Definição

... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
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Ano VI Número 63 - Março 2014

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 4 - Abril 2009

Capa - José Geraldo de Barros Martins

Dívida Interna
Editorial

Palavras Quebradas
Palavras Contínuas
Palavras Alheias
Foreign Words - Para Estrangeiros
  • Marine - Ruy Espinheira Filho, por Eduardo Miranda
Palavras Já Ditas
Palavras Antigas - Memória
Palavras Mostradas
Palavras Enviadas

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 4 - Abril 2009
Dívida Interna

Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo Martins de Barros (JG)

Colaboradores

Aristides Klafke (US), Arnaldo Xavier (in memorian), Dorival Fontana (BR), Eduardo Miranda (IE), José Geraldo Martins de Barros (BR), Matilde Damele (US), Renato Martins (IE), Ragnar Lagerblad (US), Roniwalter Jatobá (BR), Ruy Espinheira Filho (BR), Santiago de Novais (BR), Silvio Fiorani (BR), Souzalopes (BR).

Revisão
Túlia Lopes, Teresa Thinen & Eduardo Miranda

E-mail
tuda.papel.eletronico@googlemail.com

TUDA - pap.el el.etrônico

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Editorial

Abril TUDA


Abril, proveniente do latim aprilis, "abrir", já foi o primeiro mês do ano, sugerindo que a terra abria seu seio para as sementeiras... chegou a ser o segundo mês do ano, hoje é o quarto. Originalmente tinha trinta dias, já teve vinte e nove e César devolveu-lhe os trinta que permanecem até hoje.

Nem tudo permanece até hoje... era costume pregarem-se peças no primeiro dia de Abril, porém, com o passar dos anos, esse costume perdeu a sua força. Quase ninguém mais se lembra ou se dedica à prática de brincadeiras no dia que ficou conhecido como O Dia da Mentira.

Mas sem mentiras aqui: Abril é o quarto mês da TUDA, triunfante! Também o mês da triste perda de um parente próximo, e por isso da capa em tons escuros - mas também um mês de novidades, já que a vida continua.

Estréia a seção Memória, onde o escritor e jornalista Roniwalter Jatobá publicará textos relevantes ao tema (que para a ocasião da estréia, veio pessoalmente a Dublin, para o acerto dos detalhes!). Também a seção A Mente Pela Lente, onde a fotógrafa italiana radicada em Nova Iorque, Matilde Damele, cuidará das fotos.

Neste mês angario também dois trabalhos do artista plástico Ragnar Lagerblad, brasileiro também radicado - por hora - em Nova Iorque, e a tradução do poeta lituano Sagitas Parulskis...

Além dos costumazes colaboradores - Arnaldo Xavier, Souzalopes, Santiago de Novais, JG (estreando um mini-conto!) e Dorival Fontana - trago o conto de Silvio Fiorani, a versão inglêsa da poesia de Ruy Espinheira Filho e a tradução de Elaine Garvey por Renato de Almeida Martins.

Nos trabalhos dos leitores, pouca coisa chegou, mas continuamos abertos...

Na luta, companheiros... e TUDA de bom!

Eduardo Miranda
o (auto-proclamado) editor

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Poesia - Arnaldo Xavier




Vazada linha ave imperceptível avessa corroa
Silenciosos passos soprados de dunas roxas
Sombras de velha estrada vento azul desfaz
Pesado fogo gota de barro frio rastro risca

Inteiriça navalha língua recorte sentido caís
Vida como traço indeciso horizonte de fios
E vidros sobrancelhas caídas sobre lâmina
Dágua bêbada flutua mais um olhar perdido

Parede branca carne roda de carro louco
Acesa dor repinta o fruto de morto adorno
Perplexo botão e rosa verbo triste sangra

Espelho quebrado de caminho retorno apaga
Pela veia fria o efêmero sorriso vermelho
Refaz estas duas asas cortadas sobre a pia

TUDA - pap.el el.etrônico

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Poesia - Sousalopes


Pós-Opiário
(canção do fantasma multiplicado de Fernando Pessoa)



quando me mato me morro
no gabinete da vida
não vejo luz nem escuro
não digo já nem ainda

atrás do tempo perdido
miséria de zero por nada
contra o ouro amarelo
cega face enferrujada

me morro do que me mata
que morrer e minha prosa
verso fervendo no tacho
da fala que falo nossa

cresce o pêlo da palavra
como flor que arrebenta
na praga velha do mundo
o musgo da diferença

quando palavra é soluço
não temos plural para nós
todo morte é corda incerta
nós atamos todos nós

sem porta parede ou janela
no vago vadio do chão
maconha nenhuma acompanha
o fumo do nome não

morre o feto que morreu
na linha do próprio embigo
viva força no pescoço
calando a voz do comigo

no gerúndio dessa vida
vou só gemendo sou eu
como fantasma defunto
chorando que não morreu

do meu mim nada mais deixo
senão tornado em deserto
nenhum vento inventei
nenhum deus me teve perto

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Poesia - Santiago de Novais


DIEZ GAMES OSCARWILDIANOS
"I'm so clever that sometimes I don't understand
a single word of what I am saying" (Oscar Wilde)


Oscar Wilde, by Bob Row


Se souber quem foi Oscar continue.

PRENÚNCIO

Todo excesso é bom, quando se respeita algum limite.

I
Não aprendi nada com os ignorantes,
Não aprendi nada com quem queria ensinar tudo.
Na verdade aprendi tudo com quem não queria
Ensinar nada.
Pedra falsa.

II
O que é realmente útil ao mundo
Finalmente teria valor se algumas mulheres
(a maioria) se calassem ou desaparecessem.
Principalmente de festas e cabeleireiros.
Anel de chiclete.

III
VIDA mesmo só nos bairros de aluguel barato.
Estas pessoas sim merecem ter suas existências
Chamadas de V I D A.
Os outros deveriam
Ter suas vidas chamadas de CULTO AO ÓCIO e ao ácaro.
Baciada de calcinha

IV
Não tenho nada contra ninguém. Desde que não saibam meu nome completo. Intimidade nem com Jesus.
Bazar de igreja.

V
Odeio pessoas que pensam o tempo todo em dinheiro.
Dinheiro não é o que nos faz feliz.
Mas o momento é que faz o dinheiro feliz.
Caridade é feio.

V
Eu acho esnobe e pouco inteligente pessoas esnobes.
Seja de qual sexo forem. Basta serem pessoas.
Algumas exageram tanto na esnobice que deveriam habitar o zoo.
Eu sempre digo obrigado. Para tudo.

VII
Homens não deveriam fofocar.
Mulheres não deveriam abrir a boca a não ser para bocejar.
Ouça algo no piano.
Se souber o que é um piano.
Nunca dê flores de presente.
Quem as gosta, as compra.

VIII
Homens não devem ser levados à sério.
A menos que tenham bebido duas caipirinhas.
De cachaça 2. As mulheres nunca. Mesmo sem beber.
Prefira um médico amigo que o SUS querida!

IX
As pessoas deveriam se virar
e com mais delicadeza.

X
Acusarão-me de alguma coisa um dia. Talvez de sei lá o que. Então eu pergunto-lhes: leram abaixo do título? Game over.

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Poesia - Dorival Fontana

Vizinho


Após o muro
mora o vizinho.
Não me recordo
o seu nome,
nem tão pouco
o seu rosto,
talvez seja Mário
ou quem sabe
Raimundo,
o que importa?
Vizinho da frente,
vizinho dos fundos...
são tantos lados,
entre tantos nomes,
acabo sempre
trocando os números.

Há tempos não o vejo.
Sempre ocupado,
sempre sumido.
Deve sair cedo
e chegar muito tarde.
Não lava o carro aos sábados,
não pede nada emprestado,
não faz fofoca na janela,
não conta piadas,
pouco fala...
e nunca conversamos.

Mau humorado vizinho!
Silencioso muro!

Certo dia, entretanto,
tentei telefonar.
Que bobagem pensei,
ele mora tão perto,
melhor ir até lá,
puxar conversa fiada,
só pra quebrar o gelo,
mas me falta coragem
ou não acho tempo.
O muro aumenta
a distância,
intimida, divide,
encerra o desejo.

Hoje porém, ele se foi
Sorrateiro, sem bagagem,
sem alarde.
Não disse adeus,
nem até breve.
Partiu como chegou,
despercebido.
Morreu esta manhã,
sem despedida.
Infarto agudo,
dizem os entendidos.

Pobre vizinho!
Trágico domingo!

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Conto - Sílvio Fiorani


Rosas de Coleridge

Sonhei que acordara com o ruído da porta que se abria lentamente, e eu estava entre os lençóis, reclinado sobre travesseiros sobrepostos, como costumam ficar os convalescentes. Vi, de soslaio, que era Luísa, minha mãe, quem entrava, vinda de alguma dimensão desconhecida de sua existência [isto, num tempo (o da vigília e o do sono) em que ali, em nossa velha casa, não havia mais ninguém, pois ela morrera, e também meu pai; partíramos todos: uns, para a viagem eterna; outros para a verdadeira vida a que estamos destinados]. Luísa viera, pois, invadir o meu sono, enquanto eu ainda convalescia de uma moléstia não diagnosticada. E no sonho fingi que continuava a dormir, para que ela não interrompesse o caminho até minha cama. Aproximando-se, ela colocou-me algo entre as mãos postas sobre o peito, e eu só abri os olhos com o ruído da porta que se fechava; abri os olhos, e vi afinal a rosa branca que eu resolutamente segurava; e ali, ainda reclinado, recobrei a memória de sua morte, levantei-me e corri para ver se a via ainda uma vez, e acordei, e ao brusco movimento a rosa esfacelou-se, e era real por si mesma, embora desfeita, tão real quanto o fato inapelável de que minha mãe morrera. Eu jamais a veria outra vez. Então, saí para o corredor e me dirigi ao quarto de Fabrício, meu irmão. Encontrei-o sentado junto à escrivaninha, lendo algo. Ela esteve a aqui, eu lhe disse, e ele, nada respondendo de pronto, virou-se para mim e ergueu no ar o papel que eu imaginei que estivera a ler. Apareceu-me também, ele disse, afinal. Deixou-me isto e partiu. Era uma folha em branco; o que lhe parecera altamente significativo, dado o ar de gravidade com que me olhava. Era um papel de carta, com sua marca d´água plenamente reconhecível. Senti naquele momento um intenso calafrio, acordei ou imaginei que tivesse acordado. Eu estava de fato reclinado sobre travesseiros sobrepostos. Não havia nada mais sensato a fazer, eu pensei, que ir até o quarto de meu irmão e contar-lhe o que acontecera.

Fabrício estava sentado junto à escrivaninha, anotando algo sobre um bloco de papel. Relatei-lhe o que ocorrera, e o que para mim era mistério e prodígio, a ele pareceu apenas a manifestação do acaso, embora eu ainda tivesse a haste da rosa branca entre as mãos. Elevando a voz ao seu melhor registro (assim lhe deve ter parecido) proclamou a impossibilidade de se crer naquele impasse como coisa real por dentro. Nada se cria, tudo se transforma, ironizou. Nos anos de colégio, ele havia sido imbatível em física e matemática, como os céticos renitentes costumam ser na adolescência. Atirei-lhe as minhas considerações sobre universos paralelos, o mundo pleno de possibilidades para além dos cinco sentidos, o que lhe causou uma certa fúria, própria de seu temperamento intempestivo, e o fez golpear com a palma da mão a escrivaninha. O ruído (real ou irreal, que importa?) afinal me despertou, e eu estava em um outro quarto, outra casa, outra cidade outro tempo?, com a persiana a filtrar a luz de uma manhã estiva e plenamente real. Dias depois, recebi de meu irmão uma carta inusitada, em que começava por dizer que havia sonhado com Luísa. Ele estava em seu quarto, junto à escrivaninha, revisando um relatório de empresa a ser entregue no dia seguinte. Sem nada dizer, com o ar sereno e complacente de sempre, ela entregou-lhe uma folha de papel em branco, e partiu.

SP 19.02.2007

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Mini-Conto - José Geraldo de Barros Martins


E O Drama Continua


Dolores Otálora nascera em solo portenho, passando a infância no bairro do Retiro. Uma semana antes dela completar sete aniversários sua família deixou Buenos Aires às pressas, pois seu pai encontrava-se repentinamente muito endividado, devido ao fato de ter apostado com o bairro inteiro que Oscar "Ringo" Bonavena nocautearia Muhamad Ali naquela luta em sete de dezembro de 1970 no Madison Square Garden (o norte-americano ganhou após derrubar o argentino três vezes no décimo quinto assalto). Rumando para a capital paulista e após perambular pela Bela Vista, Penha, Pirituba, Santo Amaro e Freguesia do Ó, fixaram-se em um bairro, mais por superstição do que por terem se encantado com suas ruas: o Bom Retiro. A partir dali, seu pai sempre se referiria ao bairro onde diversos credores o aguardavam do outro lado do Rio da Prata como o Mau Retiro. O contato com o novo idioma foi traumático para nossa protagonista, que relutando em assimilar a língua daquela terra estranha, trancou-se no quarto com antigas e taciturnas marionetes deixadas pela tia-avó e começou a fazer teatrinhos nos quais representava dramas amorosos com finais estranhíssimos. Uma noite, após assistir um desses filmes de terror em preto e branco cujo personagem central era um ventríloquo, resolveu treinar aquela técnica em frente aos diversos espelhos da casa (seu pai achava que os espelhos multiplicavam a perspectiva, portanto, uma casa com bastante espelhos traria fartura a seus ocupantes), descobrindo que tinha jeito para a coisa. Na verdade tinha mais do que previra, pois em pouco tempo já estava fazendo seus showzinhos sem ter que abrir a boca. Com o passar do tempo ela foi se abrasileirando, conseguindo falar um português fluente, porém com sotaque, pois jamais conseguiria deixar de dizer : "Nao fiacha na maiônesse" como acontece com todo imigrante de língua hispânica. Como era muito simpática e possuía uma silhueta exuberante, fez muito sucesso nos círculos sociais e suas apresentações (nas quais adotara o nome artístico de Dolores Odete) começaram a se tornar famosas. O sucesso inicial, ao contrário de torná-la indolente, fez com que se aprofundasse em sua técnica, conseguindo fazer um número no qual os dois bonecos falavam simultaneamente. Em pouco tempo passou a ser requisitada em diversos programas de auditório, e chegou a receber propostas para um programa exclusivo, porém, uma paixão repentina por um riquíssimo estanciero (fazendeiro) uruguaio fez com que abandonasse a paulicéia para residir no pampa, levando sua família. Seu pai ficou entusiasmado em descobrir que seu marido Diego Goyneche, na verdade, era argentino da região de entre-rios e fora boxeur, chegando a conquistar o título mundial dos médios ligeiros, perdendo-o em seguida quando tentou a unificação contra o brasileiro Moacyr Cosme. A monotonia do pampa gerou um tédio depressivo em nossa querida ventríloqua, aborrecimento este que pouco a pouco foi vencendo a atração inicial pela sua cara metade. Em uma calorenta noite de sete de dezembro, Dolores Odete abandonou a tudo e a todos, retornando de ônibus para São Paulo, com uma pequena valise e suas marionetes. Trajava tênis, calça jeans e uma camiseta na qual estava escrito o título deste conto.

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Tradução - Eduardo Miranda

Sigitas Parulskis
Poeta lituano de marca maior, também autor de peças de teatro e de prosa. Serviu ao exército soviético nos últimos anos do regime, uma experiência inesquecível, segundo ele. Nascido em 10 fevereiro de 1965, seus artigos e ensaios nos jornais são geralmente classificados como exigentes, críticos e irônicos.


Amar, Deus



Amar, Deus, as ameixas do prostíbulo –
e não só isso – também meu espírito

Amar, Deus, como amou Eva –
e não só isso – também minha seiva

Amar, Deus, o arenque defumado –
e não só isso – também meu âmago

Amar, Deus, e minha boca, cântaro
fedorento do corpo do Cristo crucificado –
e não só isso – também a mim, um desencantado.

Mylėk, Dieve

mylėk, Dieve, slyvų kisielių –
ir ne tik, ne tik – ir mano sielą

mylėk, Dieve, prie kelio ievą –
ir ne tik, ne tik – ir mano sielą

mylėk, Dieve, žmogelį mielą –
ir ne tik, ne tik – ir mano sielą

mylėk, Dieve, ir mano burną
Kristaus kūno smirdančią urną –
ir ne tik, ne tik – ir mane durną


Parulskis, Sigitas. Parulskis, Sigitas. Mirusiųjų: Eilėraščiai. Dead: poems. – Vilnius: Baltos lankos, 1994. - Vilnius: White Lanka, 1994.

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Tradução - Renato de Almeida Martins


Elaine Garvey é irlandesa, e tem vários trabalhos publicados na revista Dublin Review Magazine. Este conto foi originalmente publicado na coletânea "Dogs Shot From Cannons - New Fiction and Poetry", WhollyTrinity editora, no projeto Criative Writing do Trinity College, Dublin. Título original Music By Roger Miller.

A Música de Roger Miller


Eu tinha uma impressão ruim desta última. Não que eu pudesse culpá-la, a não ser pelos freqüentes fios de cabelo no colchão e os talheres sujos na pia. Este é o lado ruim de se alugar, respirar os cheiros de estranhos e imaginar suas moléculas assombrando o quarto nas células de pele já mortas que acabam deixando pra trás. Se eu quisesse dormir à noite, tinha que me livrar destes pensamentos. Estava mais fácil fazer isso desta vez, eu até já me sentia confortável aqui, e um pouco gorda até. Adoro deixar um rastro à medida em que me movo durante o dia, e buscar este rastro à noite.

Há uma rotina que eu tento manter quando estou escolhendo um lugar. Só dá certo se o senhorio não está por perto, pois a avareza quebra o equilíbrio. Fico num dos quartos por um momento, e deve ser o de dormir, e penso como me senti antes e depois de chegar. Há interferência – a lógica do lugar e o nuançado das luzes – e foi isso o que me pegou da última vez. Lá tinha a luz mais fantástica e eu poderia ir a pé para qualquer lugar que eu quisesse, então mudei para lá. E me mudei de lá em menos de dois meses.

Meus pais acreditavam em sacrifícios regulares, assim nunca fui muito apegada a coisas materiais. Minha mãe foi daquela que dava até nossos bens mais valiosos para qualquer um que batesse à nossa porta. Quase não tinha tempo para impedi-la, e quando me dava por mim, o vendedor de enciclopédias e a mulher dos cosméticos já iam com nossos brinquedos, algumas roupinhas, nossos bichos de pelúcia e nossos livros de historinhas, enquanto o ritmo de suas batidas à porta ainda soavam em meus ouvidos. A gente protestava, mas éramos crianças, e ela estava determinada a nos ensinar isso. Bambolês, ela dizia. Vocês podem brincar de bambolê por quanto tempo quiserem.

Depois que eu saí para morar sozinha, parte da excitação de se mudar era imaginar como eu esbarraria no Joe de novo. Na primeira vez, ele estava nadando num lago perto do meu apartamento atual, nu como veio ao mundo. Distraída, mas prazerosamente interessada, eu o observava sob a luz do sol que se refletia em ângulo nas águas. Na segunda vez, ele estava atrás de mim na fila do mercado, comprando papel-higiênico e presunto. Conforme esvaziava minha cesta perguntei ao caixa, com meu ar de indiferença, se era seguro nadar no lago.

“Se você não se importar com pedaços de telha entre seus pés ou com os curiosos”, ela respondeu, “e não há salva-vidas”.

“Mas não é”, e eu realmente queria saber, “poluído?”. Pensamentos sobre as pulgas ou os efluentes depositados eram suficientes para me dar náuseas.

“Não.”

Comecei a guardar minhas compras. “E pessoas nadam lá?”

“Durante o ano todo. A gente traz um martelo para quebrar o gelo no inverno.”

Me virei em direção ao Joe, pois havia sido ele a responder, masculamente colocando suas compras na esteira.

A outra vez que o vi foi depois de ter me mudado de um lado do rio para o outro, ele estava no palco na “The playhouse”. Foi assim que descobri seu nome – Joe Doyle. Ele representava um marido ciumento, nem um pouco cativante, mas numa situação bem possível. Era intrigante vê-lo se apropriar de um personagem e então decidi ir para as comemorações depois da peça. Ao longo dos anos, eu me impus uma série de experiências para ficar fora de casa, e acho que saí com Joe naquela noite pelo mesmo motivo, mas mantive o relacionamento por uma razão diferente. Antes de conhecê-lo, eu trabalhava em mercadinhos por um tempo, vendendo plantas de jardim. Eu não conhecia nada sobre o que eu vendia, exceto que rosas de dois tons e folhas multi-coloridas eram as mais populares. Um mal dia era quando minha barraca ficava do lado do estande de música, porque independentemente do que eles mais vendessem, os donos da barraquinha sempre tocavam a mesma fita de Country & Western, o dia todo. Nestas noites, eu tinha que ficar na rua até que aquela música saísse da minha cabeça. Joe conseguiu pôr esse silêncio em mim desde o começo.

Certa vez ele me levou para um campo de golfe perto do seu apartamento. Não era um lugar chique, e ao invés daquelas vistosas bandeiras vermelhas, os buracos eram marcados com latinhas de cerveja enfiadas em varetas irregulares, e eu pensei que ele queria me ensinar como jogar. Mas não, apenas nos sentamos na beira de um banco de areia, assistindo aos adolescentes matando aula.

Nosso caso era bastante irregular; a gente podia passar um mês inteiro juntos e então cada um cuidar de suas vidas até o próximo encontro. Eu tirava vantagem dessas interrupções para aperfeiçoar minha rotina de mudanças e para atear fogo em todo o lixo que eu tivesse juntado. Atear fogo expõe minha natureza impiedosa, não há nada que eu não queime se eu estiver no estado de espírito correto, especialmente fotos. Aí estou pronta a me mudar de novo. Ele me pediu uma foto uma vez, “Para que eu possa lembrar de você como você é agora.” “Impossível,” eu disse, “Eu não suportaria.” Fiquei aterrorizada; ele já estava se lembrando de mim.

Foi minha a sugestão de irmos ao mar. Meus pés estavam sentindo falta de sentir dunas de areia e bater nas ondas. Então ele fez uma mala e veio comigo no ônibus até a costa. A gente foi para a praia assim que chegamos, e corremos para um mergulho. Ele não sentiu a necessidade de nadar como fazia no lago. “Essa água tem uma fluidez perfeita”, explicou, “Eu só tenho que ficar nela.” Eu estava feliz em ouvir isso pois tornava mais fácil admitir minhas segundas intenções. “Eu tenho sonhado em morar ao lado da praia,” ele disse, e respirou e se sentou na água por um momento.

Em todo o tempo que ficamos juntos ele nunca mudou de endereço, fazendo de sua rotina de mudanças algo alarmante. Ele queria trazer tudo e eu estava perplexa por sua relutância em deixar seu apartamento. Ao invés de mudar a decoração, minha família expressava sua inquietude mudando-se ao menos uma vez por ano. “É imperativo,” meu pai dizia, “que evitemos a complacência.” Ele pendurava santinhos e terços nos quartos da minha infância, bençãos para trazer conforto à medida que as paredes se desmanchavam ao nosso redor. Eram sempre lugares sem esperança, ansiosos para cair em ruínas e eu não tinha nenhuma afeição por eles. O chalé não era como isso, entretanto. Joe me acordava de manhã gritando, “Eu escapei! Eu escapei!” e então corria pelos quartos para abrir todas as janelas.

Levou cerca de três meses para a certeza se instalar em mim; alguém teria que sair. Eu não estava orgulhosa de mim mesma neste dia, mas ao fechar a porta atrás de mim, não conseguia disfarçar meu sorriso de felicidade.

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Foreign Words - Eduardo Miranda

Ruy Espinheira Filho - Marine



My eyes witness
the invisibility of undine,
the slow death of the reefs,
and the cannons of Amaralina.

My walking of unwavering steps
leads me all along the fine
sands of the beach.
Doves fly over
the cannons of Amaralina.

It seems life is complete
in this peaceful blue skyline.
The breeze decive the guard
of the cannons of Amaralina.

Neither your absence, love, disturb
the joy of this sign
of open and mellow mornings ...
(and the cannons of Amaralina?).

Everything is right: sea, coconut trees,
even that cloud is fine...
But - what are they doing in the landscape
the cannons of Amaralina?

Marina

Meus olhos testemunham
a invisibilidade das ondinas,
a lenta morte dos arrecifes
e os canhões de Amaralina.

Vou, a passo gnominado,
pisando a areia fina
da praia.
Pombas sobrevoam
os canhões de Amaralina.

Parece a vida estar completa
na paz que o azul ensina.
A brisa ilude a vigilância
dos canhões de Amaralina.

Nem tua ausência, amor, perturba
esta alegria matutina
onde só há o claro e o suave...
(E os canhões de Amaralina?).

Tudo está certo: mar, coqueiros,
aquela nuvem pequenina...
Mas -- o que querem na paisagem
os canhões de Amaralina?

TUDA - pap.el el.etrônico

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Carlos Drummond de Andrade


Drummond nasceu em Itabira do Mato Dentro - MG, em 31 de outubro de 1902. Começou a carreira de escritor em Belo Horizonte como colaborador do Diário de Minas, que aglutinava os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro. Fundou com outros escritores A Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Desde 1954 colaborou como cronista no Correio da Manhã e, a partir do início de 1969, no Jornal do Brasil.

O modernismo não chega a ser dominante nem mesmo nos primeiros livros de Drummond, Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), em que o poema-piada e a descontração sintática pareceriam revelar o contrário. A dominante é a individualidade do autor, poeta da ordem e da consolidação, ainda que sempre, e fecundamente, contraditórias. Torturado pelo passado, assombrado com o futuro, ele se detém num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista melancólico e cético. O poeta trabalha sobretudo com o tempo, em sua cintilação cotidiana e subjetiva, no que destila do corrosivo. Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo.

Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Também já fui brasileiro

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

Retirados do livro Alguma Poesia, 1930

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Memória - Roniwalter Jatobá

Marcos Rey, o cronista paulistano

Nesta entrevista o escritor Marcos Rey, que faleceu há precisamente dez anos, em 1º de abril de 1999, falou da infância, da boemia nos anos 50 e da vida em São Paulo
Nascido em 17 de fevereiro de 1925 no bairro do Brás e criado nos Campos Elísios, Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Donato, era um escritor urbano e tipicamente paulistano. Segundo o próprio autor, "suas veredas eram o asfalto e iluminadas por lâmpadas de mercúrio". Conheceu bem São Paulo e viveu intensamente os anos 50 da explosão urbana da cidade. Na brincadeira revelou que "o seu único contato com a natureza se deu quando freqüentava a extinta African Boate". Para sobreviver, fez de tudo: propaganda (ajudou a vender, creia, o Gordini), rádio e novelas de sucesso na TV. Seu primeiro livro, Um gato no triângulo, romance, é de 1953. Escreveu também Café na cama, Memórias de um gigolô, O enterro da cafetina, Malditos paulistas, Ópera de sabão, A sensação de setembro e muitos outros. Para as crianças, bolou O mistério do cinco estrelas, O rapto do garoto de ouro, Um cadáver ouve rádio.

Em junho de 1991, sábado de manhã, num bar da rua Cardoso de Almeida, no bairro de Perdizes, próximo ao pequeno apartamento onde moravam o escritor e sua mulher Palma, Marcos Rey falou sobre literatura, São Paulo e a vida.

TUDA – Dezessete de fevereiro de 1925 é a data do seu nascimento. Em que bairro de São Paulo você nasceu?
Marcos Rey – Nasci no bairro do Brás. Mas nunca fui muito um homem do Brás, porque, dois anos depois, meu pai mudou e a família foi morar na rua Genebra (bairro da Bela Vista, o conhecido Bixiga). Depois da Genebra, mudamos para a Maria Antônia, depois, para a rua Helvétia. Sempre fiquei nos Campos Elísios, como Ribeiro da Silva, rua Apa, onde vivi muitos anos.

TUDA – Como era a sua vida, como criança, nos Campos Elísios?
Rey – Na minha infância havia, nos Campos Elísios, muitos vestígios dos grandes tempos do café. A própria Barão de Limeira, no começo do século, foi uma rua de casarões, de mansões. A Eduardo Prado também. Era um bairro um tanto aristocrata. Hoje é muito decadente, os grandes casarões viraram casas de cômodos. Aí, eu me lembro do meu pai, um homem cheio de manias. Ele dizia: "Posso morar mal, mas quero morar perto". Ele gostava de morar perto do centro. Não havia um dia em que ele não fosse ao centro. Ia a pé, gostava de andar a pé, e, por isso, gostava dos Campos Elísios. Meu pai adorava morar perto do centro. Ele chamava de triângulo. "Vou lá em baixo", dizia. A cidade desce? Ele ia lá, tinha amigos. Meu pai era um grande boêmio. Naquela época, centro era centro. Hoje, claro, todo bairro tem um centro. Tem centro na Penha, no Brás; naquele tempo tinha um centro só. E, morar perto do centro era um privilégio, morar perto do centro já era um status. Por isso que ele dizia: "Prefiro morar mal, mas morar perto". Nessa época a gente morava na rua Apa, a rua do Castelinho, onde houve o famoso crime. Eu tinha 10 anos. Eu morava lá, conhecia até os protagonistas. Eram dois irmãos, uma irmã e a mãe. Moravam naquele lugar. Na época, o castelo parecia grande; hoje parece uma droga. Quando era criança achava que ele era imenso. Bem, eram dois irmãos: um era advogado e o outro era engenheiro. Eram ricos. Eram donos do Cine Broadway, que era o cinema da moda. Também eram donos de um grande terreno na Frederico Steidel e um casarão na Angélica. E um deles veio dos Estados Unidos com a idéia de fazer um rinque de patinação. O advogado era o Álvaro Reis. O irmão chamava-se Armando César dos Reis. Por causa desse irmão, que se opôs a essa idéia, que achava maluca, eles brigaram com uma arma. A polícia técnica, naquela ocasião, disse que a mãe havia sido atingida por acaso na briga. Um sujeito acabou se suicidando. Três corpos foram encontrados. Ainda hoje, há dúvida de quem teria sido... mas foi uma briga entre os dois irmãos. Eu conhecia justamente o acusado de ter sido o criminoso. Era um cara completamente desinibido. Naquela época, em que era difícil ter um carro, ele tinha três. Um era carro de corrida, parecia ser um carro de corrida, acho que era Bugatti. Tinha motocicleta e andava na calçada. Quando ele surgia, todas as crianças corriam atrás dele. Eu também ia. Ele tirava balas do bolso, um monte de balas, e jogava. Todo dia ele dava balas para as crianças. Era a única casa rica do quarteirão. É claro que este crime me abalou tanto que eu me tornei autor dos meios policiais, desde aquela tragédia.

TUDA – Qual é a lembrança mais perto da sua infância envolvendo a cidade de São Paulo?
Rey – Nós morávamos na Maria Antônia. Era uma rua chique, mas a nossa casa não era. Era uma casa pobre num bairro rico: Higienópolis. Todo domingo meu pai saía comigo. Eu tinha 7 ou 8 anos. Sabem o que ele ia fazer? Ia ver casarões para alugar ou para comprar. Ele não tinha a possibilidade nem de alugar um quarto. Mas ele achava que tinha. Então, essa foi a coisa que mais me marcou na minha infância. Aí, a gente encontrava aqueles puta casarões que meu pai examinava metro por metro: o encanamento, a parede se não estava muito manchada, e tudo. Mandava chamar o encarregado, queria saber o preço. Eu fiquei conhecendo todo aquele bairro de Higienópolis. – a

TUDA – Que época era essa?
Rey – 33, 32... Os grã-finos já começavam a ir para o Pacaembu. Mas o que me marcou muito foi a sedução dos casarões. O meu pai me levava e, depois, chegava e me perguntava: "A gente pode morar aí?" Ele tinha mania de grandeza. Quando escrevi Maurício, Maurício, um conto daquele tempo, a história se passa num grande casarão. E, de quando em vez, descrevo uma casa maravilhosa. Era a lembrança daquelas casas que ele me levava para conhecer. Eu conheci São Paulo assim: eu saía muito com meu pai, quando era criança, e ele sempre me levava ao centro. Eu ficava deslumbrado com o movimento da rua Direita, das praças do Patriarca e da Sé...

TUDA – O prédio da Light; o Martinelli?
Rey – Ah, o Martinelli! Eu achava que era a coisa mais alta do mundo. Uma vez, meu pai me levou para subir o Martinelli de elevador, acho que foi em 41...

TUDA – Época da guerra, na Europa...
Rey – Era. Foi depois da guerra que São Paulo se modificou, com a abertura das avenidas Ipiranga e 9 de Julho. Aí surgiram o cine Ipiranga com o luminoso, o Marabá com aquela coisa toda. Aquele quarteirão ficou extremamente chique.

TUDA – É dessa época, também, a galeria Prestes Maia, a avenida que tem o túnel, a 9 de julho. Como é que foi aquele negócio?
Rey – Ah, a 9 de julho! A avenida era fissurada, achavam que era um exagero o túnel e a avenida. Mas só por pouco tempo.

TUDA – Hoje acham que ela é acanhada: como é que os caras podiam ter pensado que isso fosse resolver o problema da 9 de Julho?
Rey – Eu me lembro do escritor Tito Batini, comunista histórico. Disse-me o Tito que, quando ele casou, ele estava tão ruim de dinheiro que, em vez de ir para a lua de mel, ele pegou um táxi e levou a mulher para conhecer o viaduto da 9 de Julho. Foi a lua de mel mais mixa de que eu tenho notícia.

TUDA – Quando o Brasil entrou na guerra, em 1942, você tinha 17 anos. Como era a sua vida em São Paulo?
Rey – Olha, vou dizer uma coisa melancólica. Os jornalistas não falam, dizem que não se lembram. Mas, pelo menos em São Paulo, havia uma preferência pelo Eixo que era incrível. Foi um período meio triste para mim. Não tinha amigos. Todos os meus amigos eram fanáticos pelo Hitler, pelo Mussolini. Embora eu fosse descendente de italianos, o que prevalecia na minha casa era a religião da minha mãe: protestante. Ela era ligada aos americanos, americanófila, entendeu? Meu pai, por exemplo, era contra o Eixo por causa da formação da minha mãe. Mas no país, até o Brasil entrar na guerra, ninguém tomava conhecimento e os que eram do Eixo continuaram favoráveis. Ninguém mudou de opinião por causa disso. Eu me lembro de que sentia um isolamento dos amigos. Era muita gozação, porque a Alemanha venceu em 1939, 40, 41, 42 e 43. Então a cada surra que eles davam nos ingleses, eles me gozavam. Os parentes do meu pai davam grandes festas. Um dia, fui à festa de um parente e estavam comemorando a expulsão de muitos ingleses da Grécia. Não posso deixar de me lembrar, também, que o rádio teve uma evolução incrível durante a guerra. Surgiam notícias de meia em meia hora nos rádios. Os próprios jornais evoluíram durante a guerra: manchetes, comentários, as agências de notícias. Se não me engano, foi nessa época da guerra que começou o envio de radiofotos. A Segunda Grande Guerra não era como essa última guerra aí do Golfo, em que ninguém acreditava. Foi uma guerra que durou cinco anos e meio, entre vai e vem, com lutas no norte da África. Os alemães chegavam, recuavam, depois avançavam de novo. Era um vai e vem terrível.

TUDA – Agora, mudando um pouquinho, como era o namoro naquela época?
Rey – Era assim: havia a instituição do muro. Não era o muro de Berlim. Se havia um muro em São Paulo, você via três, quatro casais se apertando, se encostando. Isto é gostosíssimo, não é? Nunca fui de muro e, sobre muros, eu tenho até um certo complexo, porque, às vezes, a polícia prendia os casais. Eu era mais chegado numa boate. Eu tive uma namorada que foi presa na rua Domingos de Morais. A polícia implicava com gente que estava no muro, mas o muro era uma instituição nacional.

TUDA – Escurinho; iluminação de lampião?
Rey – Não. Elétrica mesmo, só que era parca, fraquíssima.

TUDA – Quer dizer que dava pra fazer as coisas no muro?
Rey – Dava, eu acho que dava. Tinha muito terreno baldio. No meu livro Ópera de sabão acontece uma cena no terreno baldio: é quando ela sente coragem de dar pro cara.

TUDA – Como era o seu roteiro nos bares, na época dos anos 50?
Rey – Foi nessa época que fui trabalhar no rádio. E o que aconteceu? Fui ganhar um salário ótimo; era 4.000 e logo depois me passaram para 6.000. Foi um período de ouro: surgiu o long play, o uísque entrou na moda, foi a época das boates. E surgiram as boates da Vila Buarque. Cuba libre era uma instituição nacional. A gente bebia muito Cuba libre; depois, descobri o uísque. Eu não entendia nada; mas ouvia meu irmão mais velho, Mário Donato, e copiava: "Hoje vai um Queen Ane."

TUDA – Nessa época você vivia com seus pais?
Rey – Vivia; até casar.

TUDA – Vocês eram quantos?
Rey - Quatro. Mas os outros já tinham casado. O meu companheiro era o Mário; companheiro de músicas, descobertas musicais, cantores. Ele era diretor da Rádio Excelsior, onde eu era redator.

TUDA – Que cantores?
Rey – A gente gostava do Dick Farney, que era bem americanizado, do Lúcio Alves. A voz de Billie Holiday e o piano de Art Tatun.

TUDA – Vem daí o seu gosto pela literatura americana?
Rey – Um pouco anterior. Eu me lembro de que quando voltei do Rio de Janeiro, em 1946, comecei a ler os grandes da prosa americana. Li Doroty Parker, numa tradução em português de que ainda hoje eu me lembro, uma tradução que é de morrer de rir. E John dos Passos, William Faulkner, Scott Fitzgerald. Então, eu me tornei realmente um entendido na literatura americana. Eu li toda aquela turma. Logo, eu conversava muito com o Bruno Silveira, que era tradutor.

TUDA – Você chegou a conhecer o Mário?
Rey – Mário de Andrade? Não. Eu conheci muito bem o Oswald, mas o Mário não. Quando o Mário morreu eu tinha 20 anos. O Oswald? Conheci e fui amigo mesmo. Conheci o Oswald no salão da Carmem Dolores Barbosa. Naquela época, coube a mim fazer umas reportagens com escritores, reportagens grandes, de duas páginas. Eu fiz com o Cornélio Pena, escritor que, até hoje, não foi totalmente reconhecido; com o Amadeu de Queiroz, que estava no fim da vida, já velhinho. Aí, conheci o Oswald e tive a idéia de entrevistá-lo. Eu fui à casa dele e, chego lá, encontro o Antônio Olavo Pereira e o Osmar Pimentel. Mas toda pergunta que eu fazia, os dois aconselhavam o Oswald a não responder: "Não diga isso, Oswald, vai repercutir mal". Era que eles estavam lançando um livro dele: Um escritor sem profissão. "Não, não responda isso." Aí eu fiquei puto por causa da intervenção dos dois, que o vigiavam. Eu fiz a entrevista, saiu uma página e meia. Ele não estava nem um pouco preocupado com literatura. Estava preocupado com a tal da "miss Ciclone", que foi uma das amantes dele e que morreu por culpa dele. Ele dizia que a obra dele não tinha nenhum valor. Quem tinha valor era o Mário de Andrade. "O meu teatro nunca será representado."

TUDA – O que você, pessoalmente, acha da obra dele?
Rey – Não dou esse valor que a turma dá, elevá-lo à qualidade de gênio e tal. Acho que o Mário de Andrade fez um negócio muito mais rico. Não é verdade, você não acha? E conhecia mais do que ele. O Oswald não lia porra nenhuma, só orelha de livro. Mas era muito engraçado, isso lá era. Quando o conheci, ele estava com bronca do mundo. Não se conformava que a mocidade o tivesse abandonado. Às vezes eu leio que ele morreu cercado pelos jovens. Não é verdade. O único jovem era eu. Uma vez, ele me ligou e fui à casa dele. Quando cheguei, ele quis pagar um almoço e passear de carro. Ele tinha um Fiat igual ao meu. Passear de carro, com a mulher dele dirigindo... Ele se sentia muito abandonado e isto me impressionava. Era um escritor famoso e abandonado.

TUDA – E o que ele dizia das relações dele com as mulheres?
Rey – Ele era até um pouco quadrado nisso. Ele logo se preocupava em se casar. Ele nunca me contou de uma aventura passageira fora do casamento. Toda mulher dele era para casar... igreja, comprar apartamento... era um amante à moda antiga.

TUDA – O que seria um amante à moda antiga?
Rey – O homem que leva muito a sério as suas paixões. O Oswald se apaixonava realmente. Quer dizer, por aquelas mulheres com quem ele viveu. Ele tinha se apaixonado por todas elas.

TUDA – E qual é a mulher que você acha que ele amou realmente?
Rey – Ele me dizia que era a Antonieta, a última, que era muito mais nova do que ele, uns trinta anos mais nova. Ele dizia para mim que era a única que ele realmente amou.

TUDA – Marcos, fale um pouquinho deste livro que você está escrevendo. É uma relação de amor ou de desamor com São Paulo?
Rey – Desamor não me levaria a escrever. Também não é uma paixão desvairada. Talvez seja mais um amor ao passado do que à própria cidade. A cidade é um cenário, a cidade é um tremendo cenário. Estou mais interessado nas pessoas do que na minha própria vida. E eu acho que há muita coisa para contar, inclusive, uma parte do Rio, onde vivi um ano e meio.

TUDA – Você acha o Rio de Janeiro uma cidade realmente fantástica?
Rey – Eu morei no Rio em 45 e 46. Sabe onde eu morei? Na rua da Lapa! Foi onde comecei a escrever meus primeiros contos metropolitanos. Uma coisa que ninguém sabe. Dizem que eu sou tipicamente paulista, mas, na verdade, os primeiros contos foram bolados no Rio. Em São Paulo, naquela época, eu era um cara vigiado pela família. Eu tinha 19/20 anos e, no Rio, eu estava em liberdade. Então eu conheci profundamente aquela boemia carioca, os vagabundos da Lapa. Conheci todos. Fiquei um ano e meio morando lá na Lapa e eu acho que aquilo marcou um pouco a minha vida. Quando eu voltei, foi quando estouraram os night clubs, as boates.

TUDA – Então, antes a vida noturna de São Paulo era provinciana?
Rey – Quando eu voltei, achei muito provinciana.

TUDA – Quer dizer que o Rio não tinha nem comparação?
Rey – Na época, o Rio ganhava. Mas, em 1950, São Paulo logo se equiparou. Já se dizia que era melhor. Agora, eu continuei freqüentando o Rio. Como redator da Rádio Nacional, volta e meia eu ia para o Rio.

TUDA – Eram os anos dourados?
Rey – Sim, grandes transformações. A popularização da geladeira, do telefone, da luz elétrica. Nesse período, fui trabalhar em uma agência chamada Panam, que, na época, era uma grande agência. Eu era o redator da Brastemp e criei um slogan chamado "espaço integral", porque foi a Brastemp que inventou as portas utilizáveis.

TUDA – Panam, Casa de Amigos?
Rey – Sim, da família Souza Ramos. E, aí, a porta utilizava o espaço integral. Foi um grande negócio.

TUDA – A Panam tinha a conta da Light...
Rey – Aliás, eu estava sempre na Light e na Telefônica. Light, Telefônica e Brastemp eram as três principais contas da Panam.

TUDA – Você fez algum anúncio para a Light?
Rey – Fazia muito para a Brastemp. A Light era um negócio meio quadradão. Às vezes mandavam sugestão já pronta. Depois da Panam, fui para a Norton. E, ali, está a minha melhor história na propaganda. Eu trabalhava na Norton quando houve o golpe militar em 1964. O dono era o Geraldo Alonso, que me obrigou a fazer um artigo sobre o Castelo Branco. Imagine eu, naquela pressão, escrever um artigo que favorecesse o Castelo Branco. Aí escrevi um artigo, com três laudas, para ele publicar nos jornais. Então ele leu: "Muito bem, parabéns, está ótimo". Nisso um cara vinha entrando: "Leia isso aí", disse. O cara leu, leu, e falou: "Tem umas coisas aí que parecem que são contra o Castelo Branco, não?" Então, ele chamou o diretor de rádio e TV: "Leia isso." "Está meio frio, está meio frio", disse o diretor. O Geraldo leu novamente e, quando o Geraldo leu de novo, ele é que não se convenceu: "Realmente, tem alguma coisa aqui", disse. Chegou mais um, ou dois, morreu o dia. No dia seguinte, vou à diretoria. Na mesa redonda tinha 22 pessoas, todo mundo lendo o artigo. Um achava que era ótimo, outro achava que tinha algumas coisas contra o Castelo Branco. Outro achava indiferente, outro disse que era coisa de comunista. Todos da Norton leram... as telefonistas leram... Todos tinham uma opinião a respeito. Uns achavam meio frio, outros diziam para publicá-lo. Resultado: teve que ter eleição, votação. Por um voto resolveram que era melhor o artigo não ser publicado, por segurança. Agora, seria o meu maior artigo num livro, ia ser uma obra-prima. A minha maior tristeza é não ter conservado este artigo. Hoje, deveria estar nas universidades.

TUDA – Em plena ditadura, democraticamente, fizeram a votação do artigo? Você o jogou fora?
Rey – Sim, depois me arrependi.

TUDA – Na época, a publicidade pagava tão bem como hoje?
Rey – Acho que pagava. A vida também era tão barata que é difícil fazer este cálculo. Uma vez tentei fazer esse cálculo com meu irmão Mário, mas não conseguimos. Não era tanto salário mínimo, mas dava para ir a um grande restaurante toda noite. E estava pagando muito mais que o rádio e a televisão. Depois, eu era um cara que não gastava dinheiro. Nesse período eu só tive um carro, um Fiat. Estava sempre quebrado, o motor de arranque nunca funcionava. Depois, eu achei que era um negócio muito perigoso: alcoólatra dirigindo na madrugada, ninguém queria andar comigo.

TUDA – Mas o trânsito era pequeno?
Rey – Tinha menos carros, mas as ruas eram mais estreitas. Não havia grandes avenidas, tinha o bonde. Eu era meio atrapalhado, perigoso e ninguém queria andar comigo... só a pé.

TUDA – Um arquiteto português dizia que no Brasil se cuida bem, se preserva bem a arquitetura. Você concorda com isso?
Rey – Bem, certa época escrevi um livro A história da habitação humana. Para elaborar este livro, eu que nada conhecia de arquitetura, tive de procurar a ajuda de arquitetos. Aí, me apaixonei pela arquitetura. É uma profissão que eu podia ter seguido. Talvez tudo isso seja reflexo das visitas aos casarões, que meu pai me levava na minha infância. Quanto à preservação, não sei responder. Parece que não.

TUDA – A São Paulo dos anos 50 ainda resiste?
Rey – Bom, os arranha-céus, que hoje chamam de espigões, descaracterizam qualquer cidade. Em Paris há uma zona que só tem prédios, à margem do Sena; o pior local do Sena é aquele. Parece que não é mais Paris. Mas, aí é inevitável. Eu não sou contra isso porque é uma coisa inevitável. Mas devemos preservar o que restou. Eu sou favorável, por exemplo, à preservação do Bixiga. A preservação dá um charme tremendo. O Bixiga tem charme. Mas tudo é novo em São Paulo, até o velho paulista é novo. É novo na escala do tempo. Você vê um casarão que tem 50 anos, mas não chega a ter história. Em compensação, temos coisas de muito valor histórico que devemos preservar.

TUDA – Seu trabalho envolve memória, não só da cidade como também dos seus habitantes. Isso que você retrata nos seus livros. O país cuida da sua memória?
Rey – Há um ano e meio fui chamado para trabalhar na FAAP, com aulas de roteiro. Convivo com alunos do sexto semestre de uma faculdade. Eles têm 22 e 23 anos. Eu acho errado dizer que são todos imbecis, não é verdade. Eles são inteligentes, mas me assusta conversar com eles. Parece que o mundo, para eles, começou agora. Outro dia, falei em Euclides da Cunha. Um deles perguntou se eu conhecia o Euclides da Cunha. Eles não têm a noção do tempo, da continuidade: "Isso é velho pacas", dizem. Então, isso me assusta. Esse contato semanal com a juventude tem me assustado, sobretudo pela falta ou perda da continuidade das coisas. Será que aquele mundo que eu vi e vivi vai naufragar inteiramente? Será que ele vai desaparecer água abaixo, como o Titanic? Será que ele vai afundar de uma vez? Acho que o fato de eu estar escrevendo esse livro meio memorialístico talvez seja até um reflexo desse convívio com a mocidade, que estou tendo agora. Comecei a ficar assustado. Em matéria de tudo. Nunca ouviram falar em Bing Crosby. Será que é normal? É o samba do crioulo doido, não é?

TUDA – Não seria a questão da fragmentação do tempo, da informação do vídeo? Ou seja, existe tempo, mas não existe continuidade?
Rey – E houve coisas fascinantes. No meu tempo, uma das coisas que mais me impressionaram foi a descoberta da penicilina. Só há três inventos importantes: o telefone, a geladeira, que eu não gosto de tomar coisa quente, e a penicilina. Hoje, falam muito da liberdade sexual, mas já imaginou um período, como foi o de 1946, quando anunciaram que não existiam mais doenças venéreas? Era um tempo mais inocente, mas de grande trepação. E era só chegar na farmácia, tomar uma injeção e você já estava curado.

TUDA – Começou quando na televisão?
Rey – Comecei no rádio, na Excelsior, em 1949, mas só entrei na televisão em 1955, no canal 5 (TV Paulista). Depois, fui para a TV Excelsior; da Excelsior para a Tupi, Record, voltei para a Tupi, para a Excelsior. Nos últimos tempos, fiquei doze anos na TV Globo. Mas não tenho mais nenhuma sedução por esse tipo de produção. Acho uns fabricantes de bolhas de sabão. Todo mundo fala pra mim: "Você está fazendo novela e é visto por milhões de pessoas". Mas, uma semana depois, ninguém se lembra, ninguém sabe quem escreveu. Um mês depois, nem os autores lembram. Eu sei disso, porque uma TV da Venezuela quis comprar uma novela minha, que eu fiz na Tupi. Mas minha mulher, diante daquele calhamaço, o jogou fora, pois estava criando traça. Então, o homem da TV falou: "Não precisa reescrever a novela, queremos apenas a sinopse. Nós compramos a sinopse", ele disse. Acreditem: não me lembrava da história. Aí, telefonei para todos os artistas ainda vivos, que haviam trabalhado na novela. Lembravam da novela, mas não lembravam da história. Ninguém lembra. Quer dizer: é como fabricar bolhas de sabão. Com o livro, não. Meu livro Um gato no triângulo, de 1953, que tirou três mil exemplares, volta e meia encontro alguém que leu. E, melhor, lembra da história.

TUDA – A televisão seria a anti-memória?
Rey – Eu acho. Em geral, é.

TUDA – Qual o roteiro turístico que você faria, hoje, um sábado para lembrar a São Paulo da década de 50. É possível?
Rey – Para mim, o sábado seria uma prorrogação da sexta-feira. Prorrogação não; o grande dia era a sexta-feira. Quando trabalhava na publicidade, saía na sexta e só voltava na segunda. Também, o grande hollyday começava na sexta. Na sexta eu ia num lugar que ainda existe hoje: o Scarabocchio. O Scarabocchio é um lugar de fim de tarde, onde se reúnem as mais lindas garotas de programa da cidade de São Paulo. Onde todos tinham carro. Todos eram motorizados. Nessas saídas, eu ia com meu amigo Cláudio Corimbaba, que me inspirou o romance Memórias de um gigolô. Eu ia lá porque sabia que estava sendo bem conduzido. Inclusive, o Cláudio tinha conta permanente nesse lugar de encontros. Aí, como amigo do Cláudio, eu não ficava na mão, não sobrava. Era uma espécie de chacal daquele gigolô. O Paris já estava começando a regorgitar de garotas. Chegávamos e tal; tínhamos uma mesa cativa. A Rádio Nacional tinha mesa cativa no Clube de Paris... ficava na rua Araújo. Então, do Clube de Paris, a primeira parada era no Dom Casmurro. Lá era um lugar muito elétrico. Nas sextas-feiras tinha o famoso "arroz a la grega", um arroz com camarão que era maravilhoso. Terminava isso lá pela meia-noite. Tinha ainda programas opcionais: ir ao Arpège, que era uma boate meio chique na avenida São Luiz. Ficávamos até duas horas e, depois, sempre dava uma passada no Nick Bar. Uma passada, uma passadinha para ver o que estava acontecendo ali. Às vezes tinha uns cantores bons: o Dick Farney, o Ivon Cury, que era um grande amigo meu, engraçadíssimo, ou o Lúcio Alves.

TUDA – A condução era táxi ou carro próprio?
Rey – Carro ou táxi. Táxi era baratíssimo. Hoje é caro pra burro, mas era barato. Eu tinha um carro e o Cláudio também. O Cláudio também dirigia mal, porque estava sempre bêbado. Não era aconselhável. Aí, a gente ficava no Nick Bar até às 3 ou 4 horas da manhã. E, geralmente, pegávamos ainda as boates do fim de noite. Havia a chamada Chez Moi, na rua Augusta; outra chamava-se Chez Armand, na rua Rego Freitas. Havia outro chamado Pierrot. Pierrot era bar-boate. Eles tinham uma cantora italiana chamada Ana Hélia, que a gente gostava de ver.

TUDA – E o Refúgio, na avenida 9 de Julho?
Rey – Iam muitas mulheres casadas no Refúgio. Era de uma escuridão tenebrosa. Era o lugar mais escuro do mundo, o único lugar em que a Light não ganhava dinheiro.

TUDA – Estamos na sexta.
Rey – Estamos na sexta. Aí, à tarde, era aquela puta dormida. Dormia até tarde, mas no fim da tarde de sábado a gente já se encontrava nos bares da São Luiz, que eram o Mirim, o Plata e o Paribar. O Paribar eu freqüentei muito. Então eram os bares que já estavam abertos sábado à tarde e, aí, nós ficávamos lá enchendo a cara de cerveja. No sábado, havia um negócio assim de Clube dos Artistas. O sábado não era um grande dia: Clube dos Artistas, Dom Casmurro... agora, se tivesse dinheiro, a glória era o Oásis. Eu tinha uma garota que eu só ia com ela no Oásis. Eu pedia dinheiro pra todo mundo: "Me dá dois mil, me dá mil, deixa eu levar a Anita ao Oásis. Puta merda, era a minha Anita!

TUDA – Vem daí o título do livro de seu irmão, Mário Donato, A presença de Anita?
Rey – Não. O Mário nunca teve uma Anita; ela era minha.

TUDA – Estamos no sábado.
Rey – O sábado era uma repetição. Ia-se muito ao Oásis, quando tinha dinheiro, ou ao African Boate, uma boate de luxo. Sempre passava no Clube dos Artistas pra sentir a noite. Se tivesse uma garota especial, a levava ao Je Reviens, lá no final da Paulista.

TUDA – Onde tem hoje aquele barzinho chamado Riviera?
Rey – Riviera, ao lado do Riviera.

TUDA – Domingo. Você não ia remar no Tietê?
Rey – Não, não ia. Não tinha forças pra isso.

TUDA – Por que Marcos Rey?
Rey – Meu nome é Edmundo Donato, Marcos Rey é pseudônimo. Quando comecei a escrever, publiquei, pela primeira vez, na Folha. Foi em 1941. Estreei numa capa de rosto do suplemento literário, com desenho do Belmonte.

TUDA – Era um conto?
Rey – Era. Hoje eu o acho horrível, mas tive um grande destaque. Mas então o Mário me chamou e disse: "Você vai ser o terceiro a usar o sobrenome Donato: Hernani Donato, eu e, agora, você. Por que não arranja um pseudônimo? No começo eu resisti um pouco, mas aí me lembrei da Bíblia e do personagem Marcos. Naquele tempo o nome Marcos não era tão manjado como é hoje. Também me lembrei de uma bisavó, que não conheci. Era italiana e passou uma tradição oral para minha mãe. Ela se chamava Delré. Aí, pensando em por Rei, Reis, ficou Rey. E eu continuei publicando, inclusive numa revista chamada Oriente, uma revista meio de picaretagem, mas que pagava cem mil réis, ou cem cruzeiros, em 1943. Cem mil réis dava para comprar 50 maços de cigarros, que eu fumava escondido.

TUDA – Qual cigarro?
Rey – Elmo, mas era um horror.

TUDA – Você escreve um livro de memórias. Como está o trabalho?
Rey – Comecei a fazer uma série sobre figuras que eu conheci no meu tempo. Recentemente fiz uma com Lima Barreto, o cineasta. Está primorosa, acho. Lima era considerado o cara mais chato da noite. Todo mundo fugia dele. Tinha mania de dizer: "Você é capaz de imaginar um diálogo entre mim e Voltaire? Se for capaz, você tem cultura." Um dia, um amigo meu disse para ele que tinha visto O Cangaceiro e achou uma droga. Foi a única pessoa que teve coragem de dizer pra ele que O Cangaceiro era uma droga. O Lima Barreto ficou uma semana apagado. Outro dia, ele voltou ao Dom Casmurro, sentou-se à mesa e falou: "Vocês são capazes de imaginar um papo entre mim, Voltaire e Shakespeare?" Tinha acrescentado mais um; mais um...

TUDA – Voltaire foi insuficiente?
Rey – Mais um. Então, a primeira parte do livro é sobre tipos curiosos que conheci na noite. Há algum tempo o escritor João Antônio me escreveu dizendo que não me esquecesse dos chatos, porque eles dão boas histórias. Foi graças ao João que comecei a pensar nos chatos.

TUDA – Eram muitos os chatos?
Rey – Um foi o Lima. Mas tem outro que é histórico. É o seguinte: quando nós estávamos para sair da boate, às cinco da matina, ele chegava bem vestido, cheirando a sabonete. Parecia que tinha saído do banho naquele momento. E ia abraçando todo mundo nas mesas e dizendo: "Old friend, old night, old times, old friend..." Era cada abraço dolorido, afogava a gente. Durante uns cinco anos encontramos esse cara e nunca conseguimos descobrir quem ele era. "Old friend, old night..." Até o dia em que ele desapareceu. Aí, começamos a desconfiar que os velhos tempos, os velhos amigos, as velhas noites estavam acabando.

Confira a página de Marcos Rey:
http://www.marcosrey.com.br/home.htm

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Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 2 - Fevereiro 2009
Ilustração - José Geraldo Martins de Barros

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Ano I Número 4 - Abril 2009
Iliustração - Ragnar Lagerblad

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Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 4 - Abril 2009
A Mente Pela Lente - Matilde Damele


Coney Island, Ny 2006



São Paulo, 2008

TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 4 - Abril 2009
Dos Leitores


O Fim De Um Sonho - José Miranda Filho



O dia mal amanheceu e ele já estava de pé. Estava frio e escuro. Levantou-se e foi direto à cozinha fazer o café. O almoço estava feito desde ontem à noite e acondicionado na marmita, dentro do forno para não esfriar. A mulher e as crianças continuaram dormindo.

Pegou a marmita, o guarda-chuva e os bilhetes da condução e partiu para mais um dia de trabalho. Ele era mestre de obras na construção de um prédio de 40 andares, com todos os requintes de luxo: piscina quente e fria, adulta e infantil, churrasqueira, solarium, sala de ginástica, biblioteca, discoteca, salão de festas e de jogos, sauna, e um tanto de coisas mais que mal sabia o que eram. Também, para esse tipo de edifício, um apartamento por andar, com 400 metros quadrados de área, tinha que ter mesmo todas essas coisas extravagantes, que só os ricos podem possuir, pensava ele.

Andou cerca de 500 metros para pegar o ônibus que o levaria até a obra. De sua casa até o trabalho gastava uma hora e trinta minutos. De segunda a sexta ele fazia esse percurso duas vezes ao dia. Aos sábados ele trabalhava de pedreiro fazendo bico para os vizinhos. Afinal, sua fama de bom profissional se espalhara na redondeza.

Aquele dia de chuva e frio parecia normal como qualquer outro, não fosse a triste tragédia que abalou os operários do canteiro de obras, e particularmente o mestre seu chefe e amigo Ton, também conterrâneo.

Às 10 horas e 30 minutos, um andaime carregado de tijolos e cimento despencou do 12º andar e atingiu em cheio a cabeça de Severino, um ajudante “meia-cuié” na gíria da construção, que morava no próprio local e estava no momento do acidente, preparando a massa para o assentamento de pisos no apartamento que serviria de amostra aos futuros compradores.

Todos correram na tentativa de salvar aquele humilde operário que havia deixado a mulher e dois filhos no sertão nordestino do Piauí para tentar ganhar a vida em São Paulo, fugindo da seca e da fome. Lá não tinha emprego e nem perspectiva de melhora. A frente de trabalho aberta pelo governo para a construção de açudes não fora suficiente para empregar todo mundo. Tinha gente demais e vaga de menos. O jeito foi arrumar as malas, pegar o ônibus e partir para a aventura, afinal já ouvira falar que em São Paulo se ganha muito dinheiro e tem trabalho para todo mundo. Lá ficaram, a esposa e os dois filhos, menores de idade: William e Wellington, de dois e três anos, respectivamente.

Cícero, conterrâneo e amigo do Piauí, colega de acampamento de Severino, não continha as lágrimas que lhe caiam sobre o rosto transtornado e molhado de suor: - Que coisa horrível, meu Deus, que tragédia, repetia a todo instante, indo e vindo de um lado para outro do lugar onde estava o corpo. - Como o Severino não viu o andaime vindo em sua direção! – Será que ele não ouviu o barulho dos cabos deslizando sobre a torre de madeira? Meu Deus!, exclamava a todo instante.

O resgate foi acionado e os heróis salva-vidas do corpo de bombeiros nada puderam fazer pelo coitado que jazia moribundo sobre o teto frio da laje.

Às 20 horas seu corpo foi levado para e Instituto Médico Legal para autopsia.

Cícero, que a pedido do mestre de obras acompanhou tudo e incumbiu-se de transmitir à família a triste tragédia, imaginava um modo de avisar sem causar traumas ou sentimentos maiores. Não tinha como fazer... na casa de Severino não tinha telefone, aliás na vila inteira ninguém tinha. O jeito foi mesmo ligar para o posto telefônico local e pedir para irem até a casa de Dona Zuleide, avisá-la para estar ás 21 horas na telefônica, que Severino, seu esposo, queria falar com ela.

Às 21 horas em ponto Cícero telefonou e disse que Severino não pudera vir e pediu-lhe que desse o recado. Mas, Zuleide não acreditou e começou a chorar questionando Cícero sobre o que havia acontecido, já que a noite passada tivera um sonho em que via inerte sobre uma laje o corpo do marido.

Em prantos Cícero contou-lhe o ocorrido e disse que o corpo de Severino estava sendo enviado para sua cidade para ser sepultado, e em seguida desligou o telefone.

À noite, na solidão do acampamento, sem a presença do companheiro e amigo, Cícero imaginava-se voltando para sua terra natal com dinheiro no bolso, o suficiente para comprar algumas rezes e uma pequena roça onde pudesse plantar e colher alguns grãos, sustentar a família e viver feliz. Sonho que Severino também sonhou sem tempo de realizar.

Autores

Ademir Demarchi Adília Lopes Adriana Pessolato Afobório Agustín Ubeda Alan Kenny Alberto Bresciani Alberto da Cunha Melo Aldo Votto Alejandra Pizarnik Alessandro Miranda Alexei Bueno Alexis Pomerantzeff Ali Ahmad Said Asbar Almandrade Álvaro de Campos Alyssa Monks Amadeu Ferreira Ana Cristina Cesar Ana Paula Guimarães Andrew Simpson Anthony Thwaite Antonio Brasileiro Antonio Cisneros Antonio Gamoneda António Nobre Antonio Romane Ari Cândido Ari Candido Fernandes Aristides Klafke Arnaldo Xavier Atsuro Riley Aurélio de Oliveira Banksy Bertolt Brecht Bo Mathorne Bob Dylan Bruno Tolentino Calabrone Camila Alencar Cândido Rolim Carey Clarke Carla Andrade Carlos Barbosa Carlos Bonfá Carlos Drummond de Andrade Carlos Eugênio Junqueira Ayres Carlos Pena Filho Carol Ann Duffy Carolyn Crawford Cassiano Ricardo Cecília Meireles Celso de Alencar Cesar Cruz Charles Bukowski Chico Buarque de Hollanda Chico Buarque de Hollanda and Paulo Pontes Claudia Roquette-Pinto Constantine Cavafy Conteúdos Cornelius Eady Cruz e Souza Cyro de Mattos Dantas Mota David Butler Décio Pignatari Denise Freitas Desmond O’Grady Dimitris Lyacos Dino Valls Dom e Ravel Donald Teskey Donizete Galvão Donna Acheson-Juillet Dorival Fontana Dylan Thomas Edgar Allan Poe Edson Bueno de Camargo Eduardo Miranda Eduardo Sarno Eduvier Fuentes Fernández Elaine Garvey Éle Semog Elizabeth Bishop Enio Squeff Ernest Descals Eugénio de Andrade Evgen Bavcar Fernando Pessoa Fernando Portela Ferreira Gullar Firmino Rocha Francisco Niebro George Callaghan George Garrett Gey Espinheira Gherashim Luca Gil Scott-Heron Gilberto Nable Glauco Vilas Boas Gonçalves Dias Grant Wood Gregório de Matos Guilherme de Almeida Hamilton Faria Henri Matisse Henrique Augusto Chaudon Henry Vaughan Hilda Hilst Hughie O'Donoghue Husam Rabahia Ian Iqbal Rashid Ingeborg Bachmann Issa Touma Italo Ramos Itamar Assumpção Iulian Boldea Ivan Donn Carswell Ivan Justen Santana Ivan Titor Ivana Arruda Leite Izacyl Guimarães Ferreira Jacek Yerka Jack Butler Yeats Jackson Pollock Jacob Pinheiro Goldberg Jacques Roumain James Joyce James Merril James Wright Jan Nepomuk Neruda Jason Yarmosky Jeanette Rozsas Jim McDonald Joan Maragall i Gorina João Cabral de Melo Neto João Guimarães Rosa João Werner Joaquim Cardozo Joe Fenton John Doherty John Steuart Curry John Updike John Yeats José Carlos de Souza José de Almada-Negreiros José Geraldo de Barros Martins José Inácio Vieira de Melo José Miranda Filho José Paulo Paes José Ricardo Nunes José Saramago Josep Daústin Junqueira Ayres Kerry Shawn Keys Konstanty Ildefons Galczynski Kurt Weill Lêdo Ivo Léon Laleau Leonardo André Elwing Goldberg Lluís Llach I Grande Lou Reed Luis Serguilha Luiz Otávio Oliani Luiz Roberto Guedes Luther Lebtag Magnhild Opdol Manoel de Barros Marçal Aquino Márcio-André Marco Rheis Marcos Rey Mari Khnkoyan Maria do Rosário Pedreira Mariângela de Almeida Marina Abramović Marina Alexiou Mario Benedetti Mário Chamie Mário de Andrade Mário de Sá-Carneiro Mário Faustino Mario Quintana Marly Agostini Franzin Marta Penter Masaoka Shiki Maser Matilde Damele Matthias Johannessen Michael Palmer Miguel Torga Mira Schendel Moacir Amâncio Mr. Mead Murilo Carvalho Murilo Mendes Nadir Afonso Nâzım Hikmet Nuala Ní Chonchuír Nuala Ní Dhomhnaill Odd Nerdrum Orides Fontela Orlando Gibbons Orlando Teruz Oscar Niemeyer Osip Mandelstam Oswald de Andrade Pablo Neruda Pablo Picasso Pádraig Mac Piarais Patativa do Assaré Paul Funge Paul Henry Paulo Afonso da Silva Pinto Paulo Cancela de Abreu Paulo Henriques Britto Paulo Leminski Pedro Du Bois Pedro Lemebel Pete Doherty Petya Stoykova Dubarova Pink Floyd Plínio de Aguiar Qi Baishi Rafael Mantovani Ragnar Lagerbald Raquel Naveira Raul Bopp Regina Alonso Régis Bonvicino Renato Borgomoni Renato de Almeida Martins Renato Rezende Ricardo Portugal Ricardo Primo Portugal Ronald Augusto Roniwalter Jatobá Rowena Dring Rui Carvalho Homem Rui Lage Ruy Belo Ruy Espinheira Filho Ruzbihan al-Shirazi Salvado Dalí Sandra Ciccone Ginez Santiago de Novais Saúl Dias Scott Scheidly Seamus Heaney Sebastià Alzamora Sebastian Guerrini Shahram Karimi Shorsha Sullivan Sigitas Parulskis Sílvio Ferreira Leite Silvio Fiorani Sílvio Fiorani Smokey Robinson Sohrab Sepehri Sophia de Mello Breyner Andresen Souzalopes Susana Thénon Susie Hervatin Suzana Cano The Yes Men Thom Gunn Tim Burton Tomasz Bagiński Torquato Neto Túlia Lopes Vagner Barbosa Val Byrne Valdomiro Santana Vera Lúcia de Oliveira Vicente Werner y Sanchez Victor Giudice Vieira da Silva Vinícius de Moraes W. B. Yeats W.H. Auden Walt Disney Walter Frederick Osborne William Kentridge Willian Blake Wladimir Augusto Yves Bonnefoy Zdzisław Beksiński Zé Rodrix