Fine Frame Gallery & Nader's Gallery
Data Mágica

Até o final de uma gloriosa e atribulada vida, aos oitenta anos de idade, meu pai ensinava que aniversário não era motivo de comemoração. Em simples palavras, afirmava que a passagem de mais um ano era uma data mágica, mas o melhor era aquietar-se em algum lugar bonito e longe de festas.

-- O momento é bom para estar próximo das coisas que gosta – afirmava em simples palavras e ar de feiticeiro mouro. – É tempo de pensar em si mesmo e, principalmente, na vida.

Na verdade, o velho João Almeida nunca agitou um aniversário, nem dele nem de ninguém. Por muito tempo, também nunca concordava. Quando criança, sempre imaginava que aquilo fosse uma atitude de solitário, de nordestino de pele marcada pela aridez e muito sol, porém fui aos poucos entendendo seu jeito bem particular de encarar o mundo.

Lembro que, em todo oito de outubro, antes do clarear do dia, ele montava num cavalo e viajava em direção à nascente do rio Aipim, na Montanha Azul. Munido apenas de uma pequena provisão de comida, só voltava à noite quando a casa inteira já dormia o segundo sono. Na manhã seguinte, apontava rejuvenescido. E, melhor, parecia estar mais tolerante -- e feliz.

Está escrito nas estrelas que, um dia ou outro, a gente copia para o bem ou para o mal algum hábito paterno. Foi o que fiz tempos atrás, num 22 de julho. Com tudo premeditado, na tarde anterior havia pedido licença do trabalho e me dava de presente um dia de folga. Pego então o elétrico na Cardoso de Almeida, desço na esquina da Rego Freitas e vou em direção ao centro paulistano. Como nada na vida é sempre igual, aproveito o meu dia mágico para fazer o papel de um ser sem pressa e só no meio da multidão paulistana.

Na Praça da República, ao lado do antigo colégio Caetano de Campos, vou à procura de um tipo inesquecível. Há anos, o baiano Aristides Teodoro sobrevivia ali numa banca de livros. Ao contrário de vendedores que desconhecem seu produto, Aristides é mestre em literatura e gosta de ler e vender só o que é bom para seu gosto pessoal. Mora em Mauá, mas todas as manhãs vem de trem para o trabalho.

-- Carro é bom, mas impede o homem de ler enquanto se desloca -- confidencia. – Enquanto muitos veem o tempo passar pela janela, aproveito e devoro Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Euclides da Cunha.

Em casa, sua biblioteca tem o maior acervo particular da região do ABC. Na última contagem tinha oito mil títulos. É especialista em muitos assuntos. Tem 112 títulos só sobre o cangaço no Brasil e 500 sobre negros. Sonha um dia dividir todo o saber com mais gente. A ideia é transformar o porão em uma biblioteca pública.

Atravesso a Ipiranga e entro na 24 de Maio. Assustados com os fiscais da prefeitura, camelôs seguram nas mãos os produtos comercializados, provavelmente para facilitar na hora da fuga. Entro no Museu do Disco e compro cinco CDs recém-lançados. Evito adquirir edições piratas, pois prejudicam criadores e artistas. Volto pela mesma rua e, à frente, tenho um chope gelado no caminho: o antigo Bar e Restaurante Brahma, na Avenida São João. Bebo no balcão, enquanto tenho todo o tempo do mundo para lembrar umas das lendas do local, outrora ponto de encontro de estudantes, artistas e políticos.

Contam que, um dia, uma jovem mulher que não resistiu ao reencontro com o marido e morreu de mal de amor. Depois de ter sido abandonada em uma cidade do interior paulista, ela veio para a capital em busca do homem de sua vida. Sabia que o canalha estava hospedado em casa de amigos, na Avenida São João. Em busca da paixão, acabou por encontrá-la no Brahma. Dizem que não houve tempo sequer de implorar que ele voltasse para casa, pois o amava. De repente, teve um mal súbito e foi levado às pressas a um hospital, aonde já chegou sem vida. O ex-cantor Lodovino Borelli lembra vagamente da história, mas recorda do Brahma de um tempo em que saía de uma noitada e ia namorar num banco da Praça da República sem ser molestado.

Uma da tarde, hora do almoço. A temperatura muda depressa, chega o frio. Prédios e árvores da Praça da República nublam pela falta do sol fraco de inverno, que vai embora. Atravesso a praça e vou ao Carlino, na Vieira de Carvalho, um dos restaurantes mais antigos da região. Sento à mesa e espero a companhia da amada. Sinto pairar no ar o espírito de seus fundadores, emigrantes italianos. Faço uma extravagância nesses tempos bicudos. Peço um Chianti Ruffino, cor de sangue, e brindo ao vento mais um aniversário em plagas paulistanas.

Conto - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração de José Geraldo de Barros Martins
O Revólver

I


Tertuliano Valtércio estava muito ocupado naquela tarde de sexta-feira: escrevia um artigo sobre duas batalhas navais desconhecidas que ocorreram na América do Sul, ambas entre ingleses e alemães, uma na Primeira, outra na Segunda Guerra Mundial...

A primeira ocorrida em 08/12/1914 na região das Ilhas Malvinas, quando cinco navios alemães oriundos da costa chilena tentaram assaltar Port Stanley (Illhas Malvinas), sem saber que a Inglaterra mandara uma poderosa frota.... resultado quatro navios alemães afundados... somente um conseguiu escapar e pedir asilo no Chile...

A segunda ocorrida em 13/12/1939, quando um cruzador blindado alemão que já havia afundado quatro navios no atlântico, dois no oceano ìndico, e mais três novamente no oceano Atlântico, foi encurralado no litoral uruguaio por três cruzadores ingleses, e após algumas avarias resolveu atracar em Montevidéu... o capitão do navio ouvindo um (falso) boato que os ingleses reuniam uma esquadra cercando o Rio da Prata, resolveu fugir e explodir o próprio navio.

Após uma minuciosa descrição destas batalhas navais, o nosso protagonista discorria sobre a importância da América do Sul como cenário dos principais conflitos do século passado, quando tocou o telefone... era o seu pai, Teobaldino Valtércio, são-paulino doente (a ponto de batizar o filho com o nome do ponta-direita tricolor):

- Tudo bom?

- Tudo... e o são-paulinho?

- Desta vez foi bem... nosso técnico armou um esquema que anulou Neymar, enquanto o Lucas deitou e rolou sobre a defesa santista....

... e o papo futebolístico prosseguiu por mais alguns minutos até que o seu Valtércio disse:

- Mudando de assunto, sabe já estou ficando velho e tem uma coisa que ninguém sabe na família que ninguém sabe...

Ficaram em silêncio, Tertuliano esperava ansioso, imaginando que seu Valtércio iria dizer que tinha outra família, ou coisa parecida... mas seu pai reiniciou a conversa:

- Sabe... eu tenho um revólver... um Smith & Wesson calibre 32, cano longo, cromado... e como estou ficando velho eu queria te dar esta arma...

Tertuliano não sabia o que dizer... ele não gostava de armas, mas não queria contrariar seu pai... então disse:

- Tudo bem, quando eu voltar para São Paulo, na semana que vem você me dá este revólver, ta bom? Mas não fale pra ninguém...

- Então tá.

II

Após terminar o texto e enviá-lo para o jornal, ele resolveu preparar um tagliatelle à puntanesca: após refogar alho, pimenta malagueta e orégano em fogo baixo ele acrescentou o tomate sem pele, e enquanto esperava a hora de acrescentar as azeitonas, as alcaparras e aliches cortados, o telefone tocou novamente... era sua filha Teobaldéya:

- Tudo bom pai?

- Tudo jóia... Então como está a faculdade, já escolheun o tema do trabalho de conclusão?

- Já...vai ser sobre Herman Meville, mas mudando de assunto, deixe eu te contar uma coisa que só a mãe sabe... na verdade gostaria que por enquanto você guardasse segredo... sabe pai, tõ namorando...

- Ah é... e quem é?

- É o Quinzinho... você não conhece... mas quando você voltar pra cá, eu levo ele em casa no almoço de domingo...

- Olha, eu tô com comida no fogo... depois eu te ligo...

III

Não era sempre que a tia Lurdinha de Londrina e a tia Alvirinha de Avaré vinham até a capital paulistana, a última foi em 2005 no mesmo ano que o São Paulo venceu o Liverpool e sagrou-se três vezes campeão mundial... agora elas tavam de novo na cidade e de quebra trouxaram uma sobrinha-neta: Barbirinha de Barbacena... foram visitar o seu Valtércio com direito a torrada-chá-bolinho-café-biscoito-e-licor devidamente servidos pela sua esposa, Dona Linércia... seu Valtércio aproveitou para convidar sua nora Noralicia e sua neta Teobaldéya... a visita transcorreu dentro do normal, as tias no sofá da sala lembrando do passado e fofocando do presente, enquanto que Teobaldéya e Barbirinha jogavam batalha-naval na mesa da cozinha...

Depois das despedidas, quando Noralicia e sua neta Teobaldéya no hall do apartamento apertavam o botão do elevador, seu Valtércio aparece e diz:

- Esperem! Eu tenho uma encomenda para o Tertulianinho...

Após alguns segundos ele voltou com um embrulho e disse:

- Não abram no elevador em hipótese alguma...

- Mas o que é Vovô? Pergunta sua neta Teobaldélya...

- Depois vocês irão saber...

E a porta do elevador se fecha... as duas mais do que rapidamente abrem o embrulho e não acreditam no conteúdo: o Smith & Wesson 32

IV

Tertuliano Valtércio estava muito contente: seu artigo fora aceito e seria publicado, ele iria comemorar sozinho naquela quinta-feira, depois, no fim de semana quando voltasse à São Paulo iria preparar um almoço inesquecível para familia... já abrira um vinho uruguaio da uva Tannat, agora temperava um contra-filé: sal, pimenta-do-reino, alecrim, tomilho e semente de coentro, o telefone chora: era sua mulher:

- Tertulianho, eu não acredito, o seu pai está louco!!!
- Mas o que aconteceu Noralicinha...

- Você não acredita... fomos visitá-los junto com suas tias Lurdinha e Alvirinha... elas até trouxeram uma parente que eu ainda não conhecia a Barbirinha de Barbacena, uma gracinha, mas voltando ao assunto, quando estávamos no elevador seu pai apareceu com um embrulho, dizendo que era pra você, que não era pra abrir... quando a porta do elevador fechou abrimos correndo e vimos que era um revólver... fechamos o embrulho morrendo de medo e quando o elevador abriu fomos logo pra casa... mas que estória é essa???

O nosso protagonista ia responder prontamente contando que seu pai ligara dizendo que iria presenteá-lo com a arma, quando uma idéia surgiu em sua mente:

- Ora Noralíca, isto é normal... é que papai soube que a Teobaldéya está namorando...

Crônica - Cesar Cruz

Gustav Adolph Hennig, Lesendes Mädchen, 1828

Você acredita em leitor?

Depois de 7 anos escrevendo, concluí: o leitor não existe. Somos nós, os escritores, quem inventamos o leitor.

É como aquele cheiro de bife que a gente sente no hall do apartamento, e que nos deixa de água na boca, e quando abrimos a porta de casa, salivando, ele se evapora. É assim também o leitor: volátil e etéreo.

Como um caçador de unicórnios, fui nos últimos anos um brutal caçador desse mitológico ser. Apanhei alguns desprevenidos, que considerei serem da espécie, e levei-os lá pra casa. Durante dias torturei-os, obrigando-os a ler meus contos, com a ponta de uma faca incandescente ameaçando cauterizar seus olhos. De um deles retirei as unhas, uma a uma, com um alicate de corte. Com outra, amordaçada e acorrentada num canto da despensa, apaguei fósforos na face e apertei os seios num torno até virarem gelatina de sagu, depois arranquei e encolhi sua cabeça usando uma técnica aborígene.

Como os que ficaram vivos poderiam me reconhecer diante de um júri popular, fui obrigado a esquartejar e queimar os corpos, depois de arrancar os dentes e as pontas dos dedos para dificultar a perícia.

Hoje, concluo que tudo isso foi uma grande perda de tempo. Não eram leitores, já que nenhum deles foi capaz de terminar de ler um só conto meu, em voz alta, e responder às perguntas que eu costumo formular. Quais os nomes e motivações dos personagens, suas características psicológicas, que tipo de infância teriam tido etc.

Meu pai tinha razão: não ler faz um mal enorme pra vida das pessoas...

Hoje, sabendo que o leitor não existe, parei de tentar caçá-los, e sou feliz comigo mesmo, sendo o meu único e verdadeiro leitor.

E se você, que acredita que o leitor existe, por acaso quiser conversar comigo, que passe em casa para um café, então nos sentaremos para um papinho, ali no canto da despensa.

Conto - José Miranda Filho

Ville et Lac du Como, peinture de Jean-Baptiste Camille Corot, 1834
Encontro de Amigos - Parte 5

A parte antiga da cidade está situada no topo de uma montanha cercada pelos três lados por uma curva do Rio Tejo. No verão o clima é muito quente, chegando a registrar até 44 graus. Para turistas brasileiros acostumados com o verão, dá para suportar até determinado momento, mesmo assim precisamos tomar bastante água para evitar a desidratação. Toledo é uma comunidade autônoma de Castilla de La Mancha. Foi capital da Espanha até 1560. Tem uma população de quase um milhão de vivente que se aglomeram naqueles espaços medievais. É uma cidade visigótica desde o século VIII, no reinado do Rei Leovigildo. A cidade de Toledo é famosa pela manufatura de armas brancas, herança dos visigodos, cuja produção destinava-se a guerra. Contudo, também era conhecida como a cidade da tolerância por ter abrigado no passado três traços culturais heterogêneos: muçulmanos, judeus e católicos. O domínio muçulmano começou quando as tropas de Tariq cruzaram o estreito de Gilbratar, derrotando o exercito visigodo de D. Rodrigo, no século VII. O domínio cristão em Toledo prevaleceu do século X a XII, devido um acordo de rendição da cidade pactuado com os muçulmanos por Afonso VI. Segundo esse acordo os muçulmanos poderiam permanecer na cidade com suas famílias e seus bens, entretanto, deveriam obrigar-se continuar pagando os tributos ao Rei. O predomínio dos judeus sobre Toledo começou no final do século XII e início do século XIII, culminando com a chamada tolerância cultural da cidade. Toledo possui muitos monumentos históricos, entre eles, destacamos Alcazar e Zocodover, a igreja primaz da Espanha e o Mercado Central. Quando em 1492 os judeus e muçulmanos foram expulsos da cidade, deixaram obras arquitetônicas fenomenais e de grandes vultos, como a sinagoga de Santa Maria de La Blanca e a de El Transito, também a mesquita de Cristo de La Luz. O Pintor Cretense, El Grecco, que lá viveu algum tempo, deixou sua marca através de obras fabulosas. Seu quadro “O Enterro do Conde de Azaz” está exposto na Igreja de San Tomé.

No caminho para Toledo passamos por varias vilas e cidades, entre elas, Avila e Cidade Real, que nos impressionaram bastante pela riqueza arquitetônica e cultural.

Voltamos a Madri ao entardecer. O sol quente e forte declinava-se no horizonte, precipitando-se para aconchegar uma noite calma e fresca, que se aproximava lentamente. A lua majestosa e reluzente lançava no céu azul- claro de Madri seus primeiros raios de luz. A noite fresca e iluminada forçou-nos a caminhar pelas ruas do centro da cidade antes de retornarmos ao lar. Numa confeitaria do bairro paramos para tomar uma cerveja, o que fizemos com muito bom gosto. Percebi pelo gesto de contentamento que Edward e Marcos fizeram ao degustar o primeiro gole.

A Noite em Madri é simplesmente fabulosa, apesar do calor incessante que fazia. Permanecemos em Madri até o dia 14. À tardezinha do dia seguinte num voo da Vueling, rumamos para a Itália.

É muito barato viajar pelos países da Europa de avião, de carro ou de trem. Lá é tudo próximo de tudo. Os Estados se interligam. Sai-se de um país e instantes depois, chega-se a outro sem maiores problemas burocráticos ou consulares, basta que se tenha o passaporte da Comunidade Europeia. Depois da unificação da comunidade europeia as coisas ficaram mais fáceis para o povo. Viaja-se de um país a outro com pouco dinheiro. O custo de vida é barato em determinadas cidades, como Lisboa e Porto e razoável em outras cidades, enquanto na cidade de Milão, não fosse pela beleza local, acredito que ninguém teria coragem de visitá-la. É razoavelmente cara! Os próprios milaneses - como nos dissera um motorista de táxi - não conseguem viver bem na cidade. Para o turista, que antes tem de passar pelo constrangimento da indelicadeza de alguns milaneses, fica ainda mais difícil. Nunca passei por tanta humilhação. Ave César! A educação, já dizia o provérbio popular, cabe em qualquer lugar, menos em Milão. Com raríssimas exceções, é claro! Mas, isso não tira o brilho da beleza da cidade, suas praças, seus monumentos, museus, igrejas etc. Chegamos a Milão, no aeroporto de Malpensa exatamente às 20,30 horas do dia 14 de outubro, para cumprirmos a terceira etapa programada de nossa viagem.

De posse de um mapa da cidade, daqueles que se encontra nas revistarias, percorremos algumas ruas do centro até chegarmos ao hotel, onde já havíamos reservado a hospedagem. Milão, a mim me pareceu, ser igual a Lisboa quanto à dificuldade de visualização e localização de ruas. Os mapas indicativos dos logradouros de Milão são muito complicados para se entender, tanto quanto as ruas de Lisboa, cuja identificação fica no meio do quarteirão, obrigando o turista que não as conhece andar até a metade da rua para poder identificar o nome, tarefa às vezes até impossível devido às letras grifadas nas placas serem pequenas, brancas e apagadas. No mais tudo é maravilhoso, tanto em Milão, quanto em Lisboa.

Tomamos o café da manhã ainda no hotel e seguimos para o centro da cidade em direção a Plaza D’Uomo. Lá, eu e minha mulher sentamos numa choperia e tomamos uma caneca de cerveja e um café pelos quais pagamos nada menos do que dez euros. Um absurdo! É na praça D´Uomo que se localizam os edifícios mais antigos e históricos de Milão. O Museu Del Duomo e a Catedral de Milão, tida como a terceira igreja maior do mundo, após a catedral de Saint Patrick e a Catedral de San Galeazzo Visconti. O teatro Alla Scala, majestoso monumento, palco de grandes apresentações operetas e peças teatrais fantásticas, também se localizam na milenária praça. Lá também se encontram a estátua de Leonardo Da Vinci, o Museu Poldi Pezzoli, Museu Di Brera, Galeria Vitório Emanuele II e o Castelo Sforzesco, cuja construção data de 1.400 e foi inspirado num trabalho de Michelangelo; Chiesa Di Santa Maria Delle Grazie e tantos outros monumentais edifícios que aguçam a curiosidade de qualquer cidadão. Na Plaza Mayor está localizada a estátua de Felipe III. Porta do Sol, a mais importante porta de entrada da cidade do século XV, é exuberante. No museu do Prado encontram-se as obras de Goya e do pintor Cretenso, El Grecco, o mesmo que deixou seus rastros em Toledo, Espanha.

Já noite, um atencioso e educado funcionário do hotel onde estávamos hospedados - fato raro nos milaneses - indicou-nos um restaurante brasileiro situado a algumas quadras do hotel. Apesar da dificuldade de se localizar a rua, conseguimos encontrá-lo. Restaurante Brasiliano – Viele Zara, 116. Esse é o endereço. Valeu a pena! Comida de boa qualidade, preço acessível, atendimento VIP – “Very Important Person" e impecável recepção. Come-se bem por um preço justo. Gastamos setenta e quatro euros por um bom bobó de camarão e uma gostosíssima picanha fatiada, acompanhada de arroz e feijão preto. Muito bom e barato para quatro pessoas. Os proprietários do restaurante são um brasileiro e uma marroquina. Ele é o cozinheiro, e ela gerencia a parte administrativa. Educados e gentis. As recepcionistas-atendentes são brasileiras e peruanas. A brasileira é de Fortaleza, Ceará, e está em Milão há 13 anos. Confidenciou-nos que está maluca para voltar ao Brasil. Ao retornarmos ao hotel, passamos pelo bar para finalizar a noite. No quarto, antes de dormir, ainda tive tempo de ver na TV uma reportagem sobre a Bolívia, comentários do “modus-vivendi” de sua gente, economia, estilo de governo, padrão de vida, plantio da coca, produção, comercialização etc. Não gostei do que vi e ouvi. Desliguei a televisão e fui dormir.

Adormeci. Só despertei no dia seguinte às dez horas. Minha mulher continuou dormindo.

Saímos de Milão após o café da manhã, e seguimos pela autoestrada A9, até alcançarmos Como, uma pequena cidade turística e de belezas naturais à beira do lago do mesmo nome. Enquanto subíamos a estrada montanhosa de Como, á procura de um ponto para ver a cidade de cima e conferir no mapa o local onde nos encontrávamos, surgiu ao nosso lado um camponês pilotando uma lambreta, meio de transporte comum naquela região e muito conhecida de nós brasileiros nos anos setenta, que solidariamente nos ofereceu ajuda sem que para isso lhe tivéssemos solicitado. A gentileza e a sugestão do cidadão foram tão úteis que resolvemos aceitar sua ideia pernoitarmos em Bellagio, uma das cidades que se encontram ao entorno do Lago Di Como.

Passamos por Lecco, outra cidade também à margem do Lago Di Como. Paramos em alguns vilarejos para tomar café e água. Vilarejos pitorescos, seculares, de belezas naturais e de grande acervo turístico, histórico e cultural. Jamais havíamos visto tanta beleza! Agradeci ao Grande Arquiteto do Universo, pelas informações recebidas daquele cidadão. A solicitude daquele homem compensou a má educação de todos os milaneses. Nem todos, vai! A grande maioria deles vive do turismo e por isso... Bem, por isso mesmo precisam ser educados. Entretanto, a opinião do grupo é homogênea, e em unissonância, achamos os milaneses um tanto quanto mal-educados, sem generalizar, é claro!

Passamos a noite em Bellagio, num hotel de pequenas dimensões, num mesmo quarto Da janela do quarto via-se o movimento dos barcos que partiam repletos de gente e coisas para as outras cidades ao entorno do lago. À noite fomos a uma taberna beber vinho, já que a cidade não oferecia outras opções de lazer. Parecia ser uma cidade para aposentados ou gente da terceira idade em busca de um lugar calmo para descansar e refazer as energias. Os donos da taberna eram dois italianos, simpáticos e alegres: Mario e Izabella, marido e mulher. Ficamos até às duas horas da manhã fascinados pelo estoque de vinho existentes na taberna: Italianos, espanhóis, chilenos, franceses, argentinos... Degustamos algumas garrafas. Não pagamos caro pelo consumo e ainda fomos agraciados com uma bela garrafa do legítimo Donna Fugatta, Mille uma Notte, vendemmia 2001. Raro no Brasil.

No dia seguinte ao amanhecer, pegamos uma estrada longa, estreita e tortuosa que circunda a cidade através das montanhas e vilas e seguimos em direção a Bergamo.

Tradução - Eduardo Miranda

Antonio Cisneros, por Iván Palomino

Poeta e romancista peruano, Antonio Cisneros nasceu em Lima em 1942. Estudou literatura na Universidade Católica de Lima, de 1960 a 1964. Doutorou-se em na Universidade San Marcos. Seu volume de poesia Destierro saiu em 1961 e é hoje considerado como um dos clássicos da latino-americana poesia lírica. Cisneros alcançou o auge em 1968 com a publicação de Canto Cerimonial Contra Un Oso Hormiguero, para a qual foi homenageado em Havana com o prêmio Casa de las Américas. Desde o final do anos 60 ocupou inúmeros postos de ensino temporários em universidades internacionais, o que lhe proporcionou longas estadias em diversos países. Publicou vinte coletâneas de poemas líricos e duas obras em prosa, que foram traduzidas em cinco línguas. Em 2000, Cisneros foi premiado com o Prémio Internacional Gabriela Mistral, no México, pelo conjunto de sua obra. Atualmente Cisneros vive e trabalha em Lima, onde desde 1996 é responsável pelo programa de rádio diário La Crónica Del Oso Hormiguero.


Natureza Morta em Innsbrucker Strasse - Antonio Cisneros

Eles são (por excelência) trintões e com fé no futuro.
Muita fé.
Ao menos é o que parece pelo que compram
(tudo caro e à prestação).
Jaqueta de camurça (natural)
Mercedes esporte cor de ouro.
Para piorar ainda mais (os meus problemas) são abençoados com a eternidade.
Correm todas as manhãs (sob as tílias)
pelas trilhas do parque, com suas coisas saudáveis.
Ou seja, vegetais crus e sem sal,
arroz integral, água mineral.
Após consumirem todo o oxigênio da vizinhança
(o seu e o meu)
passam pela minha porta (belos e bronzeados).
Me olham (se é que me veem)
como se fosse um morto
com o último cigarro entre os lábios.


Naturaleza Muerta en Innsbrucker Strasse - Antonio Cisneros

Ellos son (por excelencia) treintones y con fe en el futuro.
Mucha fe.
Al menos se deduce por sus compras
(a crédito y costosas).
Casaca de gamuza (natural),
Mercedes deportivo color de oro.
Para colmo (de mis males) se les ha dado además por ser eternos.
Corren todas las mañanas (bajo los tilos)
por la pista del parque y toman cosas sanas.
Es decir, legumbres crudas y sin sal,
arroz con cascarilla, agua minerales.
Cuando han consumido todo el oxigeno del barrio
(el suyo y el mío)
pasan por mi puerta (bellos y bronceados).
Me miran (si me ven)
como a un muerto
con el último cigarro entre los labios.

[ in Monólogo de la casta Susana y otros poemas. Lima, 1986 ]

Foreign Word - Henrique Augusto Chaudon

Autorretrato xilogravura - Henrique Augusto Chaudon

Henrique Augusto Chaudon nasceu em Niterói, em 1955. Publicou Confissões a Baco e Outros Poemas (1977); Vento (1982); A Terceira Gaveta e Poemas Anteriores (1994) e Poemas (2005), com poemas inéditos e uma seleção de textos dos livros anteriores. Chaudon também participou de várias antologias e no momento está preparando o volume Algumas Sílabas. Profissionalmente dedica-se à marcenaria, em especial à restauração de mobiliário antigo.

Some Papers

In the third drawer
from the top
to the left of the desk
I keep some papers with hope.
There is also a box with pictures
almost old:
sunny, plenty of wind, plenty of sea.
In the papers
I wrote poems I hope to publish one day
if I am capable of some amendments.
As for the photos
sometimes I feel they call me into the night
and I can do nothing else.

Alguns Papéis

Na terceira gaveta
a contar de cima
à esquerda da escrivaninha
guardo esperançoso alguns papéis.
Há também uma caixa com fotografias
quase antigas:
ensolaradas, cheias de vento, cheias de mar.
Nos papéis
escrevi poemas que penso um dia publicar
se eu for capaz de alguns reparos.
Quanto às fotografias
às vezes sinto que me chamam na noite
e já nada mais posso fazer.

Releitura - Izacyl Guimarães Ferreira


Izacyl Guimarães Ferreira escreve, traduz e comenta poesia. Nasceu no Rio de Janeiro em 1930, e atualmente reside em São Paulo. Foi Presidente do Conselho Consultivo e Fiscal da União Brasileira de Escritores (UBE) de 2002 a 2009, criador e editor da Revista O Escritor, do portal da UBE na Internet. Os 7 primeiros livros de Izacyl foram reunidos em 1980 sob o título Os fatos fictícios, pela editora LR. Desde 1991 é editado pela Scortecci Editora. Seus livros são Os Endereços, 1953, Hipocampo; A Curto Prazo, 1971, Martins; Iniciação, 1972, edição do autor; Os Fatos Fictícios, LR Editores, 1980, reúne os 3 primeiros livros publicados e 4 inéditos escritos durante os anos 70: Escalas, Declaração de Bens, Retratos Falados e Em Outras Palavras; Aula Mínima, 1987, Norte Editora; Memória da Guerra, 1991 e 2002; Entre os Meus Semelhantes, 1994; Passar a Voz, 1996; Águas Emendadas, 1998; Ocupação dos Sentidos, 2001; Uma Cidade, 2003; Discurso Urbano, 2007; A Conversação, 2008; Antologia Poética, 2009, Topbooks; Na Duração da Matéria, 2010; As Ilhas, 2011.


Gradiva Finds the Anthropomorphic Ruins
Salvador Dali, 1931

Terra Santa

A terra é grande, o tempo é longo.
E por aqui passaram raças,
passaram exércitos, reis.

A terra é funda, o tempo extenso.
E por aqui passaram templos,
passaram profetas, palavras.

A terra esconde, o tempo rói
os corpos, utensílios, nomes
que por aqui passaram ontem.

A terra é sacra, o tempo muda
a lei, a lenda, a eternidade
aqui sonhada e prometida.

A terra é uma, o tempo é duplo.
E por aqui estão passando
as formas díspares de tudo.

A terra é pouca, o tempo é neutro.
E por aqui estão passando
as formas céleres da morte.

Autores

Ademir Demarchi Adriana Pessolato Adília Lopes Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda Antonio Romane António Nobre Ari Candido Fernandes Ari Cândido Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Cândido Rolim Dantas Mota David Butler Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Décio Pignatari Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats Josep Daústin José Carlos de Souza José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago José de Almada-Negreiros João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Léon Laleau Lêdo Ivo Magnhild Opdol Manoel de Barros Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mario Quintana Mariângela de Almeida Marly Agostini Franzin Marta Penter Marçal Aquino Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Márcio-André Mário Chamie Mário Faustino Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Nadir Afonso Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Nâzım Hikmet Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Pádraig Mac Piarais Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Renato Borgomoni Renato Rezende Renato de Almeida Martins Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Régis Bonvicino Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastian Guerrini Sebastià Alzamora Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Silvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano Sílvio Ferreira Leite Sílvio Fiorani The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix Álvaro de Campos Éle Semog